Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Otimismo apesar da queda

A circulação dos jornais brasileiros caiu no ano passado, mas o setor não parece muito preocupado. Continua otimista e confia numa retomada e numa volta ao patamar anterior, ainda este ano.

A queda de 3,46% ocorrida no último ano é atribuída ao cenário econômico negativo de 2009, quando o Produto Interno Bruto (PIB) ficou estagnado e a produção industrial encolheu 7%. O presidente do Instituto Verificador de Circulação (IVC), Pedro Martins Silva, observou que os jornais de cidades com forte concentração de indústrias foram especialmente afetados.

As explicações fazem sentido. Ao contrário do que acontece em países desenvolvidos, onde os jornais perdem leitores até em períodos de expansão econômica, no Brasil a circulação reflete as oscilações do PIB. Em épocas de retração, as vendas caem, para voltar a subir nos ciclos de expansão. Isso aconteceu nos anos 90, quando as vendas dispararam com o impulso do Plano Real, despencaram com a crise do início desta década, para crescer de novo com a recuperação econômica dos anos seguintes.

A queda do ano passado afetou tanto jornais populares como os formadores de opinião – que gostam de adotar a denominação inglesa de quality papers para diferenciá-los dos ‘populares’. Mas enquanto O Estado de S. Paulo‘, Folha e O Globo perderam circulação, Zero Hora, de Porto Alegre, e Correio Braziliense ganharam mercado.

Entre os populares, o Meia Hora e o Extra, do Rio, assim como o Diário de S. Paulo e o Jornal da Tarde, de São Paulo, o Diário Gaúcho, de Porto Alegre, e o Super Notícia, de Belo Horizonte, venderam menos exemplares; o Expresso da Informação, do Rio, Daqui, de Goiânia, Dez Minutos, de Manaus, e Agora São Paulo aumentaram a circulação. Aparentemente, não houve um padrão uniforme de comportamento. Mas, se nas duas categorias houve exemplos de perdas dramáticas de circulação, também pode afirmar-se que o crescimento das vendas de alguns populares foi muito mais vigoroso que entre os jornais formadores de opinião. Otavio Frias Filho, diretor editorial do Grupo Folha, observa que os jornais de ‘interesse geral’ (em oposição aos regionais e populares) perderam 12% de circulação no ano passado.

Dois em dez

A situação econômica do país não foi o único fator para a queda da circulação. Outro motivo da queda pode ter sido o impacto da internet, onde o conteúdo dos jornais costuma ser colocado e atualizado de graça; e entre pagar e não pagar a escolha parece óbvia. A ação dos ‘agregadores’ de conteúdo também desencoraja a compra de jornais. Google e Yahoo! são os nomes mais evidentes, mas muitas empresas compõem seus sítios com material dos jornais. Vários diretores de jornais entrevistados, porém, não acreditam que a internet lhes tenha tirado leitores, embora reconheçam que não fizeram pesquisas para confirmar ou desmentir essa afirmação.

Outro fator para a queda da circulação pode ser atribuído à clipagem de matérias dos jornais. Tanto no setor público como no privado, pacotes de dezenas ou centenas de assinaturas deixaram de ser renovados porque empresas e entidades preferem receber um clipping eletrônico e distribuí-lo internamente. Trata-se de uma situação que vai minando continuamente a circulação. Os jornais já estão percebendo isso.

Mas talvez o principal fator para a queda da circulação tenha sido provocado pela reação dos próprios jornais à crise. No começo do ano passado, no olho do furacão econômico, os jornais, para proteger-se, preferiram diminuir os gastos com vendas e promoção de assinaturas e até reduzir o reparte para venda avulsa. O autor destas linhas procurou em diversas ocasiões alguns dos jornais paulistas nas bancas antes das 10 da manhã, mas já tinham se esgotado. Na maior parte dos casos, a receita da circulação é insuficiente para cobrir os gastos com papel, impressão e distribuição. Por isso, cortar as despesas com promoção e vender menos jornais significa melhorar a margem de lucro. É o que fizeram muitos deles.

