Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Será hora de dar adeus aos jornais?


When the Press Fails: Political Power and the New Media
from Iraq to Katrina
by W. Lance Bennett, Regina G. Lawrence, and Steven
Livingston, University of Chicago Press, 263 pp., US$22.50


American Carnival: Journalism Under Siege in an Age of New Media, by Neil
Henry, University of California Press, 326 pp.,
US$24.95


.1.


A imprensa norte-americana está triste. Inúmeras autoridades já garantiram
que está com os dias contados, inúmeros bons jornais estão em ruínas. Ela perdeu
muito do respeito por parte do público. A justiça, que antes a tratava como um
tigre adormecido, agora a provoca com intimações insolentes e manda para a
cadeia repórteres que se recusam a fazer o que bem entendem os promotores. Vem
sendo constantemente atacada no rádio e em blogs na internet. É facilmente
intimidada e acata os propósitos de uma máquina de propaganda presidencial
determinada a dominar o noticiário.


Sua publicidade e circulação vêm sendo sugadas pela internet e seus patrões
parecem atingidos por uma falta de imaginação empresarial necessária para
prosperar na era eletrônica. Pesquisas mostram que um número cada vez maior de
jovens obtém informação pela televisão e os computadores produzem a melancólica
sensação de que a imprensa é coisa do passado, uma charrete puxada por cavalo
numa via expressa de oito pistas.


Depois, há o lado atrapalhado: a desonestidade de pessoas como Jayson Blair
ou Stephen Glass torna o jornalismo uma farsa. A elite dos jornalistas de
Washington teve um papel decepcionante, ajudando um grupo de neoconservadores a
criar a guerra do Iraque. Onde estão os heróis? Nos tempos de Watergate, os
jornalistas se reuniam, ao jantar, para contar as peripécias de Bob Woodward e
Carl Bernstein; ou de David Halberstam, Neil Sheehan e Malcolm Browne no Vietnã;
ou de ‘Punch’ Sulzberger e Kay Graham, arriscando tudo com a publicação de
Pentagon Papers. Ao invés da conversa ser sobre heróis, o bate-papo de
hoje é sobre fraudes jornalísticas e a debilidade da imprensa de Washington.







Rupert Murdoch por David Levin
(copyright NYRB)

É evidente que Rupert Murdoch sempre espalhou tristeza pelas redações mundo
afora, mas foi a notícia, divulgada em maio, de que a família Bancroft, que
controla o Wall Street Journal, estaria disposta a vender o jornal por
cinco bilhões de dólares que calou mais fundo na alma do jornalismo. A venda de
mais um jornal é assunto corriqueiro nos dias de hoje, mas o Wall Street
Journal
não é ‘mais um jornal’. Assim como o New York Times e o
Washington Post, vem sendo controlado, há gerações, pelos descendentes de
um patriarca fundador.


O controle familiar protegeu esses três jornais das exigências mais
insistentes de Wall Street, permitindo-lhes fazer um jornalismo de boa qualidade
– e alto custo. Dizia-se, e acreditava-se, que as famílias que os controlavam
eram movidas por um senso irrepreensível de que seus jornais eram instituições
quase-públicas. É claro que o lucro era essencial à sua sobrevivência, mas não
era o objetivo essencial de sua existência. Quando uma dessas famílias pode vir
a aceitar o dinheiro e sair do prédio, surge o medo de que, afinal, nenhum
jornal é tão valioso para a República que não se possa submeter ao mercado por
um preço razoável. A presença de Murdoch no Journal significa um mau
presságio para os jornalistas de todo o mundo. Quando a placa, à entrada, diz
‘Tudo à venda’, é freqüente acrescentarem: ‘Estamos fechando’.


O valor do jornal


Existe uma literatura crescente sobre a quantidade dos problemas do
jornalismo, mas em sua maior parte trata do lado editorial, possivelmente porque
a maioria das pessoas competentes para escrever sobre jornalismo não se sente à
vontade para escrever sobre finanças. Entretanto, é nas questões de propriedade
e gerenciamento que existem os problemas mais graves.


