Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O que interessa é iluminar a área cinzenta

Nosso Observatório da Imprensa na TV não é picadeiro nem tribunal, muito menos um paredón. Como tem sido explicado, a idéia central do projeto é estimular o cidadão-telespectador a pensar a mídia. Oferecer-lhe subsídios para ‘não ler jornais do mesmo jeito’.

É também uma janela onde os profissionais de imprensa podem mostrar a cara e dar satisfações a seu público. Tentativa de criar transparência onde não podem existir áreas cinzentas. Por isso, são válidas todas as opiniões emitidas sobre a mídia porque o que interessa são os resíduos que deixam.

O público já não se deixa iludir, a mídia já não dá a palavra final porque certos segmentos da sociedade brasileira já estão inoculados com os antídotos necessários para desenvolver um saudável ceticismo cidadão. A melhor prova deste ceticismo é a sondagem de nossa Urn@ Eletrônica, iniciada na edição 266 e continuada na edição seguinte (nº 267).

Mesmo que para a maioria dos participantes do último programa de TV (terça, 2/3) não fosse relevante a questão da preservação da fonte e dos caminhos percorridos pelo vídeo até produzir o ‘Waldogate’, a maioria dos telespectadores manteve a tendência mostrada antes do programa. Às 22h30, e num universo de 835 votantes até aquele momento, 53% achavam que a imprensa NÃO deveria preservar a fonte que denunciou o ex-assessor Waldomiro Diniz, contra 47% a considerar que, SIM, era necessário manter a fonte sob sigilo.

Hoje, com um número de votantes muito maior, a proporção mantém-se a mesma – 52% (755 votantes) optando pelo NÃO e 48% (697 votos) pelo SIM, às 16h50 da segunda-feira, 8/3. Isto significa que a sociedade considera importante saber como é que este vídeo chegou à redação da revista Época e como opera o crime organizado quando quer desfazer-se dos cúmplices.

A segunda fita

Não são muitos os jornalistas que se dispõem a prestar contas ao público no momento em que suas matérias ou seus veículos estão no centro das atenções. Por isso, é mais do que elogiosa a disposição de Gustavo Krieger, diretor da sucursal de Época em Brasília (e, junto com o repórter Andrei Meireles, um dos autores da matéria que está abalando a República), em comparecer ao programa para oferecer esclarecimentos sobre os procedimentos que envolveram a publicação da reportagem.

Algumas de suas afirmações, no entanto, pedem reflexões e, longe de encerrar a questão, mostram a importância de mantê-la em discussão. Quando o jornalista Krieger disse que a questão colocada no programa é ‘uma falsa polêmica’, manifestava uma opinião altamente respeitável. Mas as sentenças seguintes, retiradas de suas intervenções no programa, merecem reparos:

‘…A primeira reportagem deixava claro, inclusive com uma foto logo na primeira página da matéria, que foi o bicheiro que fez a gravação, que ele armou a câmera, que ele reclamou do foco. Ficava absolutamente claro que o autor da gravação era o senhor Carlos Augusto Ramos, bicheiro, ou como ele prefere ser chamado, ‘empresário de loterias instantâneas’…’

Até aí nenhuma novidade. Mas, em seguida, Krieger informou que ‘a fita chegou à Época pelo senador Antero Paes de Berros’ e que este a encaminhou ao Ministério Público. Porém, na matéria do semanário (edição de 16/2, págs. 32-33) esta informação foi omitida. Ali, diz-se apenas que:

‘…na verdade o senador recebeu duas fitas. A segunda flagra um encontro de Waldomiro com Cachoeira no aeroporto de Brasília no dia 5 de abril de 2002. Gravada pelas câmeras de segurança do próprio terminal, não tem áudio. É justamente isso que aumenta o clima de mistério. A câmera giratória permanece fixa na mesa do restaurante onde os dois conversam. Quando decidem ir embora, outras câmeras passam a seguir Waldomiro…’

Em nenhum momento da primeira matéria publicada 15 dias antes do programa está dito que o senador foi a fonte da revista. Este dado é importante. Na edição seguinte (23/2, págs. 28-31), a única referência à questão do vídeo ou da fonte está num fac-símile da edição anterior, sem qualquer dado novo. O leitor de Época, até a noite do programa, desconhecia o fato de que o parlamentar não confiava no Ministério Público, nem na sua própria capacidade de denunciar o escândalo na tribuna do Senado.

O fato de Carlinhos Cachoeira ter sido o autor da primeira fita é questão secundária. Esta, sim, é uma falsa polêmica. Até hoje não ficou esclarecida e sequer mencionada a autoria da segunda fita. E esta segunda fita, mesmo sem áudio, é a prova cabal de que o grande espetáculo a que estamos assistindo foi comandado inteiramente pelos arapongas a serviço da Grande Delinqüência.

Compromissos indelegáveis

A ‘força-tarefa’ montada pelo semanário para investigar o escândalo, até o momento, só conseguiu ouvir Waldomiro Diniz. O que é um extraordinário avanço se compararmos este caso com as denúncias anteriores montadas sobre fitas e grampos misteriosamente entregues a jornalistas.

Passadas três semanas, nem Época nem o resto da imprensa conseguiu ir adiante e desvendar a extensão da vasta área cinzenta onde opera o crime organizado e por onde circulou o vídeo antes de chegar ao semanário. Mesmo depois das revelações da Polícia Federal a respeito da participação de policiais civis na gravação do vídeo do aeroporto.

A importância desta denúncia de Época não reside apenas no seu teor – a participação de um alto funcionário da Presidência da República no esquema da contravenção. Tão ou mais grave é a forma através da qual a denúncia chegou ao conhecimento da sociedade. A fixação da mídia no ministro José Dirceu é uma forma de desviar as atenções sobre o poder político da Grande Delinqüência. Inclusive a forma como ela se serve da mídia para queimar seus cúmplices.

Ninguém está cobrando dos jornalistas a revelação de suas fontes ‘secretas’. Simplesmente porque neste caso não há fontes secretas a revelar. Ao provocar esta questão, o que interessa ao Observatório da Imprensa é mostrar com clareza os caminhos percorridos pelo vídeo e, com eles, revelar a extensão e o poder da área cinzenta em torno da Grande Delinqüência.

Só depois de levantar uma ‘falsa polêmica’ no programa do dia 2/3 ficou a sociedade brasileira plena e claramente informada de que o senador foi a fonte dos vídeos. Portanto, agora sabemos quem recebeu as denúncias das mãos de delinqüentes.

Antero Paes de Barros é senador da República, tem compromissos com seus eleitores, tem deveres com os seus pares e com a Casa que representa. Se preferiu passar a denúncia adiante, agora não pode fugir à obrigação de revelar como ela chegou às suas mãos. Se não o fizer, pode dar a impressão que a área cinzenta chegou até ele.