Nesse caso, os jornais andaram na contramão do resto da economia. Em períodos de crise, a maioria das empresas de qualquer setor mantém ou reduz seus preços para não perder clientes e os aumentam nas épocas de expansão econômica. Mas, no ano passado, grande número de jornais decidiu aumentar o preço da assinatura, quase sempre em proporção superior à taxa da inflação. Foi outro motivo para a queda. Muitos dos jornais que perderam circulação, além de não promover a venda, aumentaram o preço. Não é surpreendente que a circulação tenha caído. A venda de jornais é extremamente sensível ao preço. Quando, no começo da década, O Tempo, de Minas, subiu o preço de R$ 1,00 para R$ 1,25, a circulação caiu imediatamente e a empresa teve que voltar atrás.

O aumento do ano passado foi uma escolha difícil para as editoras. Como disse Rodolfo Fernandes, diretor de redação de O Globo, a opção foi rentabilizar as operações – e a rentabilidade não vem da venda de assinaturas. Otavio Frias Filho explica que, num jornal, há uma relação nem sempre bem compreendida entre circulação e rentabilidade e que é possível incrementar a circulação por meio de uma política mais agressiva de vendas, mas essas medidas tendem a prejudicar a rentabilidade. No ano passado, a crise prejudicou o desempenho da publicidade e as empresas tiveram de reduzir custos em ações de venda, promoção e distribuição e aumentar o custo da assinatura a fim de preservar rentabilidade. A empresa, disse, optou por um equilíbrio saudável entre circulação e rentabilidade.

As medidas tomadas pelos editores de jornais são compreensíveis se olhadas no curto prazo. Durante a crise do início da década, diversas empresas renegociaram suas dívidas e os bancos credores impuseram rígidas metas de desempenho. Daí a pressão para manter a rentabilidade mesmo em tempos de crise.

Mas os jornais poderão lamentar no futuro a decisão de sacrificar a circulação para manter a margem de lucro, um recurso ao qual já tinham recorrido anteriormente. Na crise econômica do início dos anos 2000, vários jornais limitaram sua distribuição em localidades onde a entrega tinha custos mais elevados. Passada a crise, alguns deles lamentaram a decisão tomada: conseguir os leitores de volta é muito mais difícil do que conservá-los.

Sacrificar a circulação pode não ser a estratégia adequada. No longo prazo, o principal problema dos jornais é a perda de leitores. E os leitores são, precisamente, a razão de sua existência: é para eles que os jornais são feitos. No Brasil, é nítido o declínio das vendas dos diários formadores de opinião. Dos dez jornais selecionados, apenas dois, Zero Hora, de Porto Alegre, e O Povo, de Fortaleza, venderam mais jornais em 2009 do que em 1996.

Grupo Folha

Dos dois jornais publicados pelo Grupo Folha, um, a Folha de S. Paulo, que aumentou o preço da assinatura, perdeu 5,1% da circulação no ano passado; o outro, o Agora São Paulo, que manteve estável em R$ 1,50 o preço na banca, teve um crescimento de 4,8%. Otavio Frias Filho, diretor editorial, considera episódica a queda da Folha e observa que foi inferior à dos principais concorrentes, O Globo e O Estado de S. Paulo. O jornal, que continua tendo a maior circulação do país, pretende recuperar os assinantes perdidos. Vai abrir, por exemplo, mais pontos alternativos de venda avulsa, além das tradicionais bancas; vai fazer, em maio, uma reforma visual no jornal e mudanças no conteúdo; e pretende atualizar a malha de distribuição no interior do Estado. Frias Filho acha difícil medir o impacto da internet sobre a circulação dos jornais, mas observa que há mais pessoas consumindo informação, o que é bom, e mais veículos disputando a preferência dos leitores, o que também é bom.

Infoglobo

A Infoglobo edita três jornais no Rio. A circulação de O Globo caiu 8,6% e a do Extra, um jornal popular, 13,7%. Ambos aumentaram o preço. A do Expresso da Informação, que manteve o preço de R$ 0,50, subiu 22% nos dias úteis, para uma média de 75,8 mil exemplares diários; no ano passado, o jornal lançou uma edição aos domingos, ao preço de R$ 1,00, com circulação de 32 mil cópias. O Diário de S. Paulo, que foi vendido ao grupo Bom Dia, perdeu 18,6%.