A melhor discussão sobre as preocupações dos proprietários e dos gerentes
administrativos pode ser encontrada nas próprias páginas dos jornais, na
editoria de finanças, escritas por jornalistas especializados em gerenciamento.
Um documento muito divulgado entre jornalistas é um discurso pronunciado por
John S. Carroll, ex-editor do Los Angeles Times, na American Society of
Newspapers Editors. Trata-se de uma abordagem eloqüente do desconforto que
sentem muitos repórteres e editores em relação ao futuro. Carroll deu a seu
discurso o título ‘O que acontecerá com os jornais?’ e, tal como o título
sugere, seu prognóstico não é alentador.


Ele ficara particularmente preocupado com a ausência de compreensão entre os
proprietários e os jornalistas empregados e com a perda de objetivos comuns que
anteriormente os unia. Isso ocorrera, segundo ele, porque as funções que antes
tinham pertencido ao domínio dos grandes publishers haviam sido
preenchidas pelos gerentes financeiros de Wall Street. A ruptura começara há
cerca de quarenta anos, quando proprietários locais começaram a vender seus
jornais para grandes conglomerados. Com a mudança da natureza de mercados, o
poder das empresas passou a ser exercido por fundos de investimento, os quais
ganham dinheiro investindo o dinheiro de outras pessoas, multiplicando-o.


Tornou-se difícil saber quem ou o que era proprietário de um jornal. Os donos
deixaram de ser ‘seres humanos identificáveis’, como disse Carroll. Às vezes, o
dono, que havia tido um nome – Otis Chandler, do Los Angeles Times, John
Knight, do grupo de jornais Knight Ridder, ou Barry Bingham, do
Courier-Journal, de Louisville – tornava-se uma entidade abstrata. Às
vezes, a sala da diretoria parecia ser um espaço ocupado por pesquisadores de
mercado fuçando pelo mundo afora, por meio de computadores, em busca de
oportunidades de investimento lucrativas. Às vezes, era um gerente de fundos sem
experiência ou interesse algum por jornalismo.


Nessa ‘fase de propriedade pós-corporações’, disse Carroll, o objetivo do
jornal se torna mais estreito aos olhos do dono. No tempo dos antigos patrões
locais, a capacidade de um jornal dar dinheiro era apenas uma parte de seu
valor. Atualmente, é tudo. Foi-se a idéia de que um jornal deve ter liderança,
de que tem uma obrigação para com sua comunidade, de que tem um dever para com o
público…


[…]


Espaço diminuído


O que pretendem os atuais donos de seus jornais? A resposta não podia ser
mais simples: dinheiro. É isso.


Carroll é uma autoridade no assunto. Enquanto editor do Los Angeles
Times
, o dono a quem ele tinha que se dirigir era a Tribune Company, um
conglomerado que brotou do Chicago Tribune, do coronel Robert McCormick.
Antes que alguém pudesse adivinhar que o boom do mercado de capitais do
final do século passado era uma bolha que surgia, a Tribune Company já tinha
comprado jornais famosos por todo lado. Entre eles, o Los Angeles Times,
então amplamente respeitado e tido como um dos melhores diários dos Estados
Unidos.


Sua reputação fora construída, uma geração antes da chegada de Carroll, por
Otis Chandler, um publisher dinâmico, disposto a gastar – às vezes, de
maneiras extravagantes – para competir com o melhor jornalismo. Tinha como
fazê-lo porque pertencia à família proprietária do jornal: os descendentes de
Harry Chandler (1864-1944), um magnata do mercado imobiliário da Califórnia que
preparara reservas monetárias para seus filhos durantes os anos da depressão. A
família multiplicou-se rapidamente e, pelas últimas contas, acreditava-se que a
herança dos fundos de Chandler seria a principal fonte de renda de cerca de 170
descendentes de Harry.


Na época de Otis, o número era menor, obviamente, e embora muita gente
reclamasse de seu estilo autoritário e de sua indiferença quanto à tradicional
linha editorial direitista do jornal, ele conseguia se dar bem com o
Times, desde que o dinheiro dos outros Chandler não fosse posto em risco.
Passou-se o tempo, e Otis junto com ele, e os herdeiros Chandler – que nunca
haviam sido entusiastas por jornalismo – foram cortejados pela Tribune Company.
O negócio se consumou no ano 2000, com a Tribune Company comprando o
Times e o grupo Times-Mirror Company por 8 bilhões de dólares em ações e
três lugares na diretoria da Tribune.


