Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os indicadores escondidos

Uma olhada no noticiário sobre indicadores do mercado revela um fenômeno que tem sido omitido pela imprensa: ao contrário de períodos eleitorais anteriores, nos quais a figura do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva assombrava investidores, agora há sinais de que é a oposição ao governo presente que provoca calafrios em setores importantes da economia.


A Folha de S.Paulo registra alguns dados na edição de sexta-feira (15/10), mas é a leitura dos jornais especializados em negócios e economia e dos cadernos de negócios dos principais diários que se observa o fato.


Ao mesmo tempo, pode-se constatar que, desde o dia 4 de outubro, quando os jornais abriram manchetes para destacar a certeza do segundo turno, a imprensa tradicional vem escondendo alguns dados da economia, como o novo recorde na criação de empregos com carteira assinada.


Leitor isolado


O fato relevante da semana é que, comparado a 2004, o número de trabalhadores com carteira assinada dobrou em 2010, passando de 52% do total da mão de obra, com detalhes como a persistência do emprego informal na zona rural e dificuldades para a regularização de empregados na construção civil.


A notícia foi simplesmente omitida dos leitores, ou escondida bem longe do material sobre a campanha eleitoral. Esse fato foi destaque apenas em jornais especializados, como o Brasil Econômico, que o publicou na primeira página.


Valor Econômico produziu a única reportagem ampla e explícita sobre os efeitos da disputa eleitoral nos negócios, publicando a opinião de executivos sobre uma eventual vitória do candidato oposicionista José Serra. Pelo que se pode concluir desse levantamento, o mercado prefere que não haja mudanças, embora alguns setores, como o de energia, tenham reagido favoravelmente às pesquisas que indicam o crescimento da candidatura da oposição.


Mas o leitor comum, aquele que lê apenas um jornal, quando muito, fica isolado das informações mais relevantes, e vai às urnas tangido pelo barulho dos marqueteiros, que a imprensa tradicional reproduz e amplifica.


O noticiário exilado


Já se disse aqui que, quando começam as campanhas eleitorais no Brasil, a primeira coisa que sai de cena é a verdade. Pode-se afirmar, também, que a primeira coisa que a imprensa abandona durante disputas eleitorais é o jornalismo de qualidade.


Uma busca em jornais de setembro até esta data, comparada aos meses anteriores, revela que até mesmo o noticiário econômico se ressente do novo critério de edição que se estabelece na chamada grande imprensa quando começa o jogo das urnas.


O exílio do noticiário econômico, escondido sob a avalancha de declarações e opiniões em torno da campanha eleitoral, pode servir ao propósito imediato das grandes empresas de mídia, de interferir na disputa e definir o resultado das urnas. Mas pode comprometer sua credibilidade para o futuro.


É de se perguntar quanto a recente democracia brasileira também poderá se ressentir de uma circunstância na qual o Brasil real fica alijado dos debates, e os temas centrais da nacionalidade são substituídos por factóides elaborados nas salas dos marqueteiros.


Essas figuras de cenário, que só se tornam visíveis nesse período da vida nacional, transformam-se nos personagens mais poderosos da República, capazes de fazer um ateu convicto posar de beato e de enterrar as mais concretas convicções de velhos militantes progressistas.


Ao adotar a posição subalterna de aceitar ser dirigida por interesses eleitorais, a imprensa pode estar acelerando o processo gerado pelas novas tecnologias de comunicação e informação, que promovem a substituição de antigas marcas do jornalismo pelos formatos mais dinâmicos das redes sociais.


Assim como produzem efeitos no estado de espírito dos eleitores durante uma campanha aquecida por boatos, esses meios também servem como antídoto para o noticiário da chamada grande imprensa, estabelecendo-se um confronto que no longo prazo prejudica os veículos tradicionais.


Sabe-se agora que a eleição será definida nos detalhes, por estreita margem de votos. As duas semanas que restam para a decisão serão cruciais para os dois candidatos. Claramente posicionada em favor de um deles, tudo indica que a imprensa vai forçar a mão como nunca se viu por aqui.


Dois dias antes da eleição, vai ocorrer o debate final, e a interpretação do que ali se desenrolar pode ser decisiva para muitos eleitores. Já aconteceu antes e nada impede que aconteça outra vez a manipulação explícita dos fatos.


Nunca foi tão necessário observar a imprensa com olhos críticos.