Rodolfo Fernandes, diretor de O Globo, diz que, apesar da queda, num ano em que o grupo decidiu dar prioridade à rentabilidade, seu jornal aumentou a participação no mercado do Rio e se tornou o terceiro maior do país. Espera reverter neste ano a queda com promoções. Não acredita que a internet tire leitores de O Globo. Observa que o parque gráfico do grupo está saturado: quando foi instalado, em meados da década passada, imprimia apenas um jornal, hoje imprime quatro, incluindo parte da tiragem do Valor Econômico. Esse constrangimento da infraestrutura afeta a circulação. A ampliação das instalações é tarefa demorada. Como diz Fernandes, apesar da queda da circulação dos jornais em algumas regiões do mundo, a fila para comprar novas rotativas é de pelo menos dois anos.

Grupo Estado

Os dois jornais do Grupo Estado perderam circulação. O Estado de S. Paulo teve queda de 13,5% e caiu de terceiro para quarto lugar no ranking geral. O Jornal da Tarde, popular, perdeu 17,6%. Ricardo Gandour, diretor de conteúdo do Estado, diz que, apesar desse declínio, provocado pelas circunstâncias atípicas, o Estado aumentou sensivelmente sua aceitação entre o público. Uma pesquisa da Marplan Ipsos em 2009 indicou um crescimento entre os jovens. Ele espera retornar rapidamente aos níveis anteriores e superá-los. Isso já está acontecendo. Em dezembro de 2009, a circulação ficou muito próxima da do mês de dezembro do ano anterior; em janeiro, superava em 2,35% a de janeiro de 2008.

Gandour diz que não pode ser provado que a internet tire leitores dos jornais impressos. O que acontece é que o tempo disponível para leitura ficou comprimido. O Estado preparou uma profunda reforma editorial e gráfica, tanto em sua versão em papel como na digital e deverá adotar um modelo misto na internet, com uma parte do conteúdo disponível gratuitamente e outra parte com acesso pago.

RBS

Marcelo Rech, diretor de Produto da Rede Brasil Sul, não vê uma tendência de queda na circulação dos jornais e observa que um número crescente de pessoas se incorpora ao mercado de consumo, aumentando a procura pelos jornais populares. Dos oito jornais da rede, apenas um, o Jornal de Santa Catarina, de Blumenau, não aumentou no ano passado o preço da assinatura e ganhou circulação; dos outros sete, seis venderam menos, principalmente o Diário Gaúcho, de Porto Alegre, que perdeu 12% da circulação. Rech minimiza essa queda. Diz que o jornal perdeu os leitores atraídos por brindes e promoções, mas continua tendo uma vigorosa penetração na área metropolitana de Porto Alegre.

A retração sofrida pelo setor industrial afetou os jornais em áreas como Caxias (RS) e Joinville (SC). Zero Hora, de Porto Alegre, foi um dos jornais formadores de opinião a ganhar leitores: 2% no ano passado. Rech acredita que a circulação dos jornais não está sendo afetada pela internet, que tem o papel complementar de antecipar a informação que vai ser analisada e interpretada pelo diário impresso. A questão dos direitos autorais e da cobrança na internet está sendo discutida pelo grupo; este autoriza a indexação do conteúdo por ‘agregadores’ como Google, que atraem grande parte da audiência na internet. Mas não permite o escaneamento das matérias.

Organização Jaime Câmara

A Organização Jaime Câmara, o maior grupo de comunicação do Brasil Central, edita três jornais. O Daqui, jornal popular lançado há poucos anos, teve extraordinário crescimento de 32% no ano passado, depois de ganhar 12% no ano anterior. Segundo Fernando Portella, vice-presidente do grupo, o jornal faz promoções continuamente e o preço da venda avulsa, de R$ 0,50 – que não foi aumentado em 2009 –, deixa uma margem positiva. Limita em 24 o número de páginas e chega a recusar publicidade.

O diário mais tradicional da região, O Popular, que não aumentou o preço da assinatura, viu encolher a circulação em 3,4%, a mesma proporção que a média da indústria, mas Portella não acredita que tenha perdido leitores nem para a internet nem para o Daqui e diz que há um plano para redesenhar o jornal e recuperar a circulação.