A própria Times-Mirror Company comprara jornais (o Newsday, em Long
Island, o Baltimore Sun e o Hartford Courant, entre outros) e
todos eles acabaram despejados na cesta da Tribune, em Chicago. É evidente que a
Tribune era uma organização financeira colossal e, portanto, extremamente
vulnerável quando a bolha do mercado de capitais estourou e as ações, em
especial de jornais, começaram a cair.


[…]


O jornalismo estava sendo talhado por uma teoria de Wall Street segundo a
qual os lucros podem ser maximizados minimizando o produto. Jornais do mundo
inteiro recebiam exigências constantes de melhorar o desempenho na Bolsa. A
política que resultou dessa dissecação de cortes nos custos deixou uma paisagem
entulhada de jornais debilitados, empobrecidos e gravemente feridos, que se
tornaram cada vez mais inúteis para qualquer leitor que queira saber o que
acontece no mundo, sobre o país ou a comunidade local.


A política de cortes reduziu o número de correspondentes estrangeiros,
minimizou ou fechou agências de notícias em Washington e mutilou as equipes de
reportagem locais que ficavam de olho nos governadores, prefeitos, deputados
estaduais, malandros de cidadezinhas, bandidos e corruptores de magistrados.
Também diminuiu o tamanho da típica página de jornal, cortando os custos de
impressão através de cortes no conteúdo do noticiário.


Os jornais noticiam sua própria erosão em suas colunas de economia, exibindo
teimosamente a diminuição, centímetro a centímetro, do tamanho das páginas e da
cobertura noticiosa, mas as estatísticas não têm como transmitir, por si sós, a
verdadeira perda para o país. Além do Los Angeles Times, os jornais que
deixam transparecer a devastação da política de cortes incluem alguns dos
títulos que já estiveram entre os melhores do país: The Baltimore Sun,
The Miami Herald, The Philadelphia Inquirer, The Des
Moines Register
, The Hartford Courant, o Courier-Journal, de
Louisville, o San Jose Mercury News e o St. Louis Post-Dispatch,
por exemplo.


Mundo do dinheiro


Os donos atuais, com esse novo estilo, ficam perplexos quando editores ou
repórteres utilizam a tradicional argumento de que o jornalismo presta um
serviço público fornecendo aos cidadãos a informação de que necessitam para que
a democracia funcione. Os novos donos têm outra noção do dever. Segundo Carroll,
‘às vezes eles ficam sinceramente perplexos ao encontrarem pessoas, em seu meio,
que não se sentem agradecidas, em primeiro lugar e antes de tudo, ao
acionista’.


Em que confia essa gente?, perguntam-se. O trabalho de qualquer empregado, na
opinião deles, é produzir um bom resultado financeiro, e não entregar-se a fazer
o bem sonhadoramente às custas da empresa… Nossos superiores dos conglomerados
vêem nossas crenças como estranhas, desperdiçadoras e cada vez mais
cansativas.


O discurso de Carroll é precioso por traduzir a visão sinistra de um
jornalista de como as práticas competitivas do mercado mudaram a profissão; mas
Donald Graham pronunciou uma visão semelhante de sua cadeira de presidente da
diretoria do Washington Post e seu comentário apareceu na página de
opinião e editorial do Wall Street Journal em abril, quando o New York
Times
criticava Wall Street.


Carroll diz que o capitalismo de livre mercado não funciona quando o negócio
é jornal e, se aplicado rigorosamente, tende a destruí-lo. Surpreendentemente –
uma vez que é dono, afinal de contas – Graham parece concordar. Seu texto, de
cerca de mil palavras, é particularmente irado ao advertir que a insistência
unívoca de Wall Street em maximizar os lucros pode ser fatal ao jornalismo.


Seu depoimento foi provocado pelos esforços de um gerente do banco Morgan
Stanley para quebrar a estrutura acionária que garante à família de Sulzberger o
controle do New York Times. Esse mecanismo foi incorporado ao estatuto do
Times quando a empresa entrou no mercado de capitais, em 1967. Ele limita
o controle da empresa às pessoas que detêm ações preferenciais – a maioria
delas, descendente de Adolph S. Ochs, que fundou o Times em 1896. O atual
publisher, Arthur O. Sulzberger Jr., é neto de Ochs.


O banco Morgan Stanley tentou deflagrar uma revolta entre os acionistas
não-privilegiados na primavera passada, incitando-os a não votar nos candidatos
que a Times Company nomeara para diretores. Graham admitiu que não era parte
desinteressada, uma vez que o Washington Post também adotou a mesma
estrutura acionária para garantir o controle familiar da empresa.


