Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Sempre aos domingos

Teóricos da mídia afirmam que não se deve ver TV sem o referencial da lógica econômica. O conteúdo e forma dos programas menos importam. A qualidade da produção da TV brasileira é conseqüência da busca de audiência. A garimpagem ostensiva de pontos. Esse vale-tudo midiático tem nos conteúdos do telejornalismo elementos de sedução fundamentais.

Desde o apogeu do rádio, os informes jornalísticos causavam apreensão e certo pânico aos ouvintes. A abertura e marca registrada do Repórter Esso, com a introdução clássica do rufar de tambores e o som bélico do trompete, compunham, com a narração impostada dos locutores, perturbação emocional e ouvidos atentos. Tinha-se horror do noticiário que trazia a crueldade do fato real, a cada hora, em detrimento dos devaneios dos programas musicais, de auditório, radionovelas, ou humorísticos politicamente incorretos. A publicidade também vendia insegurança que o produto anunciado resolvia.

A angústia, a dor e o sofrimento sempre foram instrumentos de controle social. Em casa e no convívio social. Pais, escola, polícia, igreja, as instituições, exercem o poder coercitivo através do medo. ‘Menino, não sai de casa que o bicho te pega!’ A chamada epidemia do medo.

O bicho-papão eletrônico

Os programas jornalísticos dominicais, de grande audiência, trazem nas pautas as cenas do próximo capítulo da insegurança. O Fantástico começa com as sobrancelhas arqueadas de Zeca Camargo, o tom de voz grave e a quase ameaça se o telespectador não acompanhar o rosário de narração das chacinas, acidentes do final de semana, martirização e crucificação de Joãos e Isabellas, os ataques dos traficantes cariocas, policiais despreparados, doenças desconhecidas e remédios novos. Os perigos iminentes compõem o mosaico de temas violentos ou ‘a exposição do espectador à contemplação do espetáculo do sofrimento à distância’, conforme Izabel Szpacenkopf em O Olhar do Poder.

Os Fantásticos da Globo e da Record vêm recheados de dores novas. O bicho-papão eletrônico tornando refém a família, ajustando relacionamentos de audiência nas cidades grandes e promovendo a filosofia do medo nos turistas apavorados. Vive-se o pânico ao sair de casa e encontrar na esquina a bala perdida, a falsa blitz, o assaltante, o Nardoni, o arrastão na praia ou o mosquito da dengue.

Aconchego, proteção e audiência

Os fantasmas da semana, sob fabricação hipnótica dos noticiários ou travestidos nas alucinantes revistas televisivas, promovem a intoxicação emocional com os crimes espetaculares e que a escalada da violência não nos deixará impunes. Lembram um dos grandes sucessos em novelas, no horário nobre, A Próxima Vítima? Funciona assim.

Vende-se a idéia de que sair de casa é risco, ausência e dor. Presença no lar é ponto precioso nos GRP, Gross Rating Points, literalmente pontos brutos de audiência. Vende-se mercado e lucros.

No fetiche midiático de domingo, a mistura de conflitos, guerras, casamentos, fatos macabros, desajustes familiares, crimes chocantes, tendências da moda, noções de etiqueta, crueldade do humor e carnavalização do futebol, poucos cidadãos se salvam na escalada do ‘limiar histérico’. Até hoje o Brasil lembra quando Hélio Costa, o primeiro repórter internacional do Fantástico, em 1973, no apogeu da ditadura militar, trazia o medo internacional em matérias extraordinárias do jornalismo científico. E ainda hoje, quando a voz do repórter, associada ao transtorno provocado pela notícia, ecoa na tela, remete ao trauma daqueles tempos. O país tinha medo do que acontecia aqui e no estrangeiro. A tela da TV trazia o pavor, mas confortava a nação com aconchego, proteção e audiência.

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Jornalista, professor universitário e mestrando em comunicação; Juiz de Fora, MG