Sempre Editora

A Sempre Editora, de Minas, do grupo Sada, controlada pelo empresário Vittorio Medioli, edita dois diários e procura mais jornais para comprar. O Super Notícia, um jornal popular que surpreendeu o mercado pelo rápido crescimento e por disputar com a Folha de S. Paulo a liderança da circulação no país, vendeu 280 mil exemplares diários em média em 2009, 7,5% abaixo do ano anterior, queda que a empresa atribui à crise econômica. O Super, como chamado, manteve o preço de R$ 0,25, que, apesar de baixo, pesa no orçamento de seus leitores, diz Teodomiro Braga, diretor-executivo. Houve também uma reestruturação do sistema de distribuição que afetou as vendas. A perda está sendo recuperada. O jornal superou ligeiramente em dezembro a circulação do mesmo mês de 2008 e em janeiro vendeu mais que em dezembro.

O Tempo, um jornal que compete com o Estado de Minas pela atenção de leitores qualificados, aumentou a circulação em 22% no ano passado. Manteve o preço da venda avulsa e da assinatura em níveis que considera acessíveis para seu público: R$ 1,00 nos dias úteis, R$ 2,00 aos domingos e R$ 299,50 por um ano. Braga diz que a empresa tanto acredita num aumento futuro da circulação que investiu R$ 70 milhões na ampliação do parque gráfico, com duas novas rotativas MAN Roland, que deverão entrar em funcionamento dentro de alguns meses. O objetivo da empresa, afirma, é tornar o Super o primeiro jornal em circulação do país, posição que já chegou a alcançar por curtos períodos, e fazer de O Tempo o líder de sua categoria.

Valor Econômico

O Valor Econômico é editado por uma sociedade controlada em partes iguais pelos grupos Folha e Globo, mas tem gestão separada. É o único jornal de economia e negócios cuja circulação é auditada pelo IVC. Seu concorrente, a Gazeta Mercantil, já tinha deixado esse instituto antes de fechar no ano passado. O Brasil Econômico, lançado no fim de 2009, como é normal nas novas publicações, não pediu inscrição no IVC.

O Valor aumentou o preço da assinatura no ano passado e teve ligeira queda na circulação, de 0,6%. Em janeiro, porém, vendeu 56.528 cópias, o que representou aumento de 1,78% sobre o mês anterior e de 4,63% em relação a janeiro do ano passado. É também o pico de vendas desde que o jornal entrou no IVC. Especializado em economia e negócios, o Valor é um diário de circulação nacional: 46% das cópias impressas são vendidas fora do Estado em que é editado, São Paulo, proporção muito superior à de qualquer outro jornal no país. Mas tem seu potencial de crescimento limitado pelo fato de ser impresso em apenas três cidades: São Paulo, Rio e Brasília. Esse constrangimento, que não lhe permite atender de maneira satisfatória a regiões distantes, está sendo superado, parcialmente, pela oferta de assinaturas digitais.

Seja qual for seu destino no longo prazo, hoje os jornais brasileiros continuam otimistas.

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Números estimados

Após vários anos de um crescimento contínuo, que começou timidamente em 2004 com um aumento de 0,8% e chegou a quase 12% em 2008, a circulação dos diários brasileiros teve uma queda em 2009. Segundo estimativas da Associação Nacional de Jornais (ANJ), a circulação de todos os diários pagos publicados no Brasil no ano passado foi de 8,19 milhões de exemplares diários, 3,46% abaixo do recorde de 8,49 milhões no ano anterior. Esses são números aproximados, dadas as dificuldades para levantar-se no Brasil informações fidedignas.

Nos países desenvolvidos, a circulação é auferida por entidades privadas especializadas. Nos Estados Unidos, além dessa auditoria, jornais e revistas são obrigados a publicar em suas páginas, uma vez por ano, dados detalhados sobre a circulação e o controle acionário.

No Brasil, o número de jornais associados ao órgão especializado, o Instituto Verificador de Circulação (IVC), é relativamente baixo. Em 2008 havia 673 diários no país; em dezembro de 2009, apenas 94 eram membros do instituto, número que incluía quase todas as publicações de maior relevância.

Mais filiações

O IVC registra mensalmente a circulação de seus associados e faz periodicamente auditorias detalhadas. Segundo esse instituto, a circulação média dos jornais filiados foi de 4,20 milhões de exemplares diários em 2009, o que representou um declínio de 3,46% em relação aos 4,35 milhões em 2008. Esses números dos jornais auditados pelo IVC representam aproximadamente metade da circulação de todos os diários brasileiros. Os dados referentes aos outros jornais são estimados.

