Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sensacionalismo e politicagem na grande imprensa



‘Aquele que deseja a salvação da própria alma ou de almas alheias deve, portanto, evitar os caminhos da política que, por vocação, procura realizar tarefas muito diferentes (…). O gênio ou demônio da política vive em estado de tensão extrema com o Deus do amor e também com o Deus dos cristãos (…).A qualquer momento essa tensão pode explodir em conflito insolúvel’ (Max Weber, Ciência e Política: duas vocações)


Escrevo no sábado, 28/10/2009, um dia após o estranho artigo ‘Os Filhos do Brasil’, de autoria do cientista político César Benjamin, ter sido publicado no jornal Folha de S.Paulo. Numa atitude no mínimo temerária, César, histórico militante esquerdista e também fundador do Partido dos Trabalhadores, resolveu trazer ao conhecimento de todos uma história repulsiva: o presidente Lula, então candidato nas presidenciáveis de 1994, num bate-papo durante o almoço no local onde se reuniam alguns envolvidos na campanha do petista, teria dito a César e outros presentes que tentou ganhar no grito, digamos assim, favores sexuais de um jovem militante enquanto esteve preso nos 31 dias que lhe renderam a tal indenização mensal por perseguição política, via ‘bolsa ditadura’, como diria Elio Gaspari. Ainda segundo o cientista político, o jovem respondeu às investidas de Lula com socos e cotoveladas.


Um artigo ‘erótico-filosófico’


Não é preciso ser grande entendedor de política para saber como a repercussão da suposta tentativa de violação sexual ao jovem explodiu feito uma bomba, ao menos na internet, nos meios onde o debate político e a disputa ideológica são fortes. Os ânimos ficaram acirrados. Luiz Carlos Azenha, jornalista da Record e blogueiro do Viomundo, taxou de cafajeste não somente César Benjamin; Otavio Frias Filho recebeu o mesmo tratamento, além de ser acusado de parcial e covarde quanto a não assumir suas preferências políticas. O blogueiro Eduardo Guimarães publicou um texto defendendo o presidente e conclamou um protesto contra a Folha. Vai, nem que seja só. Luis Nassif consultou um dos delegados responsáveis por vigiar Lula naqueles dias, Armando Panichi Filho, que disse nada saber sobre a suposta investida, além de publicar uma nota do publicitário Paulo de Tarso Santos, um dos presentes na ocasião, esclarecendo que o almoço aconteceu, mas diz não se lembrar da presença de César e, menos ainda, da conversa.


Por outro lado, o jornalista e blogueiro da revista Veja Reinaldo Azevedo, fez algumas considerações sobre o caso e em uma das postagens comentou sobre a mesma nota do publicitário. Entendeu ser dúbia a posição de Paulo, além de chamar a atenção para o fato de que a agência do publicitário é uma das maiores recebedoras de verbas do governo. Da forma como Reinaldo trata o assunto, deve considerar fato consumado a história de Lula e o jovem militante.P>

No entanto, o que soou como novidade para alguns dos os principais blogueiros do país já foi notícia há exato um mês (como apontei, escrevo no dia 28/11), no blog do filósofo Paulo Ghiraldelli Jr., tratando o caso bem ao seu libidinoso estilo. Na ocasião, o filósofo afirmou que um conhecido jornalista do Estadão ouviu de um ex-petista radical, provavelmente Benjamin, que Lula tinha alcançado o seu intento. Em seu artigo, digamos, ‘erótico-filosófico’ do dia 27/11, Paulo já trata o assunto de forma hipotética. Não houve repercussão anteriormente por ser o blog de Ghiraldelli pouco ou nada badalado.


Opção pelo estilo golpista


O governo, por intermédio de seu assessor Gilberto Carvalho, disse ser coisa de psicopata e que não responderá às acusações. Porém, deveria. Afinal trata-se de uma acusação grave. Testemunhas para desmentir não faltarão. O cineasta Silvio Tendler afirmou em entrevista para o Terra Magazine ter estado no dia da conversa. Sim, ela aconteceu e, segundo ele, nada mais foi que uma piada do presidente, daquelas contadas em ‘rodas de homens’. Também encontraram o suposto jovem atacado por Lula. Ele nada comprova sobre o assunto, conforme nota da revista Veja.


Pelo que percebo até o momento, esta é uma discussão restrita à classe média, leitores da grande imprensa e à blogsfera voltada para assuntos políticos e militantes. A grande massa, audiência do Jornal Nacional e congêneres, esta ignorando o fato. E, pela ‘consistência’ das acusações de César, assim permanecerá.


Não nutro simpatia por Lula. Na realidade, por nenhum político. Os tolero por ser do jogo democrático. Porém, por mais tentador que seja o diabo político, o combate na arena política deve ser mantido ao menos fora do lodaçal. Não foi o que fez a Folha de S.Paulo, ao destrambelhadamente dar eco a uma acusação sem consistência e vil. Cede espaço para um artigo que poderia concentrar-se na crítica à peça de publicidade que é o tal filme sobre parte da vida de Lula. Mas preferiu o sensacionalismo digno dos mais chulos buracos de fofoca em que pululam os já infames dias em curso. Na esperança de quê?


Se a intenção do jornal era divulgar uma notícia dessa natureza, menos desastroso seria ter feito uma reportagem, ouvindo as partes envolvidas. Mas preferiu o estilo que sustenta os partidários do conceito de imprensa oficial do golpe. A atuação de grande parte da imprensa brasileira não é golpista. É patética, chegada historicamente à politicagem.

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Servidor público e graduando em Ciências Sociais, Vila Velha, ES