Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

O silêncio volta a pairar em Brasília

Alguns meses após o vencimento das outorgas de rádio e TV de algumas das maiores empresas de radiodifusão do país, como Globo, Bandeirantes e Record, ocorrido em outubro do último ano, e das mobilizações que se seguiram por democracia e transparência nos processos de concessão, um incômodo e forçado silêncio paira sobre alguns dos setores envolvidos, sobretudo no governo federal.


Se, há poucos meses, o governo Lula até chegou a ensaiar um tímido questionamento aos corriqueiros e conhecidos descalabros nas renovações, vai ficando cada vez mais clara a percepção de que o interesse público deve ser novamente subjugado. Também no Congresso Nacional pouco se fala a respeito e nada parece tirar o Legislativo da inércia habitual.


Aproveitando a data de vencimento de várias outorgas em grandes cidades – 5 de outubro de 2007 – dezenas de entidades se reuniram na ‘Campanha por Democracia e Transparência nas Concessões de Rádio e TV’, reivindicando controle público e participação social nos processos de renovação. A diversidade de pautas na área de comunicação, como a questão da nova TV pública e da regulamentação da TV por assinatura, no entanto, têm dificultado uma atuação mais incisiva.


O recuo da Casa Civil


Em novembro passado, a Casa Civil da Presidência da República acenou com a possibilidade de uma mudança de postura, ao exigir que as emissoras comprovassem que cumpriram suas responsabilidades constitucionais nos últimos 15 anos. A investida gerou, evidentemente, apreensão das grandes empresas. A Casa Civil queria provas documentadas de que as emissoras haviam cumprido finalidades educativo-culturais, se respeitaram o percentual máximo de 25% de publicidade, se houve monopólio ou oligopólio, entre outros preceitos contidas na Constituição Federal ou na legislação para o setor.


É absolutamente natural que os empresários brasileiros não se preocupassem em arquivar tais informações, pois nunca foram cobrados de nada, mesmo se tratando de concessões públicas. O Minicom, coerente com seu papel histórico, saiu em defesa das emissoras alegando que não haveria regulamentação para os dispositivos constitucionais, sendo impossível cobrar os radiodifusores. E a Casa Civil acatou, sem nenhum alarde. O motivo para tanto é sigilo completo, pois o órgão se nega a responder a qualquer coisa que se relacione com o tema. ‘Este assunto é de competência do Ministério das Comunicações’ é a única frase ouvida por quem procura informações sobre a questão na Casa Civil.


O Minicom, por sua vez, mantém a lei do mínimo esforço, tanto para garantir acesso aos dados quanto a responder sobre o tema. A conclusão, nesse caso, parece óbvia. ‘É impressionante a cortina de fumaça que paira sobre esse tema. Nem o Ministério das Comunicações nem a Casa Civil, órgãos responsáveis pelo processo de renovação, falam claramente sobre ele’, afirma João Brant, coordenador do Intervozes e membro da Campanha por Democracia e Transparência nas Concessões de Rádio e TV. ‘Todas as informações que deveriam ser públicas são tratadas como sigilosas. Considerando que estamos falando de concessões públicas, e que o direito de acesso à informação pública está consagrado na Constituição Federal, a situação é totalmente absurda’.


Diante do caos


A subcomissão presidida pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP) no âmbito da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI), encarregada de analisar mudanças nos critérios de concessão e renovação de outorgas, divulgou seu relatório parcial em dezembro do ano passado.


No documento da relatora Maria do Carmo Lara (PT-MG) constava uma série de indicações com o objetivo a garantir maior transparência nos processos. O relatório ainda precisa ser aprovado na CCTCI, para depois passar pelo plenário da Casa. O deputado Walter Pinheiro (PT-BA), escolhido recentemente para ocupar a presidência da CCTCI, acredita que o relatório seja aprovado na comissão – o que deve acontecer no mês de abril. ‘Concordo quase integralmente com o relatório e a tendência é de que seja aprovado’.


Quanto aos processos que venceram em outubro e que devem passar pela comissão, o deputado recomenda cautela: ‘O método [de avaliação dos processos] vai seguir como qualquer outra renovação de concessão pública. Mas não deve haver ilusões, porque somente quem pode cancelar é o plenário da Casa’, afirmou Pinheiro.


O que se questiona agora é se os processos serão, mais uma vez, renovados de maneira automática ou se, desta vez, serão levados com a seriedade devida a uma concessão pública. Para Pinheiro, a chamada ‘falta de regulamentação’ defendida pelo Ministério das Comunicações não pode servir de justificativa para inércia. ‘A comissão deve cumprir rigidamente seu papel e aplicar rigorosamente a lei. Não é possível admitir esse argumento, pois existe uma legislação existente que deve ser seguida. Ou vamos ficar contando com o ovo antes da galinha?’, pergunta o deputado.


Audiências públicas


Rosane Bertotti, da Secretaria de Comunicação da CUT, uma das entidades que participam da Campanha, lembra das atividades promovidas no dia 5 de outubro, quando do vencimento das outorgas de algumas grandes emissoras. Rosane acredita que as organizações da sociedade civil devem relacionar a questão das concessões com a reivindicação pela realização de uma Conferência Nacional de Comunicação, onde os tema seria discutido. ‘Nossa estratégia é nos unirmos aos movimentos sociais para a realização da Conferencia e discutir todos os temas de comunicação’.


Nos próximos meses, a campanha planeja realizar audiências públicas em todo o Brasil para ampliar a pauta e discutir ações. João Brant, do Intervozes, acredita que o momento exige ações específicas. ‘Todos os processos de renovação das concessões das grandes redes que venceram em 5 de outubro estão no Executivo, e vão chegar ao Congresso este ano. Este é o momento ideal para que a população pressione pelo debate público sobre os critérios e condições de renovação’.


Brant acredita que é preciso retomar as ações da campanha, e ressalta a importância da realização das audiências. ‘Temos que garantir a realização de audiências públicas que possam inaugurar um novo tratamento ao processo das concessões, mais transparente e democrático’, e aponta ainda que o próprio Congresso já identificou uma série de medidas que podem contribuir nesse sentido. ‘É preciso mobilização para pressionar pela sua aprovação’, completa.

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Do Observatório do Direito à Comunicação