Para calcular a circulação das centenas de diários não auditados pelo IVC, a ANJ, segundo informa seu diretor-executivo, Ricardo Pedreira, estima a circulação média com base em dados das Associações de Jornais do Interior dos Estados; em dados da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, a Secom (fornecidos pelos próprios jornais); em dados fornecidos por jornais associados que imprimem publicações de terceiros; e em dados de fornecedores de papel. Essa circulação média é multiplicada pelo número de títulos de jornais diários pagos segundo o levantamento do Mídia Dados – feito pelo Grupo de Mídia de São Paulo -, excetuando-se os que estão no IVC. Depois, aplica-se a variação da circulação média anual do IVC nesse número de jornais não filiados ao instituto.

O número de jornais filiados ao IVC tender a aumentar, mas é ainda pequeno. Nos meios jornalísticos acredita-se que quando a Secom exigir números confiáveis de circulação dos jornais aos quais distribui a publicidade oficial – e já disse que essa é sua intenção – haverá uma aceleração no processo de filiação ao instituto. O que evitaria que todos os anunciantes nessas publicações comprassem gato por lebre. (MMM)

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Ganhar com o trabalho alheio

Em julho de 2003, o jornalista Milton Coelho da Graça levantava no sítio ‘Comunique-se’ interessante questão sobre os direitos autorais e o futuro do jornalismo. Dizia que as empresas de clipping compram um exemplar de jornal, tiram mil cópias que são distribuídas a clientes e funcionários e perguntava:

‘Isso está certo? É justo que o trabalho de jornalistas seja copiado no mesmo dia e vendido sem que os autores recebam um tostão de direito autoral? E as empresas jornalísticas vejam o seu produto ser ‘pirateado’ sem qualquer compensação? Se um jornal de Tocantins ou Roraima quiser publicar as colunas do Joelmir [Betting, que na época, mas não hoje, era colunista da Folha de S. Paulo e de O Globo] tem de pagar – o que é justo – determinada importância. Mas as empresas de clipping e as assessorias reproduzem o trabalho do Joelmir sem autorização e sem dar um dinheirinho nem ao nosso companheiro nem à Folha nem ao Globo.’

Acrescentava ele que a Associação Nacional de Jornais – ANJ, que reúne os principais diários do país – realizava estudo jurídico do assunto, mas não havia notícias de esforço semelhante por parte das entidades sindicais. Concluía dizendo:

‘Não sei se essa discussão já está ocorrendo em outros países. Mas acho que seria bom começá-la por aqui. Antes que os jornalistas fiquem todos desempregados, os jornais fechem e os clippings não tenham mais nada para vender’.

Durante bom tempo, os jornais deram pouca atenção à questão dos direitos autorais e a cópia, distribuição e uso não autorizado de seu conteúdo. Só agora, quando perceberam os prejuízos de negligenciar a defesa da propriedade intelectual, a discussão levantada por Graça há quase sete anos está sendo retomada. Com atraso, os jornais perceberam que a internet, que se tornou extraordinário veículo para a distribuição de seu conteúdo, está sendo usada também por terceiros para copiar e distribuir esse conteúdo com intuito de lucro, mas sem pagar nada. Apontam como os principais, mas não os únicos, culpados por essa situação, os ‘agregadores’ de informações como Google e Yahoo!.

Hoje, os jornais brasileiros condenam a ‘pirataria’ na internet. Marcelo Rech, diretor-geral de produto da Rede Brasil Sul (RBS), afirma que o conteúdo dos jornais, que não é de domínio público, é protegido por lei e seu uso não autorizado é crime. Fernando Portella, vice-presidente da Organização Jaime Câmara, de Goiás, diz que a propriedade intelectual dos jornais é protegida e não se pode publicar seu conteúdo sem autorização. Ricardo Gandour, diretor de conteúdo do Grupo Estado, acha que deve ser resolvida a questão da pirataria intelectual, tema complicado para o qual seria necessário contar com a colaboração dos sindicatos dos jornalistas, já que estes também perdem com a situação atual.

Rodolfo Fernandes, diretor de O Globo, afirma que há uma batalha jurídica em torno dos direitos autorais com os ‘aglomeradores’ e existe um vazio legal. Teodomiro Braga, diretor da Sempre Editorial, de Minas, condena o uso indevido do conteúdo da imprensa e menciona a falta de legislação adequada que proteja jornais e jornalistas.

