Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Sobre jornalistas, cibercidadania e ética

A revolução digital transforma as pessoas produtoras em consumidores de conteúdos. Uma realidade ainda em digestão que coloca os profissionais da informação diante de algumas incógnitas e mais perplexidades sobre seu papel social, seus deveres e, também seus direitos. Para o catedrático brasileiro Rosental Calmon Alves, o mundo atravessa ‘uma revolução com pouquíssimos precedentes históricos, comparável com a produzida por Johannes Gutenberg’, o inventor da imprensa moderna, em meados do século 15.

Rosental é um dos maiores evangelizadores do jornalismo em rede e promotor do que chama um ‘ecossistema de mídia’, muito diferente do dominante no século 20, cuja maior potência será a plataforma digital multimídia e o setor impresso será secundário. Um elemento desta diversidade é a mudança de um sistema ‘mídia-central’ para outro ‘eu-cêntrico’, diz o cibercientista brasileiro, onde cada pessoa é potencialmente um micro-organismo. Entramos na sociedade do prosumer, do produtor-consumidor de conteúdos, afirmou Rosental ao jornal espanhol El País.

Os suportes de expressão desta sociedade são múltiplos e é uma aventura prever quais sobreviverão antes de secarem os cimentos da nova era. Entre eles destacam-se as redes sociais e, em particular, o Twitter, um meio de comunicação baseado na participação da cidadania na ciberinformação. Quais são os direitos e as responsabilidades dos profissionais da comunicação nestas mídias sociais? Sua profissão limita seu direito de cidadão de se expressar em redes como o Twitter? Os empresários da mídia podem limitar o que é dito nas redes como pessoas?

‘Sempre há limitações no jornalismo’

Especialistas latino-americanos refletiram para a IPS sobre estas e outras dúvidas em que navegam os jornalistas atualmente. O colombiano Javier Darío Restrepo, uma das maiores e mais próximas referências regionais de ética jornalística, fixou uma premissa: ‘A ética não muda com as tecnologias. A que foi válida para Gutenberg continua sendo válida para o cibernauta. É mais rigorosa para este porque a ferramenta que utiliza é mais poderosa. Para maior poder técnico, maior exigência na responsabilidade’, afirmou. ‘Tenho um compromisso ético com a verdade como redator de um jornal e como twitteiro’, acrescentou.

Quanto às suas responsabilidades, para o jornalista que twitta há diferenças entre o que divulga no meio para o qual trabalha e o que posta na rede de microconteúdos, disse Javier, diretor do Consultório Ético da Fundação Novo Jornalismo Iberoamericano. ‘No jornal, fala em nome de um meio que tem uma credibilidade real e conferida pelos leitores. No Twitter, fala a título pessoal, o que diminui sua responsabilidade, mas não seu compromisso com a verdade’, afirmou.

Para Javier, sempre que comunica, o jornalista deve ter em conta que ‘não é livre para decidir o que tem vontade, mas o que deve dizer’ e que ‘nem a liberdade de expressão, nem os direitos são absolutos. Sempre há limitações em seu exercício, que resultam dos direitos e das liberdades dos demais’.

‘As políticas trabalhistas e as redes sociais’

Margarita Torres, professora na faculdade de comunicação da Universidade Iberoamericana do México, disse que o jornalista tem os mesmos direitos que o restante dos cidadãos em usar as redes sociais, mas ‘o cuidado e o respeito da própria profissão marcarão os limites’ em seu uso. Para Margarita, é difícil separar os direitos humanos dos comunicadores de sua profissão. ‘Não posso deixar de lado a ideia de integridade’, afirmou a professora, que também integra a Rede de Jornalistas de A Pie, muito ativa na internet.

‘Os direitos humanos dos jornalistas não podem ser limitados, devem ser iguais aos de qualquer cidadão, mas, ao mesmo tempo, ele é um dos guardiões do ultra-aclamado direito à informação, e tudo o que isto implica’, afirmou a acadêmica mexicana. Quando atua em redes como o Twitter, o jornalista não pode esquecer que seus seguidores, o público neste caso, querem ‘informação confiável’, apresentada de maneira diferente, disse a especialista em responsabilidade social dos comunicadores.

Margarita citou casos registrados de jornalistas cujos seguidores exigem retificação de informação incorreta dada no Twitter em contas pessoais, ou de responsabilidade de meios de comunicação convencionais que são cobrados nas redes por decisões editoriais de sua publicação. Sobre os limites ou confrontos que já surgiram entre o meio empregador e o jornalista por sua participação pessoal no Twitter e em outras redes, o mantra ético de Restrepo, Torres acrescentou a autorregulação como ferramenta, em particular de transparência.

Os códigos de deveres e os regulamentos internos dos meios ajudam, como se fossem um mapa. Quando seu ponto de vista colide com o do meio de comunicação onde o jornalista trabalha, isso não impedirá as demissões ou punições pelo que digam em espaços pessoais como cibernautas, ou em colunas e análises em sua própria publicação. O problema, segundo Torres, ‘é que não se exige que os meios sejam claros em suas políticas trabalhistas e éticas, e agora surgem as relacionadas com as redes sociais’.

‘Responsabilidades muito especiais’

Raisa Uribarri, professora e pesquisadora da venezuelana Universidade de Los Andes, acrescentou outro problema enfrentado pelos jornalistas ao expressarem suas opiniões pessoais nas redes ou na blogosfera: o uso que deles possa fazer o poder político, ou econômico, para denegrir o jornalista. ‘O rastro que sua vida privada deixa nas redes gera opiniões que podem trabalhar a favor ou contra quando você se vê no olho do furacão’, disse Raisa, citando como exemplo o caso de uma jornalista que fez uma pergunta incômoda ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez. A imprensa oficial e funcionários do governo utilizaram as opiniões registradas pela jornalista no Twitter, desfavoráveis ao governo, para desqualificá-la, contou Raisa, também especialista em comunicação e novas tecnologias.

‘As redes sociais, por seu fácil uso, contribuem para a exposição pública dos jornalistas, já não como trabalhadores de um meio em particular, mas como cidadãos com opiniões próprias que, obviamente, não têm necessariamente de coincidir com as posturas editoriais dos meios de comunicação onde trabalham’, acrescentou Raisa. Em uma situação ideal, a especialista considera que essa dicotomia não deveria causar mais problemas aos jornalistas além de seus compromissos éticos, mas há represálias documentadas de órgãos de comunicação contra empregados ‘quando manifestam, de maneira pessoal ou não, opiniões divergentes’.

Diante do que fazer, Raisa encarou perguntas: Nos autocensurarmos? Nos mantermos como uma espécie de seres angélicos, sem opiniões? Deixar de usar as redes? Nos limitarmos a tratar de temas alheios às nossas fontes profissionais? Levar uma vida paralela nas redes? Isso seria tolerável para os órgãos de imprensa? Valer-se do anonimato? Isso é ético?

Raisa contou que em um recente ‘webinário’ (seminário sobre web) internacional sobre a gestão da identidade jornalística na rede, uma jovem latino-americana recém-formada em comunicação, mas com anos de atividade digital e uma identidade estabelecida, perguntou: ‘Quer dizer que quando começar a trabalhar em um órgão de comunicação não poderei mais ser eu’? A especialista deu sua própria receita: ‘Cuido de cada twitter, de cada atualização no Facebook, de cada linha no meu blog. Porque sou cidadã, sim, mas uma cidadã com responsabilidades muito especiais derivadas da minha profissão’.

******

Da Inter-Press Service