O Post ganhou sua forma moderna em 1933, quando Eugene Meyer
(personalidade importante nos meios de Wall Street) o comprou num leilão de
falências. Graham é neto de Meyer, mas se a fortuna de sua família tem raízes em
Wall Street, ele não esconde sua insatisfação pela forma com que o mundo
contemporâneo do dinheiro trata o jornalismo. O apoio ao ataque realizado pelo
banco Morgan Stanley à estrutura acionária, escreveu, ‘é correr riscos malucos’
e pôr em xeque o futuro do New York Times. Eliminando essa estrutura,
‘uma fila de compradores, sequiosos para adquirir a empresa, se formaria em
questão de minutos’, escreveu Graham. ‘O New York Times‘, previu, seria
‘leiloado como um quarto de boi.’


.2.


Wall Street recebe pouca atenção por parte de Neil Henry em sua genial e
minuciosa descrição dos problemas do jornalismo nestes tempos eletrônicos
[American Carnival: Journalism Under Siege in an Age of New Media, por
Neil Henry, ed. University of California Press, 326 pp., US$ 24.95]. Após uma
carreira no Washington Post, Henry é professor na Faculdade de Jornalismo
da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e seu livro trata de assuntos que
deveriam preocupar os jovens que começam na profissão. De que maneira a internet
afeta aquilo que ainda chamamos ‘imprensa’? Será o ‘blogging’ o jornalismo do
futuro? De que maneira pode o jornalista evitar a manipulação pela imensa – e
implacável, em sua eficiência – máquina de propaganda do governo e do
empresariado?


Ele não tem as respostas – e, na realidade, ainda não existem respostas para
tais questões. Quando o advento das novas tecnologias muda tudo, a única
previsão certa é a de um futuro inteiramente diferente de tudo o que conhecemos.
Henry se satisfaz em deixar o sociólogo Herbert Gans especular sobre as
possibilidades do jornalismo num futuro eletrônico cor-de-rosa.


A história das inovações tecnológicas sugere, na verdade, que as novidades
culturais, sociais ou econômicas que se esperam das novas tecnologias nem sempre
se concretizam. Conseqüentemente, a tecnologia, por si só, pouco fará para criar
um futuro brilhante para o jornalismo.


A forma pela qual a internet substituiria o jornal enquanto fonte de
informação nunca é bem explicada por aqueles que garantem que isso ocorrerá.
Atualmente, cerca de 80% de todas as notícias disponíveis na internet são
originárias de jornais, segundo estimativa feita por John Carroll, e nenhuma
empresa da internet tem recursos suficientes para coletar e editar notícias na
proporção que o faz o mais medíocre dos jornais metropolitanos. Além do mais,
conglomerados como Google e Yahoo! aparentemente não têm interesse em fazer um
jornalismo sério (o Google tem um site de notícias automático, Google News, que
navega por centenas de jornais eletrônicos e despachos de agências de notícias;
o Yahoo! tem uma agência de notícias, o site Yahoo News, mas nem tem uma equipe
de jornalistas, nem faz uma cobertura própria do noticiário).


Atualmente, a internet é basicamente uma versão eletrônica do menino de dez
anos de idade que, de cima de sua bicicleta, costumava jogar o jornal na porta
de entrada das casas: um mecanismo de circulação engenhoso. É também,
evidentemente, um recurso inigualável para pesquisa e verificação dos fatos. O
repórter de hoje, com seu laptop, tem acesso praticamente imediato a um material
que, antigamente, implicaria buscas morosas, e muitas vezes fúteis, nos arquivos
mortos do jornal. A internet deve tornar a redação e a revisão das matérias
melhores.


‘Parceiro silencioso’


O blogging é uma novidade mais interessante, talvez por serem os
blogueiros tão apaixonados pela coisa. É uma restrição válida para um jornalismo
descuidado e negligente, pois a vigilância dos blogueiros não deixa escapar o
mínimo erro, a mínima omissão, e sua fúria é dura de agüentar. Blogueiros
engajados insistem que praticam jornalismo, da mesma forma que faz um
correspondente como John Burns, informando sobre a guerra do Iraque de Bagdá
para o New York Times.


