Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Para traduzir o ecologês

Houve um tempo, não muito distante, em que a sociedade não tinha quase acesso a informações sobre meio ambiente e sustentabilidade que permitissem fazer escolhas livres entre modelos diferentes de desenvolvimento. A tendência era reproduzir as escolhas pelo modelo tradicional, não sustentável. As informações, quando existentes, eram focalizadas mais nos aspectos da fauna e flora, como se os seres humanos não fizessem parte da natureza. Ou então pareciam mais comprometidas com uma ideia de progresso a qualquer preço. Hoje, isso tem mudado, o que é ótimo, pois a vida é feita de escolhas e para escolher no rumo da sustentabilidade a sociedade precisa de informações e valores para a sustentabilidade.

Neste passado recente, apenas uma pequena mídia ambiental resistiu em sua missão de democratizar a informação socioambiental – e ainda continua resistindo –, sobrevivendo com muita dificuldade num cenário onde os maiores anunciantes são também os maiores poluidores e a palavra sustentabilidade, ainda é de difícil compreensão pela sociedade, além de carregar em si a ambiguidade de referir-se também unicamente aos aspectos econômicos da sustentabilidade.

Hoje, a informação ambiental é pauta frequente nos grandes veículos de comunicação de massa e a cobertura cada vez é mais ampla, compreendendo a questão pelo viés da sustentabilidade e não somente do meio ambiente.

As armadilhas do discurso

Entretanto, é importante considerar que as pessoas pensam de forma diferente e, por isso, a opinião pública não é um bloco homogêneo, mas que se divide em segmentos de interesse. Entre estes segmentos, está o das pessoas interessadas em meio ambiente e questões da sustentabilidade. Para este segmento de público, incluído digitalmente, e que já busca pela informação socioambiental, sabe onde e como procurar, ela é abundante na internet e depende cada vez menos de alguém para selecionar ou editar o que deve ou não ser lido. Hoje, existem serviços de busca, por exemplo, como o Google, que fazem bem a tarefa de encontrar as informações sobre o tema escolhido disponível em sites, portais e blogs. E oferece ainda um sistema de alerta que envia direto para o email ou celular do interessado a informação atualizada sobre o tema selecionado. Assim, nem precisa mais buscar pela informação por que com este sistema ela vem até o leitor.

E mais, a internet não é uma ferramenta de comunicação que facilita apenas encontrar e ler as informações que se busca, mas também facilita a escrita e sua divulgação. A internet veio possibilitar a publicação e divulgação de textos e pensamentos que antes dependiam da boa vontade de algum editor. Com isso, assim como existem textos bem escritos e boas ideias disponíveis circulando na internet, também existe o contrário. Entretanto, é melhor textos mal escritos que texto nenhum, pois o aperfeiçoamento vem com a prática e com a capacidade de aprender com os erros e saber ouvir as críticas, além de contribuir para que os leitores desenvolvam a analise crítica, o popular desconfiômetro, para não aceitarem de pronto uma informação ou ideia apenas por que esta escrita num papel ou na internet. É sempre bom lembrar que o papel aceita tudo, e a internet também.

Assim, para este segmento de público o desafio é de outro tipo, e é aqui que os profissionais da comunicação podem colaborar, tornando-se referências para agregar credibilidade às informações que divulgam, identificando a boa da ma informação, a falsa da verdadeira, as armadilhas do discurso, o que as ideias num texto querem dizer exatamente, o que dizem sem dizer, o que escondem nas entrelinhas.

Desafios e soluções diferenciados

Cabe perguntar se os atuais cursos de formação de comunicação têm estimulado a capacidade crítica de pensar, de escrever e expressar claramente as ideias, além de oferecer os conceitos e reflexões sobre a complexidade da sustentabilidade.

Quando falamos sobre a internet, ou sobre a leitura e a escrita, não podemos perder de vista que estamos nos referindo a apenas cerca de 10 por cento da população brasileira incluída digitalmente, o que não é pouca coisa do ponto de vista numérico. São quase 20 milhões de pessoas, um número de internautas maior que países inteiros e que faz a farra do mercado, pois são usuários de serviços e consumidores de produtos, tecnologias e equipamentos. Entretanto, o Brasil é um país de dimensões continentais, com cerca de 190 milhões de habitantes, e é preciso reconhecer que a internet ainda é um luxo fora do alcance da maioria da população. Também é importante lembrar que apenas cerca de 20% da população lê jornais e que ainda somos 15% de analfabetos. E se formos considerar o analfabetismo funcional – pessoas que leem e escrevem, mas não conseguem compreender uma ideia num texto –, então este percentual aumenta muito.

São desafios que precisam ser enfrentados considerando que somos uma sociedade dividida de forma desigual e, em função dessas desigualdades, enquanto uns tem muito acesso à informação e à leitura, outros têm pouco ou nenhum acesso, o que gera distorções que exigem dos tomadores de decisão e lideranças soluções também diferenciadas.

Uma nova visão de mundo

Na base da pirâmide social está a grande maioria da população, constituída de pobres e excluídos e que demanda legitimamente por mais recursos naturais para atender a suas demandas. Muitos passaram do analfabetismo literário e digital para o rádio e a televisão, sem passar pelos livros. Parte desse desinteresse pelos livros, devemos reconhecer, se deve também ao fato dos livros no Brasil serem caros, em média R$ 40,00, e de termos poucas livrarias, cerca de 1,2 para cada 100 mil habitantes, enquanto nos países vizinhos como Argentina ou Uruguai, o livro é mais barato e o número de livrarias é pelo menos o dobro maior. Além disso, não parece atraente a pressa de introduzir a leitura dos clássicos para quem está ainda adquirindo o gosto pela leitura, principalmente quando são textos escritor em séculos passados, em outras realidades e em outra linguagem. Seria mais ou menos como colocar a carroça na frente dos bois, tentar ensinar o ‘Pai Nosso’ e a ‘Ave Maria’ para quem ainda não acredita em Deus. A pessoa passa a associar a leitura a algo chato a ser evitado. Assim como não se oferece comidas carregadas em temperos a quem começa a comer agora, é preciso oferecer leitura leve, agradável, sobre o cotidiano presente, sobre sentimentos e desejos universais e, a partir daí, pouco a pouco, ir acrescentando outros ingredientes de acordo com o interesse e o paladar dos novos leitores.

Outro equivoco é eleger uma cultura ou ideia como a desejável ou oficial e ignorar ou não valorizar a diversidade cultural e a pluralidade de ideias. As pessoas não são livros com páginas em branco onde quem acha que detém o saber terá de escrever tudo a partir do zero. Qualquer pessoa, independente da idade ou condição cultural, carrega consigo informações e valores que devem ser respeitados e em qualquer processo educativo ou que proponha mudança.

Assim, para fazer com que as ideias sobre a sustentabilidade cheguem aos demais setores da sociedade, é importante partir do saber já existente e reconstruir uma nova visão de mundo a partir da visão existente; e mais, é preciso descobrir e investir em estratégias para levar o conhecimento até aonde o povo está, e não esperar o contrário; e, sobretudo, traduzir o ecologês para as carências de nossa sociedade.

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Escritor e jornalista, fundador da REBIA – Rede Brasileira de Informação Ambiental, editor da Revista do Meio Ambiente e do Portal do Meio Ambiente