Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Para lembrar (e não repetir) Jayson Blair



‘Um repórter do New York Times cometeu recorrentes fraudes jornalísticas quando cobria notícias significativas nos últimos meses, descobriu uma investigação feita por jornalistas do Times. Invenções de informação e plágio representam uma profunda traição de confiança e um ponto baixo nos 152 anos de história do jornal.


O repórter, Jayson Blair, 27, enganou leitores e colegas do Times com despachos que ele fingia ser de Maryland, Texas e de outros estados, quando geralmente estava distante dali, em Nova York. Ele inventou comentários. Ele forjou situações. Ele usou material de outros jornais e serviços de notícias. Ele manipulou detalhes de fotografias para criar a impressão de que havia estado em certo lugar ou visto certa pessoa, quando na verdade não tinha.’ – The New York Times, 11 de maio de 2003.


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Três anos após o fiasco do repórter-plagiador, o ombudsman do NYTimes, Byron Calame, publicou sua coluna de domingo [18/6/06] sob o título ‘Prevenindo um segundo Jayson Blair’. As marcas deixadas pelo traumático episódio foram profundas, e o jornalão nova-iorquino fez mudanças em sua redação para impedir que algo similar aconteça novamente. Calame se faz a pergunta na primeira linha de seu texto. ‘Podem delitos como os de Jayson Blair acontecer de novo no Times?’ É possível, responde em seguida, mas quem tentasse fazê-los teria muito mais trabalho pela frente.


Logo depois que Blair foi desmascarado, o jornal criou o Comitê Siegal, então presidido pelo jornalista Allan M. Siegal, para recomendar medidas necessárias para a garantia da qualidade e integridade do trabalho na redação.


Em julho, são completados três anos das primeiras resoluções do Comitê, e Calame perguntou aos 20 membros que continuam no Times se ‘os problemas Jayson Blair’ poderiam acontecer novamente. Entre Siegal e outros 15 membros que responderam, nove se encaixaram na categoria ‘talvez’. O ombudsman conversou também com uma dúzia de veteranos do Times, sob condição de anonimato, e recebeu oito ‘talvez’ de resposta. Como também defende Calame, nada é impossível. A diferença é que agora há mais critérios e procedimentos de monitoração e fiscalização. Os cuidados, como era de se esperar, aumentaram.


Todos de olho


Calame listou alguns dos procedimentos adotados sob o comando do editor-executivo Bill Keller e inspirados pelas recomendações do Comitê. Um deles é a checagem aleatória de artigos que contêm citações de fontes anônimas. A checagem é feita pelo editor de qualidade – cargo também criado após o episódio Jayson Blair – com o objetivo de verificar se algum editor responsável pelo repórter que assina o texto conhece a identidade da fonte utilizada.


A criação do cargo de ombudsman, ou editor-público, como é chamado no Times, também é decorrente do escândalo, assim como a ampliação do acesso dos leitores aos endereços de e-mail dos jornalistas, tornando mais fácil para que fontes e o público levantem questões sobre os artigos publicados pelo Times. O telefone do ombudsman e seu endereço eletrônico também estão disponíveis no jornal impresso e na internet.


Outra mudança que se seguiu ao caso de 2003 é a avaliação anual de performance da equipe, monitorada pelo editor-assistente de desenvolvimento de carreira, para garantir que todos os editores envolvidos em transferências de funcionários saibam o suficiente sobre o desempenho profissional daquela pessoa.


Relações mais abertas


Uma das preocupações de Bill Keller era reduzir o ‘difundido senso de favoritismo ou camaradagem’ da época do antigo editor-executivo Howell Raines, como apontado pelo Comitê. Segundo o relatório inicial sobre o caso, havia a percepção de que Blair tinha amigos em posições influentes dentro do jornal.


Outra mudança implementada por Kelly seria a maior abertura na comunicação dentro da redação. O editor-executivo costuma, ele próprio, abrir espaço para sessões de discussão com os jornalistas, chamadas de ‘Joguem coisas no Bill’.


Desta forma, diz Calame, suspeitas de fraude jornalística devem ser detectadas mais rapidamente dentro do Times. Há ainda mais medidas a serem tomadas, defende o ombudsman, como um curso anual sugerido pelo Comitê para relembrar os funcionários editoriais das diretrizes éticas do jornal, ou o aumento da consciência dos editores sobre a necessidade de se questionar a fundo os repórteres – nem que isso envolva revisar com eles as anotações tomadas em entrevistas e apurações.