Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O sujeito oculto na guerra palaciana

Quem convenceu o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a abandonar a idéia de apertar o crédito? Por que ele decidiu negar, publicamente, a discussão de um plano para mexer no câmbio? Houve um sujeito oculto nesses dois episódios. Há certamente uma boa história palaciana por trás desses fatos, mas os jornais, até o fim de semana, deviam ao leitor o capítulo mais saboroso e mais informativo sobre como se decide a política econômica.

A novela começou com um sinal de alerta do Banco Central (BC): as pressões inflacionárias estão mais fortes. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva repetiu o aviso, sem mencionar o BC. Em mais de um pronunciamento, falou sobre o risco de um crescimento econômico muito veloz e prometeu acompanhar com lupa a evolução dos preços. Estaria apoiando, por antecipação, uma nova alta de juros?

Em seguida entrou em cena o ministro da Fazenda. Numa entrevista a Merval Pereira, do Globo, Mantega falou sobre a rápida expansão do crédito e acenou com medidas para conter os financiamentos. A informação foi publicada numa sexta-feira. No dia seguinte, os dois maiores jornais de São Paulo, o Estado e a Folha, reforçaram a notícia com mais detalhes obtidos de fontes oficiais.

Na segunda-feira seguinte, Mantega negou a intenção de mexer no crédito. Não havia risco de inflação maior nem motivo para controlar a expansão do consumo. Mas os três jornais haviam contado uma história inteiramente confiável. Algo havia acontecido, num breve intervalo, e o leitor mais curioso merecia uma explicação. O presidente Lula, embora se mostrasse preocupado com a inflação, teria preferido não se envolver na questão do crédito? Teria receio de prejuízo político num ano de eleições municipais? Teria havido interferência de seus conselheiros mais próximos?

Geração espontânea

Fora do governo, cresciam as pressões contra novas medidas antiinflacionárias. Dirigentes de entidades empresariais condenaram qualquer tentativa de contenção do crédito por meio de impostos ou de qualquer outro expediente de redução dos prazos. No Brasil, o prazo e o tamanho das prestações são mais importantes, para a maioria dos consumidores, do que o custo financeiro do crédito. Raramente os juros impedem a compra, se a prestação couber no orçamento.

Mas o empresariado se mobilizou, também, para barrar um novo aumento de juros. Se o crédito não fosse limitado de outra forma, o BC provavelmente recorreria a seu instrumento preferido, a taxa Selic. A campanha contra o possível aumento da taxa dominou a reunião do presidente Lula com o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), na terça-feira (1/4). Esse conselho, formado por empresários, sindicalistas e figuras bem vistas no Palácio do Planalto, é um lobby organizado pelo próprio governo e nunca produziu, até hoje, nada mais importante do que reclamações contra os juros.

Lula deixou Mantega falar mal dos ‘ortodoxos’ e acusá-los de ter medo do crescimento. Foi um discurso afinado com os desejos manifestados pelos empresários. Mas o presidente seguiu um roteiro próprio, sem acompanhar o discurso do ministro e sem se comprometer com os empresários. Melhor manter o país como tem estado até agora, explicou o presidente, ‘porque está bem’. Ponto para o BC? A interpretação ficou ao gosto de cada leitor.

Mas a encrenca em torno dos juros é mais complicada. Mantega havia renegado a idéia de mexer no crédito, mas começaram a aparece notícias de uma nova movimentação na área econômica. A novidade seria a adoção de uma política de meta cambial. As primeiras matérias apareceram no Valor, com reprodução cuidadosa dos argumentos enumerados pelas fontes. A questão do câmbio, sabia-se, era assunto de conversa na área econômica desde um famoso encontro do presidente Lula com os economistas Delfim Netto e Luiz Gonzaga Belluzzo.

Quando toda a imprensa começou a se movimentar para ir mais fundo na história da meta cambial, novo desmentido. O próprio Mantega decidiu apontar os defeitos da idéia, apontando a incompatibilidade entre o regime de meta de inflação, bem-sucedido até agora, e o sistema de meta cambial. Mas essa história, como a anterior, não havia surgido por geração espontânea, nem era invenção de repórteres desocupados. Novamente um sujeito oculto – talvez o mesmo de antes – havia interferido para encerrar a conversa.

Tendência firme

O melhor esforço de elucidação resultou numa reportagem assinada por Fabio Graner, da sucursal do Estadão em Brasília. A matéria descreveu a disputa entre o BC e a Fazenda em torno dos juros e do câmbio e mencionou a intervenção do presidente Lula nessa briga. Ele convocou o ministro da Fazenda e o presidente do BC, Henrique Meirelles, para uma conversa logo depois da reunião do CDES. Chamou-os também para um encontro no Palácio do Planalto na quinta-feira (3/4). Segundo fontes citadas na reportagem, a disputa entre Meirelles e Mantega passou do ponto. Mas ainda faltaram detalhes sobre as duas conversas e sobre as opiniões de Lula.

Por enquanto, Meirelles parece ter conseguido preservar seu território e a promessa de respeito à autonomia do BC, obtida quando foi convidado para o posto. Mas nem por isso se pode apostar com segurança num aumento dos juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Pelos últimos dados da Confederação Nacional da Indústria, as fábricas têm conseguido produzir mais com menor utilização da capacidade instalada.

Em outras palavras, já é significativo o aumento da capacidade produtiva, graças ao bom volume de investimentos em máquinas, equipamentos e instalações. Os porta-vozes da indústria apressaram-se a fornecer a interpretação desses dados: o risco de inflação associado a um excesso de procura não é significativo. Os principais jornais deram destaque a essa mensagem.

Se houver uma trégua na disputa entre Fazenda e BC, provavelmente será de curta duração, porque o tema câmbio-juros ficará mais quente com a veloz deterioração do superávit comercial. A tendência dificilmente mudará nos próximos meses. Com isso, a turbulência dentro do governo provavelmente crescerá. Se os moços da reportagem econômica ficarem atentos, terão boas histórias para contar.

******

Jornalista