Se alguém topar esse debate, deve-se preparar para discutir a noite inteira e
talvez pela semana seguinte. O que é indiscutível é que praticamente qualquer
blogueiro pode ser um colunista. Com os imensos exércitos de
colunistas-blogueiros, parece inevitável que alguns deles eventualmente produzam
algo de original, interessante e refrescante, lançando um sopro de vida nova
sobre esta forma já desgastada de jornalismo.


Como tantos outros comentaristas sobre jornalismo da atualidade, os autores
de When the Press Fails – três professores de jornalismo – ficaram
indignados com o desempenho frágil e omisso por parte da imprensa quando Bush,
Cheney, Rumsfled, Wolfowitz & cia. incendiavam o apetite público por uma
guerra no Iraque. Todo mundo, inclusive a maioria dos jornalistas, parece
concordar que a imprensa desempenhou um papel medíocre, mas, se esse desempenho
tivesse sido um trabalho magnífico, derrotar a determinação dos neoconservadores
em conseguir sua guerra é uma outra questão.


Acompanhando de perto os fatos, naquela ocasião, achei que nada os deteria.
Por um lado, o desejo de guerra contaminou o público. Por outro, o Congresso, a
única força suficientemente poderosa para resistir a loucuras presidenciais –
embora nem sempre capaz de evitá-las –, deixara de funcionar como parte concreta
do governo e encontrava-se completamente inútil, limitando-se a incentivar o
presidente. O senador Robert Byrd, da Virgínia Ocidental, descreveu com precisão
a posição do Congresso como ‘moralmente fraca’.


[…]


E, por fim, deve ser creditado ao governo um soberbo trabalho de
desapontamento. Ele enganou o próprio secretário de Estado, Colin Powell. Até se
enganou a si próprio, antegozando um triunfo fácil. Apesar do papel humilhante
do Congresso, a idéia de que a imprensa poderia ter evitado o desastre demorou a
morrer. When the Press Fails não endossa essa idéia, mas não deixa de
cortejá-la. É ‘particularmente interessante’ que a imprensa ‘manteve-se um
parceiro silencioso, embora muitas vezes desconfortável’ no ‘exercício de
queda-de-braço da realidade’ com o qual o governo vendeu a guerra, dizem seus
autores.


Realidade própria


O ideal da independência da imprensa não significa que o debate aberto com o
público que daí decorre transforme ou melhore, necessariamente, os rumos da
política adotada. O mínimo que se pode dizer é que a publicação de desafios com
credibilidade em relação a políticas duvidosas pode proporcionar a um maior
número de cidadãos uma informação mais equilibrada. E quando esses cidadãos vêem
suas preocupações mais íntimas – e, às vezes, mal definidas – discutidas e
esclarecidas no espaço legítimo da imprensa, podem começar a agir como um
público, ao invés de sofrerem, isolados, o pavor dos acontecimentos que se
desenrolam.


Com tais afirmações, os autores do livro exigem mais da imprensa do que ela
pode dar. Discutir e esclarecer as atividades do governo é saudável, com
certeza, mas é também um processo maçante que pode não ir além da indiferença do
público. O Washington Post começou a discutir e esclarecer o caso
Watergate no verão de 1972 e, no entanto, seis meses depois os norte-americanos
estavam tão desinteressados que reelegeram o presidente Nixon com uma das
votações mais esmagadoras da história. Se não fosse pela intervenção do
quase-desconhecido juiz John Sirica, o escândalo de Watergate poderia ter caído
no esquecimento.


Embora os autores do livro possam superestimar o poder da imprensa, sua
análise das fraquezas do jornalismo de Washington merece muita atenção. Ser
correspondente em Washington é uma das melhores promoções que um jornal tem a
oferecer e, não por acaso, a imprensa de Washington constitui um grupo de elite:
bem-educados, bem pagos, talentosos, à vontade entre os donos do poder, talvez
um pouco presunçosos por saberem de segredos que os outros desconhecem, mas, em
sua maioria, suscetíveis para com a obrigação de manter o público informado sem
medo ou preconceito. No entanto, eles falharam para com esta obrigação durante
os anos Bush devido, em parte, na opinião dos autores de When the Press
Fails
, à sua tendência a uma excessiva condescendência para com o poder.


