Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Recapitalização salva Le Monde

O dia dos mortos (que na França não é feriado) marcou o renascimento do grupo Le Monde, com a entrada em vigor da nova configuração de acionistas que injetou 100 milhões de euros no grupo que leva o nome do jornal de referência da França, fundado em 1944 por Hubert Beuve-Méry. Os três mosqueteiros que salvaram o jornal de uma grave crise, através de uma operação de recapitalização, são Pierre Bergé, um dos criadores da marca Yves Saint Laurent, com quem viveu mais de 50 anos, Xavier Niel e Matthieu Pigasse, que se tornaram acionistas majoritários através de uma estrutura chamada ‘Le Monde Libre’.

O fato foi marcado com um editorial de primeira página, intitulado ‘Écrire une nouvelle page’ (Escrever uma nova página), assinado pelo diretor da Redação do jornal, Eric Fottorino, além de duas páginas de gráficos e artigos assinados para informar os leitores sobre a nova era que se inicia. A ‘nova página’ que o jornal começou a escrever tem ainda a marca minoritária do grupo espanhol Prisa, acionista do jornal desde 2005, com 20% do capital. A novidade é a retirada do grupo Lagardère da nova estrutura, mantendo apenas uma participação de 34% na filial internet chamada Le Monde interactif.

‘Como tinham se comprometido, os novos acionistas mantêm o direito de voto e de veto das sociedades de funcionários, que se exercerá por um polo de independência que associa as sociedades de assalariados e de jornalistas do grupo à Sociedade dos leitores e a alguns membros dos acionistas históricos’, assinala Fottorino.

‘Antes de virar uma página, é preciso tê-la lido’

Os jornalistas que compõem a Société des Rédacteurs du Monde (SRM) publicaram um artigo cujo título diz tudo: ‘L´obsession de l´indépendance’. Le Monde é, na realidade, o sonho de todos os jornalistas que pensam que um jornal deve ser concebido e realizado por jornalistas e que os acionistas são apenas os capitalistas que o fazem existir e prosperar. A independência dos jornalistas que fazem o jornal, fica assim garantida. Le Monde continua a ser um jornal totalmente independente, no qual quem decide a linha editorial e ratifica o diretor de Redação são os jornalistas. Mesmo assim, a Société des Rédacteurs du Monde diz no texto que assinou que teve que renunciar a seu direito de veto na escolha do presidente do conselho de administração do grupo. ‘Mas a SRM conservou integralmente o direito de veto na indicação do diretor do jornal’, ressaltam os jornalistas.

E mais: na ‘Carta de ética e de deontologia’ que os acionistas se comprometeram respeitar está escrito: ‘Os acionistas não podem tentar interferir nas escolhas editoriais nem no tratamento da informação.’

Para escolher o novo acionista majoritário entre os três candidatos potenciais que se apresentaram este ano, os jornalistas realizaram uma eleição por voto direto. Entre os candidatos, estavam o grupo Prisa e a revista Le Nouvel Observateur, além de um capitalista amigo do presidente Nicolas Sarkozy.

‘Antes de virar uma página, é preciso ter certeza de tê-la lido. Sobretudo se o passado, por mais brilhante que tenha sido, foi marcado por uma derrota econômica e financeira. E por alguns desvios editoriais que não deixam de ter tido um papel nas crises sucessivas do Le Monde‘, assinala Fottorino.

‘Um projeto ambicioso e coletivo’

Para não deixar o leitor no vazio a especular a que desvios ele se refere, o diretor do jornal faz um balanço crítico ‘sem que isso seja uma ofensa à história coletiva’. O mea culpa começa com a crítica ao que ele chama de ‘pecados de orgulho’, a começar pela crença, iniciada nos anos 1970, de que ‘era preciso destinar à gráfica recursos acima das possibilidades do jornal’. Além disso, Fottorino diz que o jornal não dedicou os esforços necessários ao desenvolvimento do jornalismo propriamente dito: invenção de bons jornais, luta da informação em papel contra a informação digital, além de investir nas ofertas de fim de semana que, segundo ele, nunca se beneficiaram de esforços financeiros à altura, tanto na área editorial quanto publicitária.

O grupo Le Monde, responsável pela publicação do jornal lido pelas principais chancelarias em todo o mundo, além do jornal publica a revista Le Monde Magazine, que circula no fim de semana, o site lemonde.fr, Le Monde Diplomatique, as revistas Télérama, Courrier International e La Vie, além de todos os títulos do grupo Publications de la Vie Catholique (ex-PVC), comprados pelo jornal em 2003.

Os novos acionistas majoritários, Pierre Bergé, Xavier Niel e Matthieu Pigasse, também tiveram direito a assinar um texto em uma das páginas que o jornal dedicou ao assunto. Nesse artigo, publicado sem nenhum destaque, eles dizem que os novos recursos de nada servirão ‘se não estiverem a serviço de um projeto ambicioso e coletivo. Um projeto editorial: o da informação de qualidade a serviço de um leitor exposto a uma multiplicação de fontes de toda natureza’.

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Jornalista