Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Petrolão, pauta para muito tempo

O balanço da Petrobras, com prejuízo de R$ 21,6 bilhões e reconhecimento de perdas de R$ 6,2 bilhões causadas pela corrupção, conta apenas parte da história de um desastre ainda inestimado. Esses números, assim como o corte de R$ 44,6 bilhões no valor dos ativos, ainda poderão render muita discussão entre especialistas e entre acionistas e a empresa. Mesmo os efeitos da corrupção, limitados àqueles R$ 6,2 bilhões, podem estar abaixo da realidade. Afinal, quem pode garantir se os valores inflados de vários ativos, como a Refinaria Abreu e Lima, resultaram apenas de erros contábeis?

Todas essas questões são relevantes, mas os dados apontam para um amplo emaranhado de equívocos e de atos no mínimo irresponsáveis. “Redução da conta de luz deixou rombo de R$ 4,5 bilhões na Petrobras”, noticiou a Folha de S. Paulo na edição de sábado (25/4). Esse é o valor da provisão contábil para o caso de calote de empresas do setor elétrico. Prejudicadas pelo congelamento das tarifas de energia, empresas de eletricidade estão com problemas para pagar o óleo e o gás comprados para as termelétricas.

Há pagamentos em atraso, segundo a notícia, e por isso os dirigentes da estatal decidiram provisionar parte dos R$ 12,8 bilhões das contas a receber do setor elétrico. A maior devedora é a Eletrobrás, também estatal.

Risco de calote

A notícia conta somente uma parte do caso, a repercussão da política de eletricidade nas contas da Petrobras. Uma narrativa mais completa, mas fora dos planos daquela edição, iria bem mais longe. Lembraria a decisão da presidente Dilma Rousseff, em 2013, de antecipar a renovação das concessões do setor elétrico e de implantar, em seguida, um programa de contenção de tarifas.

Nem todas aceitaram antecipar a renovação, mas nenhuma estatal escapou. Como a mudança prejudicou a amortização dos investimentos anteriores, houve perdas para quem aderiu. Em período mais longo todas perderam com o congelamento das tarifas e o Tesouro foi forçado a socorrê-las, primeiro com dinheiro da Conta de Desenvolvimento Energético, depois com a oferta de aval para empréstimos bancários de cerca de R$ 17 bilhões.

Neste ano o Tesouro saiu do jogo, por decisão do novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. A solução encontrada foi repassar aos consumidores, em alguns anos, o resto da conta dos prejuízos contabilizados pelas elétricas.

O balanço da Petrobras trouxe mais um detalhe da história, o risco de calote do óleo e do gás fornecidos às térmicas para a geração de energia em tempo de seca. A Petrobras, já prejudicada pela contenção dos preços dos combustíveis derivados de petróleo, ainda acabou atingida pelos efeitos do congelamento das tarifas de eletricidade.

Conexão entre escândalos

A divulgação do balanço da Petrobrás, manchete de todos os grandes jornais na quinta-feira (23/4), iniciou uma nova etapa da cobertura das façanhas da política econômica dos doze anos anteriores. No mesmo dia foi noticiada a primeira lista de condenações do escândalo do petrolão. No dia seguinte as matérias começaram o trabalho, mais técnico, e até mais interessante, em alguns aspectos, de esmiuçar as demonstrações financeiras da estatal e os planos da nova diretoria.

“Bendine adotará modelo de parceria do BB na Petrobras”, informou na sexta-feira (24) o Valor, descrevendo a estratégia do novo chefe da petroleira e ex-presidente do maior banco estatal. “Petrobras admite até vender fatias do pré-sal”, contou o Globo. Na mesma edição foi explorado mais a fundo o endividamento da empresa, assunto já discutido pelas agências de classificação de risco. O mesmo tema apareceu em manchete do Estado de S. Paulo, também na sexta: “Balanço da Petrobrás traz alívio, mas dívida preocupa”.

A crise da maior estatal brasileira, com destaque para o petrolão, deve ainda render duas linhas de reportagens. É preciso ir muito mais longe para esgotar os detalhes do balanço e as consequências das políticas dos últimos doze anos. Parte das informações poderá surgir dos processos no exterior contra a empresa. A outra linha de cobertura tratará da reconstrução da companhia e dos planos da nova administração. A palavra reconstrução foi usada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e repetida em títulos de primeira página do Globo e do Estadão na terça-feira (21/4).

Para quem se interessa pela conexão política entre escândalos, a semana foi muito boa. No sábado (25), o caso da Petrobras teve menos destaque nas primeiras páginas, em parte ofuscado por um novo capítulo do mensalão, a decisão do governo italiano de extraditar o fugitivo Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil. Condenado, ele escapou em 2013 para a Itália. Seu próximo destino deve ser a cadeia no Brasil, como informaram em matérias de capa o Estadão, a Folha de S. Paulo e o Globo.

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Rolf Kuntz é jornalista