Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Qual televisão pública podemos ter

Uma televisão pública, construída sob a liderança do governo federal, a partir da fusão da Radiobrás e a TVE do Rio de Janeiro, mas que mantenha a independência de quaisquer governos. Uma televisão pública, que transmita em canais analógico e digital, seja controlada por conselho com representação da sociedade civil, tenha múltiplas fontes de financiamento permanente e priorize a produção independente e a diversidade cultural brasileira.

Em linhas mais que gerais, este é o esboço do que pode vir a ser – e na opinião do ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, será, efetivamente – a rede pública de televisão no país. E é também o que parece ser consenso entre os participantes da última etapa do Fórum Nacional das TVs Públicas, que teve início nesta terça-feira (8/5), no Hotel Nacional, em Brasília.

Ainda no campo da convergência entre os diferentes atores presentes ao debate – representantes das várias áreas do governo federal, das TVs legislativas, educativas, e demais entidades do setor – destaca-se a oportunidade histórica do evento, depois de anos amargando como tema fora da agenda pública de discussão, e às portas de se iniciar as transmissões via TV digital. Além disso, a relevância que assumiu o próprio Fórum como ponto alto de expressão dos diferentes grupos que pensam e experimentam novas formas de comunicação pública, como um todo, e a televisão pública, em particular.

Modelos de gestão

No entanto, para além da convergência, as diferentes visões do que pode vir a ser a TV pública brasileira ainda têm um longo caminho de negociação a percorrer não só durante os dias de discussões no Fórum, mas também no momento pós-Fórum, em que uma Carta de Brasília será publicada, com os parâmetros do que será importante implementar em termos de políticas públicas do setor no futuro próximo.

Por enquanto, os contornos da nova cara da TV pública brasileira estão pouco nítidos. Em disputa, alguns pontos importantes: a definição efetiva de sua função social vis-à-vis a TV comercial privada e a TV estatal, a importância ou não dos índices de audiência (é preciso ter ibope para ser efetivamente pública?), o caráter de sua programação, e, afinal, que tipo de produção de conteúdo será veiculada. Será dada prioridade à produção jornalística, ou educativa, ou interativa, ou ainda de entretenimento, como defendeu o ministro da Cultura, Gilberto Gil?

Estas são questões relevantes, uma vez que, ao se definir as prioridades de programação, conteúdo e os modelos de gestão e financiamento está-se constituindo o que se quer da TV pública – e qual seu papel a cumprir no mercado e na sociedade. Significa, também, quais forças dentro e fora do governo – principalmente os representantes da sociedade civil – conseguirão implementar ou fortalecer seus pontos de vista sobre o que será, na prática, e na forma da lei, o conceito de ‘público’.

De fato e de direito

O ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, foi enfático em seu discurso ao delimitar os três pontos principais para a construção da TV pública no país: a definição do modelo de gestão, que segundo ele será feita rapidamente, uma vez que foi decidida a união entre Radiobrás e TVE, que funcionará como espinha dorsal da nova TV. Concomitantemente, a definição do modelo de financiamento e a construção não só de uma TV pública, mas de uma rede pública, com a liderança do governo federal, feita de forma compartilhada, como uma construção coletiva, ‘sem vocação imperial’.

No entanto, a construção de uma televisão efetivamente pública implica definições e compromissos muito mais amplos. A TV é, apenas, a ponta-de-lança do processo, que envolve também a construção de uma rede pública de rádio; a redefinição de atribuições do que, na estrutura atual do governo federal, ficará sob a égide do estatal; e o que se transformará, de fato e de direito, em ‘público’, com mais ou menos participação da cidadania. Também implica, a longo prazo, na regulamentação do artigo 223 da Constituição, entre outros itens.

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Jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília e pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da UnB.