Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O significado de ‘tempos rigorosamente iguais’

Como em todas as outras eleições – locais, regionais ou nacionais – realizadas no país desde a redemocratização em 1985, mais uma vez a cobertura dos candidatos pela TV volta a ser objeto do interesse dos partidos e dos observadores da mídia. É mais uma reafirmação de que a televisão tem papel importante na determinação dos resultados eleitorais. E, claro, o principal telejornal da televisão brasileira – o Jornal Nacional da Rede Globo – está no centro do debate.

A indiscrição do presidente do PFL de quem se ouviu dizer que ‘nosso objetivo se chama Jornal Nacional‘ [ver aqui comentário de Luiz Weis sobre o assunto] e os resultados de pesquisas de intenção de voto indicando que o ‘fator HH’ [Heloísa Helena] pode produzir um cenário que levará as eleições presidenciais para o segundo turno, tornou inevitável que as atenções se voltassem para a exposição que os sete (isso mesmo, sete) candidatos à presidência da República têm recebido do JN desde o final das transmissões da Copa do Mundo – que dominaram a telinha por cinco semanas consecutivas.

Atores em disputa

Uma coluna do jornalista Nelson de Sá na Folha de S.Paulo (‘Toda Mídia’, quinta-feira, 20/7) dando indicações de que a cobertura do JN estaria deliberadamente favorecendo a candidata do PSOL, senadora Heloísa Helena, provocou uma curta mas esclarecedora resposta do diretor-executivo da Central Globo de Jornalismo, o jornalista Ali Kamel, publicada na Folha no dia seguinte. Nela, além de insistir na imparcialidade da cobertura, Kamel revela que foi celebrado um acordo entre a Globo e os partidos e, sobretudo, que ‘os candidatos que tenham pelo menos 5% nas pesquisas eleitorais ou alternativamente sejam filiados a partidos políticos que tenham ao menos cinco deputados federais’ terão cobertura em ‘tempos rigorosamente iguais’ no JN [ver ‘Um breve contra o bom jornalismo‘, de L.W., neste OI].

Muito bem. A questão que se coloca é: tempos rigorosamente iguais oferecem alguma garantia de que a cobertura jornalística seja isenta?

A mídia – e a televisão, em particular – é a principal responsável, no mundo contemporâneo, por tornar as coisas públicas. E, exatamente por isso, a política e os políticos dependem dela. Em períodos eleitorais – mas não só neles – os atores políticos têm que disputar visibilidade na mídia. Mas isso não basta: os políticos têm que disputar visibilidade favorável ao seu ponto de vista.

Esperar para ver

Já faz tempo os estudiosos do jornalismo trabalham com o conceito de ‘enquadramento’ (framing) da notícia. Na definição de Robert Entman…

‘…enquadrar é selecionar certos aspectos da realidade percebida e torná-los mais salientes no texto da comunicação de tal forma a promover a definição particular de um problema, de uma interpretação causal, de uma avaliação moral, e/ou a recomendação de tratamento para o tema descrito. Enquadramentos, tipicamente, diagnosticam, avaliam e prescrevem’.

Além disso…

‘…a maioria dos enquadramentos são definidos tanto por aquilo que omitem quanto por aquilo que incluem, e as omissões de definições potenciais de problemas, explicações, avaliações e recomendações podem ser tão críticas para conduzir as audiências quanto as inclusões’.

Trocando em miúdos: dois candidatos podem ter tempos rigorosamente iguais de cobertura na TV e, no entanto, se essa cobertura tiver sido feita com enquadramentos diferentes – por exemplo, um positivo e outro negativo – a percepção da audiência sobre os candidatos será diferente. Vale dizer que tempos rigorosamente iguais não são, portanto, garantia de isenção de cobertura.

Pelo menos dois grupos de pesquisa já anunciaram publicamente o acompanhamento sistemático da cobertura que a mídia está fazendo do processo eleitoral: o Datamídia da PUC do Rio Grande do Sul em parceria com o FNDC, e o Observatório Brasileiro de Mídia, filial brasileira do Media Watch Global.

É esperar para ver se a metodologia utilizada nos acompanhamentos será capaz de dar conta das importantes nuances dos enquadramentos utilizados na cobertura dos diferentes candidatos. Eles vão muito além dos tempos rigorosamente iguais e escondem o verdadeiro compromisso com uma cobertura equilibrada e isenta.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)