Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os escândalos estavam diante de todos

A filosofia nasce do espanto, costumava-se dizer, e é hora de acrescentar: o bom jornalismo também. As denúncias que têm alimentado a imprensa desde o estouro do escândalo dos Correios apenas substituem o espanto que faltou.

No espetáculo dirigido e estrelado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), os holofotes voltam-se, afinal, para aquilo que era visível mas não chamava a atenção. As patifarias flagradas ou ainda apenas denunciadas têm relação, em grande parte, com o loteamento do governo e das empresas sob seu controle.

O loteamento não é novidade. É parte da rotina política brasileira e foi reforçado, no governo petista, pela prática do aparelhamento. O assunto esteve diante de todos, o tempo todo, foi explorado em raras matérias e nunca de forma sistemática.

É fácil mencionar algumas exceções. A Folha de S.Paulo noticiou a criação de milhares de cargos pelo governo federal. Apontou um belíssimo filão que ficou inexplorado. Miriam Leitão descreveu com minúcias, no Globo, a ocupação política do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e suas conseqüências administrativas. Lourival Sant’Anna mostrou no Estado de S.Paulo o aparelhamento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e ouviu especialistas sobre a mudança de sua orientação. Houve, além disso, em vários jornais, matérias sobre a entrega do Incra a gente ligada ao MST. Também se tocou na transferência generosa de recursos públicos ao movimento, mas nunca se avançou o suficiente na investigação.

Acusações pesadas

Nos casos do BNDES e da Embrapa, as matérias mostraram essencialmente mudanças de critérios administrativos e estratégicos. Não houve denúncias de bandalheiras ou de uso indevido de recursos. A história foi diferente, quando se soube que o Banco do Brasil havia comprado grande número de convites de um espetáculo em benefício do PT. Foi um sinal inequívoco de promiscuidade: recursos de um banco público estavam sendo usados para fins político-partidários.

Havia sinais, no entanto, de um aparelhamento muito mais amplo e de um loteamento despudorado de cargos sob controle do governo. A briga do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, era conhecida. Ele teve de resistir à ocupação da Embrapa e levou dois anos para limpar a área. Enfrentou também outras manobras para nomeação de pessoas indicadas por petistas influentes. Havia notícias de problemas semelhantes noutros setores da administração direta e também da indireta, mas a imprensa raramente se mexeu.

Os casos que apareceram até agora, desde o flagrante de Maurício Marinho, dirigente dos Correios, mostram algumas das piores conseqüências do loteamento da administração. O assalto aos Correios ainda não foi exposto completamente. As bandalheiras descobertas no IRB-Brasil Resseguros confirmam suspeitas que circulavam. No caso de Furnas, falta investigar as ações dos três diretores afastados. As acusações são pesadas, mas qualquer conclusão seria agora precipitada. De toda forma, a rapidez do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao ordenar o afastamento dos três, parece mostrar que uma ficha finalmente caiu em sua cabeça.

Barganha política

No caso da imprensa, nem mesmo é certo que a ficha tenha caído. Os jornais têm sido pautados pelas denúncias, mas continuam tratando a partilha da administração como business as usual, que não desperta nenhum espanto.

Até o momento em que este artigo foi escrito, os vários meios de informação continuavam acompanhando as negociações do presidente Lula com o PMDB como se nada houvesse de chocante. Pelo menos algum repórter de economia poderia escandalizar-se diante da inclusão, no pacote de ofertas, do Ministério de Minas e Energia. Nesta altura, mesmo um cínico poderia perguntar: é hora de negociar esse ministério, que manda na Petrobrás, quando ninguém sabe para onde vão os preços do petróleo?

O risco de uma nova crise energética foi apontado nos últimos meses pelo FMI, pelo Banco de Compensações Internacionais e por especialistas de vários países. O assunto foi incluído na pauta da reunião do G-8 marcada para o começo de julho, na Escócia. No caso do Brasil, a incerteza ainda é agravada pelas mudanças políticas na Bolívia.

Enquanto isso, usa-se aquele ministério numa barganha política? Se isso é considerado normal, é preciso reconhecer: é uma espantosa falta de espanto.

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Jornalista