‘Ovos de ouro’

A ANJ passou a dar atenção à questão dos direitos autorais. Seu diretor-executivo, Ricardo Pedreira, disse que no fim do ano passado a entidade incentivou seus associados a aderir à Declaração de Hamburgo, divulgada em julho por entidades jornalísticas de diversos países e considerada o principal esforço conjunto, em escala global, para enfrentar a ação dos ‘agregadores’. Na declaração – que foi, curiosamente, assinada em Berlim –, os jornais defendem o acesso universal pela internet ao seu conteúdo, mas só mediante autorização prévia, e pedem a intervenção de governos e legisladores para proteger os direitos autorais de jornalistas, editores e empresas. Afirmam que não devem existir zonas na internet onde as leis não se aplicam. Centenas de diários aderiram à declaração no exterior. No Brasil, foi assinada por 16 jornais, entre os quais o Valor, e pela ANJ.

Mas a imprensa ainda não empreendeu ação conjunta semelhante em relação à clipagem. A ANJ, que segundo Graça realizava estudo jurídico, hoje não cuida do assunto. Alguns diretores dizem que não conhecem bem a questão e apontam dificuldades de fiscalização. O clipping, porém, começa a despertar interesse dos jornais, ao perceberem que os prejuízos materiais causados pela atividade são consideráveis.

O faturamento das clipadoras foi estimado em R$ 40 milhões em 2006, com crescimento de 15% anuais, o que indica que pode chegar a R$ 60 milhões neste ano. Esse valor não inclui a clipagem feita por entidades e organismos públicos nem a distribuição interna, pela intranet dos clientes, desse conteúdo. Como no caso dos ‘agregadores’, as clipadoras nada pagam aos jornais para comercializar uma obra protegida por direitos autorais. Um dos efeitos é a redução da circulação dos jornais. Empresas e entidades que antes assinavam centenas de jornais para distribuição interna a seus empregados cortaram drasticamente essa despesa: recebem as informações de clipagem. Os mais afetados são os diários gerais formadores de opinião e os de informação econômica, mas também os locais.

Gandour, do Grupo Estado, observa que há alguns anos os poderes públicos, tanto na esfera federal como na estadual e na municipal, compravam grande número de exemplares, mas agora preferem tirar da internet o conteúdo desses jornais, sem pagar. Teodomiro Braga, da Sempre Editora, diz que a empresa vai lutar pelos seus direitos na questão da clipagem. Marcelo Rech, diretor da RBS, considera essa prática uma infração que deve ser combatida.

A Folha de S. Paulo definiu uma política clara em relação ao uso de seu conteúdo. Seu diretor editorial, Otavio Frias Filho, diz que a empresa é favorável a uma política negociada de remuneração a ser paga por quem divulga e reproduz conteúdos que não produziu e afirmou que estuda a cobrança tanto na rede como na clipagem.

Em fevereiro, Vera Brandimarte, diretora de redação do Valor Econômico, disse numa palestra para profissionais de relações públicas que é comum encontrar em sítios corporativos matérias publicadas pelos jornais, mas sem fazer nenhum pagamento. Mas os jornais têm custo elevado para produzir esse conteúdo. Mesmo com sítios fechados aos não assinantes, observou, ‘somos amplamente copiados’, por meio de matérias clipadas e enviadas aos clientes. Mencionou que há empresas que extraem o conteúdo do jornal, o organizam por setores de atividade econômica e o vendem, separadamente, aos clientes de cada setor. Ela alertou que não se deve ‘matar a galinha dos ovos de ouro’, pois a clipagem reduz gradativamente a tiragem dos jornais. O público presente à palestra sugeriu que se marquem reuniões entre empresas jornalísticas, agências de comunicação e clipadoras para discutir a situação do direito autoral.

Sem pagar

A falta de legislação adequada foi apontada como obstáculo para a defesa dos direitos autorais. Mas consultas feitas indicam que as leis atuais proporcionam base jurídica. A Constituição, em seu artigo 5º, especifica que ‘aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras’. A Lei nº 9.610, de 1998, considera que os direitos autorais são ‘bens móveis’ e diz que depende de ‘autorização prévia e expressa’ a reprodução parcial ou integral de uma obra, assim como a sua distribuição por qualquer sistema e sua inclusão em base de dados, armazenamento em computador ou quaisquer outras modalidades existentes ou que venham a ser inventadas. Essa lei estabelece ainda que o direito de utilização econômica dos escritos publicados pela imprensa pertence ao editor, com exceção dos assinados.

