Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O que faltou perguntar à Transparência Brasil

Tanto quanto bastante outra gente, surpreendi-me com a presença do nome de Emerson Kapaz, conselheiro da Transparência Brasil, entre aqueles que teriam envolvimento no escândalo da Máfia das Ambulâncias.


Antes de passar ao que interessa, alguns esclarecimentos preliminares.


Kapaz licenciou-se do Conselho Deliberativo da Transparência Brasil na segunda-feira subseqüente (24/7) à publicação da matéria da Veja [‘Era pior do que se pensava’, edição nº 1966, data de 26/7/06], fato de que dei conhecimento à imprensa por meio de nota.


Observo que, a respeito dos assuntos institucionais da Transparência Brasil, temos a mesma atitude que defendemos em relação à esfera pública. A saber, acreditamos que pessoas indiciadas por atos de corrupção não devem exercer representação política. É por isso que mantemos presentemente uma campanha denominada ‘Não vote em mensaleiro’ (e sanguessuga, curupira etc.).


O mesmo vale para a representação política dentro da entidade. Uma pessoa que seja envolvida em casos de corrupção não pode exercer representação no Conselho da entidade.


Contudo, dizer para não votar em mensaleiro não significa dizer que os direitos políticos dos indivíduos devam ser cassados sumariamente. Mutatis mutandis, se Emerson Kapaz não detém, presentemente, condições de exercer funções nos órgãos da Transparência Brasil, ele não foi excluído do quadro associativo da entidade.


Essas são todas informações de caráter formal.


Na prática, é evidente que uma pessoa sobre a qual existam indícios convincentes de participação em atos ilícitos não pode pertencer a uma entidade voltada para o combate à corrupção. A esse respeito, observo que o ex-Procurador-Geral da República Aristides Junqueira, que ajudou a fundar a Transparência Brasil e já pertenceu ao Conselho da entidade, cancelou de moto próprio sua associação quando seu nome apareceu como tendo recebido honorários que não declarou. O ato voluntário de Junqueira tornou dispensável alguma providência da entidade. Observe-se que, neste caso, Junqueira teria recebido honorários no caixa dois, ao que se informa uma prática corriqueira entre advogados. É claro que ser corriqueira não torna a prática menos censurável, daí advindo seu desligamento.


O desenvolvimento do caso Kapaz indicará se sua pertinência associativa à Transparência Brasil prosseguirá ou não.


Atitude inquisitiva


Agora ao que importa.


Outra coisa completamente diferente é imaginar que o tempo corre para trás, que possamos ter visão de raios-X ou o dom da telepatia. Ou seja, se alguém que imaginamos seja uma pessoa de bem se dispõe a trabalhar conosco e, mais tarde, verifica-se que pode ter se envolvido em casos de corrupção, não é razoável imaginar que se pudesse ter de alguma forma prevenido o embaraço futuro pela negativa de uma aproximação que se deu no passado.


Em outras palavras, o conhecimento presente em nada ajuda atos passados. Com o benefício do hindsight tudo fica muito mais fácil. O problema é que ninguém tem foresight.


Observei em alguns comentários publicados no Observatório da Imprensa (ou nele reproduzidos de outras publicações) uma atitude recriminatória não só em relação à pessoa envolvida (o que é normal, esperado e justíssimo), mas quanto às entidades de que ela participava. Em diferentes graus, conforme tais comentários, o ‘caso Emerson Kapaz’ de alguma forma seria indício de que a tais entidades careceria respeitabilidade.


Acho que isso é ir longe demais. Não tenho nenhuma intenção de defender cegamente entidades às quais a pessoa A ou B é ou foi ligada, mesmo porque não formo entre aqueles que consideram que os propósitos de uma entidade são automaticamente respeitáveis meramente porque se instituem, ou são promovidas por X ou Y. Mas posso, e devo, defender a entidade que represento.


Acredito que a respeitabilidade de uma organização deva ser medida por aquilo que ela faz concretamente, pelas teses que advoga, pelos serviços que presta, pelo papel que assume ante os fatos que se lhe são apresentados na esfera coletiva, pela disposição de seus representantes em discutir seus pressupostos, pela franqueza com que se comporta, pela abertura de informações a respeito de si própria e por mil outros fatores, em particular aqueles objetivamente comprováveis.


É evidente que qualquer organização deve estar sempre disponível para inquirições a respeito de suas motivações (por exemplo, quem as paga?, por que pagam?) e das causas que defende (quais interesses são servidos?; isto aqui, que se apresenta como de interesse público, é mesmo isso?). É papel de qualquer um fazer tais perguntas, mas mais fundamentalmente é papel da imprensa. A esse respeito, observo que, embora a Transparência Brasil seja às vezes indagada sobre isso, a freqüência com que acontece é baixa.


Creio que, se a imprensa tivesse uma atitude mais inquisitiva em relação a entidades de modo geral, seria menos fácil a observadores despender julgamentos todo-abrangentes que carecem de justificação.

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Diretor executivo da Transparência Brasil