Essa ‘condescendência para com o poder’ não teria surgido como produto da era
Bush, segundo os autores, mas seria um hábito ‘profundamente implantado e
constantemente reforçado na cultura e nas rotinas do jornalismo predominante’.
Um hábito que tornaria os jornalistas de Washington vulneráveis à manipulação
pelos poderosos e indiferentes aos dissidentes e aos protestos. Dissidentes e
aqueles que protestam são freqüentemente considerados ‘não-conformistas’, o que
subentende que não devem ser levados a sério.


No mínimo, a condescendência para com o poder torna-se uma constante na
cobertura das mais banais trivialidades da Casa Branca. O próprio presidente
recebe uma cobertura exaustiva, mesmo quando não está fazendo mais do que entrar
e sair de aviões, de férias ou cumprimentando personalidades de passagem. Num
nível mais sofisticado, também transparece na linguagem de jornalismo. A palavra
‘tortura’ raramente foi utilizada em matérias sobre Abu Ghraib. O presidente
Bush insiste que os Estados Unidos não toleram a tortura. Matérias jornalísticas
e fotografias do que soava e parecia decisivamente tortura foram quase sempre
descritas pela imprensa como ‘abusos’.


Na pior hipótese, a condescendência para com o podre significa reproduzir
prontamente a versão do governo tal como a apresentam os poderosos. O pessoal de
Bush falou em criar sua própria realidade. Os autores de When the Press
Fails
referem-sem a essa ‘realidade’ de Bush como um script e
criticam a imprensa de Washington por aceitá-la como uma realidade concreta,
mesmo quando, durante a guerra do Iraque, ‘aquele script parece
grotescamente discordante dos fatos observáveis’.


Repórteres barrados


Contrariamente à impressão popular, existiu um bom jornalismo quando o
governo se lançou na guerra. Existiu também uma dissidência articulada, até no
Capitólio, quando a resolução de apoio à guerra foi antecipada pelo Congresso. A
imprensa simplesmente não lhe deu muita atenção, em primeiro lugar por ter
origem em pessoas fora do poder – os senadores Kennedy, de Massachusetts, e
Byrd, da Virgínia Ocidental, ambos democratas. No Times e no Post,
Byrd quase não existia. Embora ele seja o mais antigo membro do Senado e uma
enciclopédia humana sobre sua história, estava fora do poder e, portanto,
facilmente ignorado, enquanto Ari Fleisher – a voz da Casa Branca – era
onipresente nas redes de comunicação.


Contrariamente à impressão de que a totalidade da imprensa de Washington era
sonâmbula, também existiram algumas reportagens investigativas. Michael Massing,
cujos artigos sobre a cobertura de imprensa deficiente feita na época foram
publicados no New York Review of Books, destaca várias matérias feitas
por repórteres do Washington Post e do New York Times que
desafiaram a posição do governo. Freqüentemente, entretanto – diz Massing –, as
matérias eram discretamente enfiadas no canto de uma página interna do
jornal.


Walter Pincus e Dana Milbank, por exemplo, escreveram no Post que os
Estados Unidos se preparavam para atacar o Iraque com base em suposições contra
Saddam Hussein ‘que foram questionadas – e, em alguns casos, rejeitadas – pelas
Nações Unidas, por governos europeus e até por relatórios das agências de
inteligência norte-americanas’. A matéria foi ‘escondida’ na página A13. Pincus
disse a Massing que os editores do Post ‘passaram por uma fase em que não
davam chamada de primeira página para matérias que poderiam fazer a
diferença’.


Massing deu um destaque especial para Jonathan Landay, Warren Strobel e John
Walcott, da sucursal da agência Knight Ridder de Washington, por uma cobertura
consistente que nunca aceitou o script do governo. Mas aqui surge outro
defeito do jornalismo de Washington: as matérias publicadas pela agência Knight
Ridder sobre a realidade por trás do script não tinham influência alguma
sobre o restante da imprensa porque a Knight Ridder não tem jornais em
Washington – suas matéria simplesmente eram ignoradas.


Isso pode refletir algo pior do que uma imprensa de Washington adormecida
quando se acende a luz. John Walcott, chefe da sucursal de Washington da Knight
Ridder, disse recentemente, a propósito da cobertura sobre o Iraque, que a
imprensa de Washington tinha um problema pior do que timidez ou demasiada
proximidade com o poder. Era, pura e simplesmente, preguiça. Muito do que o
governo disse sobre o Iraque a al-Qaeda simplesmente não fazia sentido, mas
raríssimos foram os repórteres que se deram ao trabalho de verificá-lo.