Editores de jornal dizem que algumas clipadoras agem como se os direitos autorais não se aplicassem a suas atividades. Argumentam estas que a mesma Lei nº 9.610, que protege a propriedade intelectual, as exime de qualquer obrigação de pagar pelo conteúdo, com base numa interpretação do inciso VI do artigo 46 dessa lei, segundo o qual ‘não constitui ofensa aos direitos autorais a reprodução: ‘a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos’.

O texto talvez possa dar lugar a várias interpretações, mas dificilmente uma empresa de clipagem poderá argumentar que é um órgão da ‘imprensa diária ou periódica’.

Ricardo Gandour diz que no Brasil a experiência indica que é viável aplicar a legislação dos direitos autorais. O exemplo mais conhecido é o dos compositores de obras musicais. Uma entidade que representa os detentores desses direitos, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), se encarrega de fiscalizar a execução pública de obras musicais, com bons resultados. É formado por dez associações de direitos autorais nos setores de música e artes. Em 2009, arrecadou R$ 374,3 milhões e distribuiu R$ 318 milhões.

Como disse um advogado, se uma empresa coloca música nos elevadores e escritórios para melhorar o ambiente de trabalho e concorda em pagar pelos direitos autorais, por que se recusaria a remunerar os autores das informações e análises contidas nos clippings, se neles se baseiam seus empregados para tomar decisões?

Segundo informou o jornal O Estado de S. Paulo, o Ministério da Cultura está preparando algumas mudanças na Lei nº 9.610. Entre elas, a criação de mais um órgão estatal, o Instituto Brasileiro de Direito Autoral (Ibda), para fiscalizar as entidades arrecadadoras. O novo texto prevê um capítulo específico sobre a fotocópia de obras escritas. O diretor de Direitos Intelectuais do ministério disse a esse jornal que ‘a internet não é um território livre, demanda autorização dos titulares, assim como o print’. E, segundo o ministro, Juca Ferreira, ‘não há economia na cultura sem exercício do direito autoral, é a base que garante toda uma economia’.

Se no Brasil somente agora o clipping não autorizado e as questões legais envolvidas começam a despertar a atenção, em diversos países os jornais desenvolveram uma longa experiência de acordos comerciais com as clipadoras e agências de relações públicas.

Essa relação parte do princípio de que, por exemplo, você pode enviar por correio eletrônico uma matéria para sua avó, sem necessidade de pagar. Mas mandar cópias de matérias para clientes, com fins comerciais, é uma atividade pela qual você deve remunerar o dono do copyright. As universidades e centros de ensino têm um status e condições especiais.

Propriedade intelectual

Os jornais costumam cobrar não apenas pelo número de clippings feitos pelas copiadoras, mas também pelo número de pessoas que, dentro do cliente das clipadoras, recebem cada clipping eletronicamente. Há também limitações ao tempo em que esse conteúdo poder ser armazenado eletronicamente.

No Reino Unido, as clipadoras devem obter uma licença prévia para fotocopiar, escanear, arquivar e transmitir o conteúdo dos jornais por fax ou correio eletrônico. As licenças costumam ser tratadas com entidades que representam os jornais, o que facilita a negociação.

Uma dessas entidades britânicas é a Newspaper Licencing Agency (NLA), que no ano passado distribuiu 18 milhões de libras esterlinas (R$ 50 milhões) aos jornais pelos direitos de clipagem e negociou com 7,8 mil licenciados para enviar conteúdo a 200 mil clientes.

Outra entidade é a CLA, que no exercício de 2008/09 repassou 52,7 milhões de libras (R$ 140 milhões) em conceito de direitos autorais, dos quais 27 milhões a editores de jornais e revistas.

Nos EUA existe o Clearence Copyright Center (CCC) desde há quase duas décadas. Em 2009 arrecadou US$ 206,5 milhões e repassou US$ 144 milhões aos detentores de direitos. Nos últimos 15 anos distribuiu em torno de US$ 1 bilhão. O conteúdo por ele licenciado chega a 20 milhões de pessoas.

