Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Plínio Bortolotti

‘Foi insatisfatória a cobertura do O Povo sobre a greve dos professores da Universidade Federal do Ceará (UFC), encerrada no dia 18 de novembro, depois de 73 dias. No decorrer do movimento, deixou-se de oferecer o espaço que assunto merecia – calculando-se a centimetragem de todas as matérias publicadas não daria para preencher uma única página do jornal – e, além disso, os textos foram centrados nos aspectos mais óbvios do assunto, sem o aprofundamento exigido pelo tema.

No mesmo período, tendo começado antes, também corria o movimento paredista dos servidores, chegando este a termo – após mais de 100 dias de paralisação – pouco depois da greve dos professores. O movimento envolveu diretamente um grande número de pessoas, leitores ou potenciais leitores do jornal: 1.400 professores, 34 mil alunos, 3.400 servidores. Sem falar dos 37 mil vestibulandos, jovens que viveram sob a angustiante possibilidade de ver o vestibular adiado. Mas, para além disso, a importância social da universidade por si só justificaria cobertura mais acurada.

Rescaldo

Se a cobertura no seu transcorrer deixou a desejar, a abordagem do rescaldo do movimento foi pior. Ao fim da greve, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe, órgão máximo da universidade), votou um calendário de retorno e reposição de aulas (iniciado no dia 21/11), que desagradou aos alunos. A contrariedade começou por manifestar-se no próprio Cepe, quando os representantes dos estudantes (que tem assento no Conselho) abandonaram a reunião, sem votar na decisão tomada. Entre as discordâncias listadas pelos estudantes estavam o pouco tempo dedicado à revisão de aulas – segundo me disse o diretor do Diretório Central dos Estudantes (DCE), Misael Torres Bezerra, alguns professores estariam marcando provas para a primeira semana do retorno, sem aplicar a revisão. Incluíam também entre as preocupações a serem debatidas – conforme nota oficial divulgada pelo Diretório Acadêmico do Curso de Comunicação Social –, o não funcionamento do restaurante universitário e da biblioteca (os servidores ainda permaneciam em greve), o que, na visão deles, prejudicaria os alunos.

O coordenador de Comunicação Social da UFC, Ítalo Gurgel, lamenta que os alunos tenham se retirado sem votar da reunião do Cepe, ‘órgão colegiado no qual todos os segmentos da universidade estão representados’. (Os estudantes reclamam que o voto deles e dos servidores, somados, não equivalem à ‘metade do número dos votos dos professores’, segundo a nota do Diretório Acadêmico do Curso de Comunicação Social). Para Ítalo Gurgel, o Conselho ‘tomou a única decisão que se esperava que pudesse tomar’. Para ele, terminada a greve, ‘o natural é retomar-se as aulas; como a sociedade iria compreender se fosse diferente?, pergunta. Ele reconhece que após os 73 dias de paralisação haveria sobrecarga para estudantes e professores, ‘mas, se houvesse demora para o retorno às aulas, o ônus seria irreparável’, argumenta.

Na edição do dia 18, o jornal informa sobre a assembléia dos professores que votou o fim da greve. Volta ao assunto em 24 de novembro para relatar o resultado de uma assembléia estudantil (ocorrida no dia anterior), em matéria secundária, sob o título ‘Alunos da UFC votarão sobre a volta às aulas’ (pág. 4). Foi aqui que a coisa desandou de vez. Além de não refletir as nuanças que tal situação comporta (por isso a remissão acima), a notícia trouxe um terrível erro factual, afirmando que os alunos teriam votado na assembléia pela realização de um plebiscito para decidir se retomariam as aulas imediatamente ou somente em janeiro. Essa era uma das propostas em discussão, reconhecem os estudantes, como também havia a propositura de retorno imediato às aulas, sem a realização do plebiscito. O fato é que a assembléia – com cerca de dois mil alunos – foi confusa e dispersou-se sem votar sobre o tema, decisão transferida para o Conselho de Entidades de Base (reunião de diretórios e centros acadêmicos), no dia seguinte.

Crítica

Somente na edição de 30/11, depois de crítica interna do ombudsman, a editoria de Cotidiano volta ao assunto, em matéria secundária (pág. 4) para reconhecer que ‘os estudantes não chegaram a um consenso na assembléia realizada no último dia 23’ e relatar a decisão do Conselho de Entidades de Base de apresentar ao reitor René Barreira ‘reivindicações ligadas à retomada das aulas’. Ou seja, mesmo com críticas, os estudantes aceitaram o calendário votado pelo Cepe, passando a discutir a melhor forma de recuperar as aulas.

Mas os estragos não pararam por aí: induzido pelo erro de sua própria notícia, o jornal publica editorial na edição de 25/11, com o título ‘Parceria com o futuro’ em que critica duramente os estudantes por, supostamente, terem aprovado um plebiscito que poderia jogar o reinício das aulas para o próximo ano. Pelos erros factuais da matéria, o ombudsman já havia recebido manifestação de leitores; após o editorial, foi maior o número de correspondência dos estudantes, inconformados com os severos adjetivos a eles distribuídos. Depois de o assunto ter sido debatido internamente, a partir dos comentários do ombudsman e da manifestação dos alunos, O Povo resolveu publicar carta do Centro Acadêmico do Curso de Comunicação Social, acompanhada de pedido de desculpas aos estudantes, o que foi feito na edição de ontem.

Experiência

É difícil cobrir os movimentos universitários, com dezenas de correntes políticas e de opinião a pontilhá-lo; com professores preparados intelectualmente, servidores politizados e jovens sendo formados em um ambiente saudavelmente contestatório e dialógico. É fato, seria pouco razoável concordar com tudo o que os estudantes dizem ou fazem, mas não custa ouvi-los e fazer esforço para traduzir corretamente suas propostas e anseios – e para isso, além de sensibilidade e distanciamento, é necessário um pouco de experiência jornalística.’