Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Réquiem para a Era da Informação

A imprensa é um Poder. Porém, impotente. Pode tudo: derrubar tiranias, punir corruptos, denunciar barbaridades, reparar injustiças, persistir na busca da verdade. Também é capaz de proteger déspotas, mascarar crueldades, submeter-se aos demagogos, acobertar a opressão, corromper e confundir.


Mas a imprensa não conseguiu ao longo de 58 anos interromper a carnificina no Oriente Médio. Muito menos desativar os ressentimentos que a produziram.


A imprensa já esteve a serviço de guerras (Inglaterra versus Rússia, no Cáucaso), começou outras (EUA versus Espanha e a Primeira Guerra Mundial) e conseguiu o magistral feito de mobilizar a sociedade americana para pular fora do conflito do Vietnã.


Este é um caso clássico: o governo americano, afinal, convenceu-se a deixar a parte sul da antiga Indochina porque a mídia, sobretudo a mídia eletrônica, trouxe o horror da guerra – ao vivo e em cores – para dentro dos lares na terra do Tio Sam. É óbvio que as gigantescas manifestações dos jovens, o intenso debate acadêmico e a massa de fatos oferecidos pela imprensa diária pavimentaram o caminho para a retirada dos EUA de Saigon. Mas o empurrão definitivo foi dado pelo gosto amargo da derrota que se aproximava.


Informação vs. esclarecimento


Convém lembrar que a causa da paz, às vezes, só consegue se impor quando o triunfalismo guerreiro perde o gás. Na Primeira Guerra Mundial, muitos pacifistas apelaram para o derrotismo – o defaitisme (défaite = derrota) – como antídoto para o belicismo que empolgava corações e mentes. A inabalável certeza da vitória e a ira sagrada, combinadas sob o nome de arrogância (ou prepotência), embora entoadas por poetas e sábios, são muitas vezes os maiores obstáculos para a paz.


Só se alcança o verdadeiro entendimento a respeito de uma guerra quando os beligerantes cansados de guerrear e indignar-se começam a lamber as feridas.


A edição da Veja desta semana (nº 1967, de 2/8/06) trouxe ao debate uma questão sensível: raras são guerras justas. A Segunda Guerra Mundial talvez tenha sido uma exceção porque nazi-fascismo é (ainda) o mal absoluto.


Os 58 anos de confrontos bélicos no Oriente Médio começaram formalmente em 14 de maio de 1948, quando os ingleses encerravam o seu mandato na Palestina em obediência à decisão da ONU de partilhar o território em dois Estados. Um deles foi fundado, o outro, não.


Os motivos que impediram o acatamento integral da decisão da ONU são os mesmos que alimentaram as cinco guerras formais, as duas intifadas, os horrorosos atentados terroristas, o massacre de Sabra-Chatila e o atual confronto Israel-Hezbollah em território libanês.


A mídia tenta explicar as origens e causas do conflito há quase seis décadas consecutivas. Não consegue. Na primeira fase contava com jornais, revistas, rádio, cinema e livros. Na fase 2 acrescentaram-se a televisão, a internet e a comunicação por satélite. Também não conseguiu.


Este é justamente o ponto que nos interessa: a Era de Ouro da Informação não coincide com a Era do Esclarecimento. Estamos cada vez mais informados e cada vez menos impregnados pela humanização da informação.


Mais dúvidas, mais questionamentos


Veja-se a cobertura do conflito pelos jornalões nacionais a partir do dia 13 de julho, em seguida ao seqüestro de dois reservistas israelenses: edição equilibrada, titulação imparcial, espaço razoável, horror distribuído eqüitativamente, assim também as análises assinadas pelos mais abalizados especialistas internacionais. Repórteres foram despachados para cobrir os dois lados (impossível acompanhar o que se passa com o Hezbollah). Cumpridos todos os ritos da isenção.


Mas o número de editoriais foi pequeno: em 20 dias, apenas 12 textos de responsabilidade da direção do jornal (cinco no Globo, quatro na Folha e três no Estadão). Na segunda-feira (31/8/), dia seguinte ao banho de sangue em Qana, as páginas de opinião dos três jornalões desconheciam o que havia acontecido. Mas é justamente nos editoriais que o leitor interessado e os tais ‘formadores de opinião’ deveriam encontrar material impessoal para formar seus juízos. Um editorial num grande jornal brasileiro dificilmente mudará o curso da guerra no Oriente Médio, mas será registrado, computado, e em algum momento poderá fazer a diferença.


A humanidade jamais teve acesso a tantos fatos e, ao mesmo tempo, jamais se mostrou tão incapacitada para entendê-los. Os experts afirmam que o problema do Oriente Médio tem origem no fanatismo que impregna a região. Melhor seria dizer que a discórdia começa com a quantidade de certezas proclamadas pelas partes. Um pouco mais de perplexidades, uma dosagem de dúvidas e questionamentos ajudariam a podar o excesso de indignação e impedir que esta se converta em outra Guerra dos Cem Anos.