Há um novo escândalo no ar, que mistura nomes novos com antigos personagens de histórias de corrupção.
O ex-senador Gilberto Miranda, que está em cartaz há mais de três décadas no noticiário mais deletério que mistura política com banditismo, é quase um ícone da impunidade. É o elemento clássico que oferece consistência à mensagem central da imprensa: política é coisa de bandido.
Rosemary Noronha, em sua aparição inaugural, encarna um desses personagens que provocam reviravoltas no enredo mas duram pouco: as ações que lhe são atribuídas extrapolam em muito o papel de secretária que lhe foi dado e servem para expor protagonistas mais relevantes.
O noticiário político se assemelha cada vez mais a uma dessas séries da televisão, nas quais o mais importante é conduzir os episódios em ritmo acelerado, com novidades a cada capítulo, embaralhando evidências com suposições e mantendo o espectador curioso com os desdobramentos futuros.
Em apenas três dias, com a entrada em cena de uma grande profusão de figurantes, torna-se complicado entender a verdadeira história. E no final, quando o público já está entretido com outra novela, sai um capítulo especial no qual alguns são condenados, outros absolvidos e certos protagonistas esquecidos no limbo das pautas, como uma espécie de reserva para futuros escândalos.
Movimentos manjados
Gilberto Miranda é um desses personagens. Já serviu e foi beneficiado por relações privilegiadas com o ex-presidente João Figueiredo, ainda nos anos 1970, e depois atuou, em parceria com o irmão Egberto Batista, no esquema que marcou o governo Collor, no final dos anos 1980. Mas foi na década seguinte que se transformou em peixe grande, quando multiplicou sua fortuna com negócios na Zona Franca de Manaus, sob a proteção do coronel José Sarney.
Foi sócio do falecido senador Orestes Quércia, cultivou excelentes relações com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, teve como padrinho de seu segundo casamento o prefeito Gilberto Kassab, a quem deu grande ajuda na criação do PSD, e tem sido fonte privilegiada de jornalistas eminentes.
Agora ressurge em nova superprodução, desta vez ao lado do elenco estrelado do Partido dos Trabalhadores.
Impressiona, nesse noticiário, a repetição de padrões. Miranda foi citado no esquema PC Farias, protagonizou o escândalo dos precatórios, atuou no caso Sivam, apareceu no caso do dossiê Cayman, e, como senador, propôs a legalização dos jogos de azar, o que o coloca como suspeito natural em outra linha de investigação.
Atua sem embaraços no ramo do tráfico de influência e tem sido citado pela imprensa, ultimamente, como interessado em negócios portuários. No entanto, nenhum jornal foi capaz de observar seus movimentos antes da eclosão do escândalo que tem em seu epicentro uma secretária deslumbrada que se vangloria de relações privilegiadas com o ex-presidente Lula da Silva e o ex-ministro José Dirceu.
A Operação Porto Seguro, nome que a Polícia Federal dá a esse inquérito, tem claramente uma relação com o projeto de construção de um porto privado numa ilha em Santos, obra avaliada em R$ 2 bilhões e pertencente a Gilberto Miranda.
Em 25 de fevereiro deste ano, a coluna Radar, da revista Veja, publicou uma nota dizendo que Miranda se mexia para nomear um de seus operadores como presidente da Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Ou seja, a imprensa, a Polícia Federal e os órgãos de inteligência sabiam que o conhecido empresário seguia com suas articulações suspeitas.
Cortina de fumaça
Os antecedentes do caso têm muito mais a ensinar do que o noticiário que se segue às operações policiais. Eles contam a verdadeira história da impunidade no Brasil e revelam como certos personagens conseguem atravessar décadas de história política, sempre grudados ao poder, sem serem alcançados pela Justiça. Mas nesse enredo ficam faltando muitas respostas.
Por que razão nada foi feito para tolher ou desestimular os movimentos mais do que suspeitos do ex-senador?
Por que a imprensa nunca se dispôs a vasculhar a vida de Gilberto Miranda com o mesmo empenho que dedicou, por exemplo, à carreira de Paulo Maluf, ao senador Jader Barbalho e outros personagens de escândalos políticos?
O que torna os governos – todos os governos posteriores à redemocratização – tão vulneráveis a esquemas criminosos que nada têm de sofisticados?
O noticiário não explica. Apenas confunde, como uma cortina de fumaça.