Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Pontos para a imprensa na guerra da CPMF

O melhor do noticiário econômico vem sendo publicado há algumas semanas fora das páginas de Economia, decisão facilmente justificável no caso da guerra da CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, também conhecida como imposto do cheque. Parte da cobertura poderia ter saído nos cadernos de variedades, nas seções de humor e de espetáculos, onde ficariam bem alojados, por exemplo, o material sobre o lançamento do PAC da Saúde e alguns discursos presidenciais, como aquele da elite contra o torneiro mecânico na Presidência da República.

A guerra intensificou-se quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, diante do insucesso do ministro da Fazenda, Guido Mantega, resolveu envolver-se pessoalmente no esforço de renovação da CPMF. O noticiário ganhou colorido e a cobertura ficou mais trabalhosa. Os jornais conseguiram, em algumas boas matérias, ir além do registro dos pronunciamentos e da movimentação dos partidos e dos negociadores.

Na sexta-feira (7/12), o Globo acrescentou um box de duas colunas ao discurso do presidente na Ilha de Marajó. Segundo Lula, o governo tem destinado à saúde 52% da receita da CPMF. Segundo o box, baseado em números do Ministério da Fazenda, essa informação é errada. Aquela deveria ser a parcela aplicada no setor. Mas, como a Desvinculação de Receitas da União (DRU) vale também para a CPMF, um quinto da arrecadação é usado livremente pelo governo e a fatia de 52,6% diminui para 42,1% do dinheiro recolhido.

Pode parecer um detalhe irrelevante, mas não é. Primeiro, porque o jornal mostra uma declaração falsa na argumentação presidencial. Segundo, porque o projeto relativo à CPMF inclui também a renovação da DRU e esse detalhe pouco tem sido mencionado no debate.

Expectativa confirmada

Outro bom exemplo de enriquecimento da informação apareceu na Folha de S.Paulo, na cobertura do comício da saúde, o grande evento da quarta-feira (5/12) no Palácio do Planalto. Para reforçar a campanha a favor da renovação da CPMF, o governo anunciou o plano ‘Mais Saúde’, mais um componente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A Folha publicou uma anatomia do plano, indicando a origem provável do dinheiro previsto.

Parte das ações programadas já era conhecida e deveria ser financiada com recursos listados no Plano Plurianual de Investimentos (PPA), enviado em agosto ao Congresso. ‘Mais Saúde’, portanto, foi um pacote montado com algumas linhas de ação já anunciadas e com algumas novas e até mal definidas, como o pagamento de um prêmio a estados com bom desempenho na política de saúde.

É inútil discutir se esse noticiário é econômico ou político. O material tem saído bem, nas seções políticas. No começo da cobertura, houve deficiências no tratamento dos detalhes econômicos, mas isso foi de modo geral superado.

Muito mais discutível foi a decisão da maior parte dos jornais, senão de todos, de cobrir e noticiar a conferência de Bali, na Indonésia, como se fosse voltada essencialmente para questões ambientais. Foi um erro evidente desde o início.

As discussões mais duras, sabia-se, tratariam principalmente de assuntos econômicos e de comércio internacional. Os primeiros movimentos confirmaram essa expectativa: a reunião seria um evento vinculado de fato, embora não formalmente, à Rodada Doha de negociações comerciais e o Itamaraty sabia disso – mas prevaleceu, na orientação dos jornais, a divisão burocrática de funções.

Aspectos comerciais

O mesmo hábito levou os jornais a editar nas seções de meio ambiente o noticiário sobre a importação de pneus velhos. O Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio reconheceu, a favor do Brasil e contra a União Européia, o direito de recusar a importação desse lixo, mas com uma ressalva. A proibição deveria valer para pneus de qualquer procedência.

Esse detalhe criou dois problemas – ambos previsíveis há muito tempo – para o Executivo brasileiro. O primeiro é diplomático. Por decisão do Tribunal Arbitral do Mercosul, o país é obrigado a comprar pneus de segunda mão de parceiros do bloco, como o Uruguai. Esse pronunciamento agora conflita com uma decisão da OMC e será preciso resolver o assunto.

O segundo problema é interno. Importadores de carcaças têm conseguido liminares da Justiça para continuar comprando. Essas liminares contrariam tanto a política de comércio exterior, atribuição constitucional do Executivo, quanto os interesses ambientais invocados pelo governo para recusar os pneus provenientes da Europa.

Os aspectos mais interessantes desse noticiário são obviamente os comerciais, diplomáticos e institucionais. Esses detalhes ficariam muito mais visíveis se o material fosse tratado como parte da cobertura de comércio internacional.

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Jornalista