Em cada país europeu passou a formar-se pelo menos uma entidade que negocia os direitos autorais dos jornais. Portugal foi provavelmente o último a introduzir essa prática. Em outubro, foi criada a VisaPress, uma cooperativa de editores que, a partir de janeiro, passou a cuidar do licenciamento dos direitos relacionados com a clipagem; numa segunda etapa negociará também os conteúdos na internet. Participam dela os principais jornais portugueses, entre eles o Diário Económico, editado pelo mesmo grupo que publica o Brasil Econômico.

Para coordenar seus esforços, as entidades que congregam os jornais em cada país estão se unindo. Na Europa foi formada em novembro de 2008 a Press Database and Licensing Network (PDLN), que representa mais de 3 mil jornais de dez países.

Os tribunais europeus têm reforçado a jurisprudência em torno da propriedade intelectual na era da internet. Uma prefeitura inglesa foi processada e em janeiro teve que fazer um acordo em separado com a CLA por ter feito reproduções de várias publicações, sem obter a devida licença, durante vários anos. O valor do acordo esteve na casa dos cinco dígitos.

Um tribunal de Amsterdã, na Holanda, condenou várias clipadoras, que escaneavam uns 600 artigos por dia e os colocavam num banco de dados que estava disponível ou o mandavam por fax ou correio eletrônico a seus clientes, a descontinuar esses serviços e a pagar indenização às publicações das quais extraíam material. O tribunal entendeu que a clipagem e a oferta dos artigos infringia os direitos autorais das editoras. Mais rigorosa foi decisão de um juiz da Dinamarca que entendeu que fazer e distribuir na internet um resumo de 11 palavras de um artigo constituía violação dos direitos autorais.

Para fazer prevalecer o que veem como seus direitos, os jornais no exterior e as entidades que os representam dependem do respeito da coletividade à propriedade intelectual e da aplicação das leis que protegem os direitos autorais. Mas os próprios jornais cuidam ativamente para que isso aconteça. Em Minas foi feito acordo, do qual participa o sindicato, para preservar os direitos dos jornalistas, nesse caso relacionado com a reprodução de fotografias. (MMM)

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Assinatura digital

Sem fazer promoção, sem fazer campanha, O Globo foi surpreendido com os pedidos de leitores que querem receber o diário na íntegra, mas numa versão digital, afirma o diretor de redação, Rodolfo Fernandes. No ano passado, o jornal carioca encerrou o ano com 1,3 mil assinaturas digitais, vendidas principalmente a partir de uma demanda praticamente inesperada.

O Globo não foi o único. Em 2009, diversos outros jornais tiveram que se preparar para atender a essa modalidade de assinatura. A procura vem de leitores situados em áreas onde a entrega do exemplar impresso é problemática ou daqueles que preferem receber pela internet a imagem de todas as páginas do jornal completo, incluindo os anúncios, em PDF (portable document format).

O Instituto Verificador de Circulação (IVC) permite a incorporação dessas assinaturas digitais nos boletins mensais de difusão, declara seu presidente, Pedro Martins Silva, desde que sejam vendidas pelo mesmo preço e pelas mesmas condições que as do jornal impresso.

No ano passado, vários jornais declararam ao IVC ter vendido assinaturas digitais: Estado de Minas, 5,9 mil; O Estado de S. Paulo, 4,1 mil; O Globo, 1,3 mil; Valor Econômico, 600. É bem provável que esse número aumente de maneira significativa. A Folha de S. Paulo também oferece assinaturas de sua versão digital, no entanto, os números não foram computados nos relatórios do IVC, afirma Otavio Frias Filho, diretor editorial do Grupo Folha; a expectativa é chegar à marca de 10 mil assinaturas ainda neste semestre. Teodomiro Braga, diretor-executivo da Sempre Editora de Minas, afirma que o assunto está sendo estudado pelo jornal O Tempo.

Os jornais também estão distribuindo seu conteúdo na internet, por meio de outros dispositivos eletrônicos, para atender à demanda de seus leitores.

O jornal O Globo é, por enquanto, o único diário brasileiro que tem uma versão para o Kindle. O Valor Econômico lançou em fevereiro um aplicativo para iPhone. Outros deverão acompanhá-los. (MMM)

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Jornalista, autor de Os Melhores Jornais do Mundo, em segunda edição, e prepara uma obra sobre os jornais brasileiros