Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os mass-media alimentam o mass-killer

O título deste artigo é uma provocação, mas é uma provocação necessária para refletirmos sobre o papel da mídia diante dos massacres realizados por indivíduos como Cho Seung-hui, que matou 32 pessoas e depois cometeu suicídio, na Escola Politécnica da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos, na segunda-feira (16/4). Não é coincidência chamar esse tipo de assassino de mass-killer.

Os Estados Unidos têm o maior número de casos de ‘assassinos-de-massa’ e são também, não por acaso, o país que mais tem a mídia sob o domínio quase absoluto da imagem. Todavia, devemos analisar o comportamento da mídia internacional, e, especialmente, no nosso caso, o da mídia brasileira.

Na realidade norte-americana, peca-se por não existir uma discussão séria sobre as facilidades que seus cidadãos têm para comprar armas. Nos demais países, sempre que ocorre um massacre como esse ocorrido nos EUA, essa questão é levantada na mídia. Independentemente da validade ou não de se restringir a venda de armas como paliativo para tais atos, nos EUA, ou em qualquer parte do mundo, não vemos se discutir sobre uma outra questão, quiçá de importância equivalente, dentre as muitas e complexas questões que devem ser abordadas diante de tais episódios. E é esta questão que abordaremos aqui, por se tratar justamente da mídia e de como ela se comporta. Comportamento este similar, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.

A violência como espetáculo

Daremos um nome para tal comportamento: ‘divulgação folhetinesca’. Acontece da seguinte forma: logo após o massacre, ele é divulgado. Ainda não sabemos praticamente detalhe algum, mas o tom da notícia já anuncia a promessa do espetáculo. A cada hora, mais e mais detalhes são divulgados: número de vítimas, suspeito, localização dos crimes etc.

Os jornais e as TVs preparam o roteiro a partir desses dados e começam a se perguntar o motivo daquele ato hediondo. Algumas versões são apresentadas, versões estas pré-estabelecidas e irremediavelmente falsas. Em menos de 72 horas temos o clímax do folhetim: as vítimas (personagens do folhetim) têm rosto e história e, finalmente, o assassino (protagonista desse folhetim funesto) tem também o seu rosto e a sua história esmiuçada. Mas a história é apenas a legenda para a imagem do assassino, que sobressai em riqueza e glamour numa dinâmica perversa dentro dessa ‘cultura da violência’.

Descobrimos que é o próprio assassino quem manda as fotos, os vídeos e a mensagem para a mídia, porque ele sabe que o seu ‘momento’ – ou a sua imortalidade midiática? – será veiculado, tal como se espera de um meio que é, paradoxalmente, senhor e escravo da imagem.

A descrição desse comportamento sintomático é necessária porque ela provoca um efeito ‘bola de neve’. Os potenciais mass-killers – e não cabe aqui discutir uma degeneração psíquica ou social de indivíduos e sociedades – assistem a essa espetacularização do massacre, assistem à trama, ao folhetim perverso dos fatos, aos números crescentes de vítimas a cada novo ‘evento’, e à imagem ‘personalista’ do protagonista. E esperam. E se preparam. E vislumbram a possibilidade de ir além e de criar espetáculo ainda maior. O próximo massacre é apenas questão de tempo e de oportunidade, porque os mass-killers estão por aí, alimentados pelos mass-media, o braço perverso de uma cultura que endeusa a imagem e assimila a violência como mais uma forma de espetáculo.

Impedir a ‘bola de neve’

A solução – pelo menos para aqueles que trabalham na mídia, que tiverem a coragem necessária para fazê-lo, e o comprometimento e a responsabilidade como indivíduos pertencentes à sociedade – é cortar o peso da imagem no seu momento mais importante, o clímax, e na sua personificação máxima, o protagonista. Ou seja, a não-divulgação da foto do ‘assassino-de-massa’, ou a sua divulgação destituída de força, quase apagada – uma pequena foto, de preferência p&b, sem destaque, por exemplo; e a não divulgação, em hipótese alguma, de vídeos e textos enviados pelo criminoso.

Podemos, com isso, não evitar que outros massacres ocorram, mas o efeito da mídia sobre esses assassinos potenciais sofrerá um duro golpe e talvez a eficácia seja ainda maior do que imaginamos, provocando amortecimento de sentimentos ao anular o poder da imagem, a sua glamourização doentia, impedindo, conseqüentemente, a ‘bola de neve’ e desvirtuando a ‘divulgação folhetinesca’ ao retirar dela o seu clímax.

A mídia brasileira pode inaugurar essa mudança de paradigma, antes que a nossa sociedade, que já sofre mazelas substanciais provocadas por várias modalidades de violência, se torne, além disso, refém de mass-killers.

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Estudante de Jornalismo da Facha, Rio de Janeiro, RJ