Também implicou alguma coragem para irritar a Casa Branca, dizendo que o
governo divulgava ao mundo apenas o que servia a seus objetivos e fantasias.
Desafiar o script era um convite a ser punido pela Casa Branca: os
repórteres da agência Knight Ridder foram impedidos, durante três anos, de
viajar no avião da Secretaria de Defesa porque sua cobertura não obedecera ao
script. O ex-embaixador Joseph Wilson escreveu que Saddam Hussein não
comprara minério de urânio no Níger – o que o presidente afirmara perante o
Congresso – e a carreira de sua mulher na CIA foi destruída por meio de
vazamentos no governo.


Secretária computadorizada


Através de um imenso amplificador de talk radio da direita
conservadora, os jornalistas que desafiavam o script eram acusados de
serem tendenciosos, de terem motivos não-patrióticos, de serem indiferentes às
vidas dos soldados norte-americanos e até de pretenderem trair o país.


O talk radio continua difundindo calúnias 24 horas por dia, com
absoluta impunidade, porque agora já não há muito apoio público a reportagens
agressivas. Existe uma intensa campanha de políticos conservadores, há vários
anos, no sentido de descrever a imprensa como um falso mensageiro disseminando o
que é negativo e envenenando a cabeça das pessoas com preconceitos esquerdistas.
‘Convidados’ políticos das emissoras de notícias 24 horas por dia repetem essa
mensagem incessantemente.


Um dos resultados disso é a crescente separação entre o público e a imprensa.
Isso é evidente na nova visão que o público tem do jornalista. Quando eram
heróis, os jornalistas foram glamourizados nas telas por Clark Gable e Rosalind
Russell. Eram o sal da terra: gozadores, atrevidos, mas sempre com caráter e
princípios. Também assim foi com James Stewart, Humphrey Bogart, Cary Grant,
Robert Redford e Dustin Hoffman, que também passaram por redações
cinematográficas. Ser jornalista era algo como um herói proletário, merecedor do
poder de uma estrela de Hollywood.


Em American Carnival, Neil Henry caracteriza o ‘jornalista’ moderno e
sugere os motivos que levaram o público a retirar-lhe o afeto. Para a pessoa
comum, diz Henry, ‘um jornalista é o apresentador da televisão que recebe um
belo salário para fazer constantemente barulho nos canais de notícias’. O
anfitrião do programa também é um jornalista, arrecadando um bom dinheiro ‘não
para sair em busca de notícias, mas para entreter uma audiência com um discurso
fluente e uma personalidade controvertida’.


O jornalista de hoje, na caracterização de Henry, é o comentarista de
televisão que, no julgamento de um assassinato, declara a culpa e fala da pena
máxima antes que a sentença seja pronunciada. Ou pode ser uma estrela de TV, com
um salário de vários milhões de dólares, fingindo compreender os problemas da
classe operária. E há ‘os que têm acesso a informações confidenciais, que mudam
de lealdade e de ética, que trabalham como porta-voz do Pentágono, como
assessores de campanhas eleitorais, ou como redatores dos discursos do
presidente por um ano’ e descolam um emprego no ano seguinte como repórter de
televisão ou correspondente de uma revista, sempre dignos de confiança.


No caso da televisão, o jornalista é alguém que precisa ‘de uma plástica nos
olhos, de um transplante de cabelo ou de uma injeção de Botox’ para criar a
falsa aparência de juventude, essencial para transmitir a verdade com
convicção.


Henry fica triste com tudo isso. Seu conjunto de interesseiros, fraudadores,
papagaios de pirata de políticos, prepotentes, charlatões, repórteres comprados
e trapaceiros sem princípios constitui esse vago organismo chamado ‘mídia’. Como
a imprensa e o jornalismo se enredaram em toda essa sujeira é uma história
complicada, mas parece não haver escapatória. Na verdade, a imprensa parece ser
um coadjuvante no circo (carnival) de Henry e cabe até perguntar se
alguém se preocupa com isso.


Ninguém mais telefona para o jornal com a esperança de encontrar um herói. E
se alguém o fizesse, provavelmente escutaria uma mensagem gravada numa
secretária eletrônica computadorizada – que foi o que ocorreu com Henry com
vários jornais para onde telefonou, ao acaso. Foi difícil conseguir falar com
alguém. Dava solidão, ao telefone.

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Da New York Review of Books