Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os três mosqueteiros que salvaram Le Monde

Apesar da crise da mídia impressa, a luta pelo poder político ainda passa pelo controle dos jornais. A prova é que na recente negociação para a venda do Le Monde, o próprio presidente Sarkozy não deixou de tentar interferir através de um grupo que associava a espanhola Prisa aos franceses Orange-France Télécom (parte de capital público) e Nouvel Observateur. Por uma maioria esmagadora, os jornalistas da Société de Rédacteurs (90,84%,) e os empregados do jornal (100%), manifestaram preferência pela proposta do trio de empresários Pierre Bergé, Xavier Niel e Matthieu Pigasse. Melhor para a liberdade e a independência do jornal.

Desde que foi fundado em 1944 por Hubert Beuve-Méry, Le Monde afirmou alto e em bom som seus princípios: um jornal independente é um jornal que pertence a seus jornalistas. Nenhum dos diretores que sucederam Beuve-Méry abriu mão dessa independência. Em ocasiões recentes, o jornal se viu obrigado a abrir aos poucos seu capital a investidores externos, o que explica uma participação minoritária do grupo Lagardère (17,27%), do grupo espanhol Prisa (15,01%), do grupo Stampa Europe (grupo Fiat, 2,90%) e da revista Le Nouvel Observateur (1,75%). Mas até agora os verdadeiros donos ainda eram os jornalistas.

Independência e equilíbrio financeiro

Agora começa uma nova era. O jornal mais prestigioso da França e um dos mais respeitados do mundo não vai mais pertencer majoritariamente a seus jornalistas, mas garante aos leitores que vai manter a total liberdade editorial e a independência que sempre o caracterizaram. A Sociedade de Redatores do Monde e as outras sociedades de empregados se pronunciaram quase unanimemente pela oferta dos três milionários franceses visando a um aporte de capital essencial para o jornal e o grupo que o edita, que também possui as revistas Télérama e Courrier International, entre outras. Le Monde foi salvo in extremis por Bergé, Niel e Pigasse, que passam a ser acionistas majoritários do grupo Le Monde e, graças a um cheque de 110 milhões de euros, impedem um início de inadimplência que ameaçava o grupo desde julho deste ano.

A definição do futuro do jornal foi votada pelos acionistas internos (sociedade de redatores e sociedade dos funcionários) no fim de junho e ratificada pelos dois conselhos de administração do grupo no dia 28 de junho. Os jornalistas e empregados tinham o poder de decidir qual das propostas dos grupos interessados seria a vencedora. A preferência recaiu sobre a proposta apelidada de BNP (Bergé-Niel-Pigasse), considerada mais bem estruturada e prestes a preservar a total independência da redação. O conselho que dirige o jornal e o grupo de imprensa Le Monde apenas confirmaram o voto dos jornalistas e empregados.

Em editorial assinado, o diretor do jornal, Eric Fottorino, informava no dia 30 de junho que pelo processo que se inicia, ‘a sociedade de redatores e o conjunto das sociedades de jornalistas e do pessoal devem se tornar acionistas minoritários’. Ele concluía com a declaração solene: ‘No momento em que o jornalismo vive uma profunda mutação, Le Monde deve se rejubilar em ver investidores prestes a virem em seu socorro a fim de reinventarmos juntos um modelo editorial e econômico que se coloque sob o duplo selo da independência e do equilíbrio financeiro. Renovar nossos conteúdos em consonância com nossa época, sendo rentáveis: nossa perenidade tem esse preço.’

Num comunicado conjunto, Bergé, Pigasse e Niel afirmam que consideram Le Monde ‘um bem coletivo’ e que vão conduzir uma política ambiciosa de reforço do conteúdo editorial e de investimento na atividade online’.

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Quem são BNP:

Pierre Bergé – O companheiro de Yves Saint Laurent e responsável pelo sucesso empresarial do estilista, criou em 1987 o jornal Globe. Em 1990, Bergé participou da fundação do Courrier International, que acabou sendo comprado pelo grupo Le Monde. O Courrier volta, assim, ao seu primeiro dono. Bergé é ainda acionista do jornal Libération e proprietário de uma revista gay de grande sucesso de vendas chamada Têtu, da qual participa ativamente.

Xavier Niel – O jornal Libération atribui a Sarkozy uma profunda antipatia por Niel, a 12ª fortuna da França. Um fanático de informática, Niel criou a empresa Free, uma verdadeira mina de ouro das telecomunicações na França, a primeira a lançar a livebox, com acesso à televisão por assinatura, internet e telefonia. Ele financia três excelentes sites de jornalismo, todos antisarkozystas: Bakchich, Terra Eco e Mediapart.

Matthieu Pigasse – Diretor geral do banco de investimentos franco-americano Lazard. Seu pai foi jornalista e seu irmão dirige uma revista chamada Public. Foi Pigasse quem convenceu Edouard de Rothschild a entrar como acionista do jornal Libération. Fã de rock, Pigasse é dono da revista Inrockuptibles.

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Jornalista