Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Puxão de orelhas mais que merecido

Uma indústria de cosméticos queria saber se as mulheres se acham bonitas, ou melhor, belas. Para isso entrevistou 36 mil mulheres em dez países, entre os quais o Brasil. Resultado: na Argentina, Canadá, Estados Unidos, Portugal, Holanda, Inglaterra, Japão e França, apenas 2% deixaram a modéstia de lado e disseram que, sim, se acham belas. No Brasil, a nossa auto-estima está um pouquinho melhor: 6% das brasileiras se acham belas.

Mas, quando a questão se aprofunda, a pesquisa fica mais interessante: 68% das entrevistadas culpam a mídia por não se encaixarem na definição, pois a mídia utiliza padrões irreais e inatingíveis de beleza. E pedem (75% delas) que a mídia retrate a beleza com pessoas normais.

Não se pode dizer que as pessoas normais, mais especificamente as mulheres, estão fora da mídia. É só dar uma olhada nas revistas femininas e conferir. Quando se trata de matérias sobre filhos, carreira e comportamento, a mulher normal tem espaço. Afinal, para dar credibilidade, é preciso mostrar a cara das pessoas, de preferência numa foto bem discreta.

Foto grande, close que enche os olhos e mostra tudo, só mesmo das belas ou das celebridades, mesmo que não se encaixem no padrão atual de beleza (além de linda, magra, cabelos e pele perfeitos).

Desafio para editores

Parece existir – principalmente nas revistas femininas – um secreto manual de redação no que se refere às fotos: às celebridades, tudo (maquilador, cabelereiro e retoques no photoshop); às mulheres normais, fotos no pé da página. E, se alguém tentar discutir, use-se o argumento definitivo: belas e celebridades vendem anúncio, gente normal espanta anunciante. Ou, reescrevendo o sábio Joãozinho Trinta, quem gosta de ver gente normal em revista é intelectual.

Normais são todas as mulheres que não viraram modelo e, para piorar, não fazem parte do seleto grupo de ricos e famosos que ajudam a vender, para o grande público, revistas sobre a minoria das minorias: as celebridades.

Para se tornar celebridade é preciso ter talento, dinheiro… e cair nas graças da mídia. Ou, no caso das mulheres, ser linda, chique e chamar a atenção de um homem lindo, famoso ou poderoso. Igualzinho à Bela Adormecida, resgatada pelo príncipe, aquele do cavalo branco.

Mas, feminismo à parte, é bom ver as mulheres do mundo exigindo uma nova postura da mídia. Depois de conquistar o direito ao trabalho e à carreira, parece ter chegado a hora de conquistar o direito à imagem real. Exigir uma nova postura da mídia já é um começo. Divertido mesmo seria criar o ‘dia mundial do boicote às revistas femininas’. Diríamos assim: este mês, se a capa da revista não for uma mulher normal, não compre. Não sei se funcionaria, mas que ia ser divertido, isso ia.

Seria um grande desafio para editores, maquiladores, cabeleireiros e fotógrafos transformar mulheres normais em capa de revista. E seria, quem sabe, uma forma de democratizar os grandes salários desse milionário mercado das top models.

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Jornalista