Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os juros, a inflação e o comício

Enfim, um sinal de vida na cobertura, quase sempre chatíssima, da política de juros. Desta vez, a matéria mais interessante sobre a reunião do Copom, o famigerado Comitê de Política Monetária, saiu antes de ser anunciado o novo aumento da taxa Selic, na quarta-feira (16/4). A matéria respondia a uma pergunta: para que elevar os juros, se a inflação continua perto do centro da meta (4,5%) e se as pressões mais notáveis – do petróleo e dos alimentos – vêm do mercado internacional? Resposta: a turma do Banco Central (BC) tem motivos muito mais fortes para se preocupar com a evolução dos preços. Mesmo sem alimentos e petróleo, os números mostram inflação em alta desde o ano passado e não há sinal de arrefecimento.

A matéria, assinada por Cristiano Romero, do Valor Econômico, não anunciou nem defendeu a nova alta de juros. Mostrou, de forma detalhada, um quadro de inflação diferente daquele mencionado na maior parte das discussões. Se o Copom quisesse aumentar a taxa básica, disporia de argumentos mais complexos para justificar sua decisão. Exemplo: em junho do ano passado, o núcleo de inflação calculado com exclusão de alimentos e de itens administrados acumulava alta de 3,42% em 12 meses; em dezembro, de 4,11%; no mês passado, de 4,41%. Ou ainda: quando se anualizam os índices trimestrais de 2007 e 2008, encontra-se um salto de 4,8% para 6%.

Chorumela contumaz

Todos esses cálculos e muitos outros deviam estar na mesa dos técnicos do BC. De algum modo devem ter entrado na avaliação da tendência dos preços. Mas a maior parte da cobertura, antes e depois do anúncio do aumento dos juros, ficou na periferia do assunto. As matérias contaram as apostas feitas no mercado financeiro, deram as opiniões de empresários, economistas, sindicalistas e até estudantes sobre o assunto e encheram páginas e páginas com informações previsíveis e rotineiras.

Depois da reunião do Copom, só uma novidade foi mencionada: a alta, de 0,5 ponto de porcentagem, havia sido o dobro da prevista pela maior parte dos entrevistados. O resto foi a chorumela de sempre, com uma pequena adaptação às novas circunstâncias. Desta vez, o empresariado podia acusar o BC de pôr a perder uma promissora fase de crescimento econômico.

Decisão impopular

Na sexta-feira (18/4), os jornais mostraram fotos do presidente Lula com um colar cervical, em Belo Horizonte, numa cerimônia de lançamento de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Ao discursar, o presidente havia atribuído seu torcicolo à derrota do Corinthians no jogo com o Goiás e à elevação de juros pelo Copom.

Poucas semanas antes, o presidente havia demonstrado preocupação com a rápida expansão do crédito ao consumo. Noutra ocasião, havia dado a entender sua expectativa de um novo aumento, provavelmente de 0,25%. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, também havia falado sobre o crédito, recentemente, e mencionado a hipótese de medidas para contenção dos empréstimos. Depois, recuou.

Não teria valido a pena juntar esses detalhes numa bem arredondada matéria? O resultado poderia ser uma boa história sobre como o BC carregou sozinho o custo político de uma decisão impopular, num ano de eleições. Ano importantíssimo para o governo, como confirmou a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ao chamar de comício a solenidade do PAC em Belo Horizonte.

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Jornalista