Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Três faces da nossa imprensa

O programa Observatório na TV da terça-feira 30/11 [transcrição abaixo] revelou um resumo das preocupações de três jornalistas em relação ao governo – curiosamente afinadas com as preocupações dos jornais em que trabalham. O entrevistado era o jornalista Ricardo Kotscho, que poucos dias antes deixara seu cargo de secretário de imprensa da Presidência da República. Os convidados: Tereza Cruvinel, colunista de política do Globo; Marcelo Beraba, ombudsman da Folha de S.Paulo; e Mauro Chaves, editorialista do Estado de S.Paulo.


O apresentador Alberto Dines deixou claro na abertura o mote do programa: a avaliação de Kotscho do jornalismo exercido em Brasília, centro do poder, a partir de uma declaração dele ao Globo: ‘Brasília alimenta muito a vaidade não só dos políticos mas também dos jornalistas. Tem muito jornalista em Brasília que é mais importante que a notícia’.


Tereza Cruvinel prendeu-se em seus comentários à ‘mística criada em torno do jornalismo de Brasília, de que é uma promiscuidade, uma intimidade permanente’. Para ela, isso não é verdade, trata-se de uma ‘construção de acesso’ às fontes, e o que diferencia o jornalista de outro cidadão ‘é que ele é pago para ter acesso e obter a informação para o conjunto da sociedade’. Mais adiante, deu seu testemunho de que Kotscho ‘se esforçou muito, não só para dar a notícia, mas como interlocutor, com quem se pode tentar tirar dúvidas ou confirmar uma notícia’.


Por coincidência, o Globo é um jornal extremamente preocupado com os bastidores da informação política, freqüentemente com as intrigas palacianas, no velho estilo dos tempos da ditadura, quando não se podia dar abertamente a informação. Percebe-se isso diariamente nas matérias sobre o governo e o Congresso e nas colunas de política.


Kotscho atribuiu a ‘lenda’ à concentração de jornalistas num espaço pequeno, que chamou de ‘o mundinho’ de Brasília. ‘Isso não quer dizer que haja promiscuidade, mas há uma competição exagerada’, disse. Para ele, está todo mundo cobrindo as mesmas coisas, enquanto o resto do país fica sem cobertura. ‘E aí eu chego à questão central, que eu vi nesses dois anos: tem Brasília demais e Brasil de menos.’


Marcelo Beraba questionou a ‘política de comunicação do governo’, repisou os ‘problemas sérios entre imprensa e governo’ – ‘este governo respeita os meios de comunicação?’, perguntou – e insistiu muito na questão da falta de entrevistas coletivas do presidente Lula. Não por acaso a Folha é o jornal que mais denuncia tentativas de censura e demonstrações de autoritarismo que o governo Lula supostamente patrocina, além de cultivar à exaustão o jornalismo declaratório.


O ‘despreparo’ do presidente


Kotscho deu razão a Beraba: não existe de fato uma grande política de comunicação do governo, revelou sua frustração por não ter conseguido fazer uma entrevista formal no Salão Leste do Palácio do Planalto e destacou as duas entrevistas às rádios brasileiros, uma iniciativa inédita do Planalto, porque ‘há mil outros assuntos de interesse da sociedade, e muitas vezes os repórteres de rádio, nas entrevistas regionais, têm a capacidade de levar ao presidente preocupações da sociedade que não chegam aos gabinetes de Brasília’.


O jornalista discordou, porém, na questão referente às manifestações autoritárias do governo. Ocorreram episódios isolados, disse, de jornalistas que se juntaram e chegaram à conclusão de que havia uma conspiração do governo contra a liberdade de imprensa. ‘Falaram de censura… um absurdo, pois não houve nenhum fato concreto, nada que justificasse isso’, protestou. ‘Então, é um jogo dos dois lados, tem gente que ainda não compreendeu a importância da mídia para a comunicação com a sociedade, para a prestação de contas – é obrigação de todos que estão no Estado, que estão no governo – e, de outro lado, também há gente na imprensa que por qualquer coisa acha que há uma conspiração contra a liberdade de imprensa.’


Mauro Chaves, que fugiu inteiramente ao mote do programa, só queria saber do ‘despreparo’ do presidente para governar. Sobre as Caravanas da Cidadania, que reuniram estudiosos de todas as áreas, num trabalho consolidado posteriormente em programas de governo no Instituto da Cidadania, chegou a dizer que viagem por viagem os motoristas da Itapemirim [empresa de ônibus] conhecem bem melhor o Brasil. Tentou até ‘pautar’ o livro que Kotscho pretende escrever sobre seus 40 anos de jornalismo, ‘que não pode ser laudatório’ a partir da experiência no Planalto – ‘você vai fazer um julgamento também crítico do governo, do Lula etc.’, determinou. Impossível um editorialista mais afinado com seu jornal, repetindo os questionamentos-padrão das elites paulistanas, que o Estado tão bem representa.


Perguntas sem propósito


Obrigado a gastar tempo precioso com questões externas ao objetivo do programa, Kotscho respondeu pacientemente ao colega, completando com uma tirada: ‘Tivemos exemplos no Brasil de gente que leu muitos livros, fez muitas faculdades, tem muitos títulos, e o Brasil não melhorou’. Sobre seu livro, disse: ‘Estou louco para começar logo a escrever, e o título é ‘Antes que eu me esqueça’’. Kotscho deu a impressão de que prosseguiria a frase: ‘E antes que o Mauro escreva por mim…’


Dines levou o programa de volta ao foco: ‘Mauro Chaves tem insistido na questão do preparo dos políticos. A minha preocupação é outra: o preparo dos jornalistas. Como é que você vê essa questão, o jornalista está preparado para cobrir a presidência da República, o governo, os ministérios, as políticas públicas? Essa é uma questão-chave para mim’.


Kotscho pegou a deixa: contou que viu pessoas muito preparadas, muito éticas, muito comprometidas com seu trabalho em Brasília. ‘Agora, você tem o outro lado também, de gente despreparada, que vai ouvir um ministro, um especialista numa área e não sabe nem o que perguntar.’ Nem é uma questão de idade, disse, há gente mais velha e experiente que não se preparou para cobrir uma determinada área. ‘Vê-se isso nas coletivas, saem perguntas totalmente sem propósito. O jornalista tem que estar se preparando sempre, tem que estar lendo sempre, estudando, viajando. É uma profissão em que nunca se está formado.’


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‘Foi uma decisão extremada para um caso muito grave’ – Transcrição da participação de Ricardo Kotscho no programa Observatório na TV nº 285, de 11/5/2004



ENTREVISTA / RICARDO KOTSCHO
‘Brasília demais, Brasil de menos’

Transcrição do programa Observatório da Imprensa na TV exibido em 30/11/04, no qual os jornalistas Tereza Cruvinel (O Globo), Marcelo Beraba (ombudsman da Folha de S.Paulo), e Mauro Chaves (O Estado de S.Paulo), além do apresentador, Alberto Dines, entrevistam o jornalista Ricardo Kotscho

Alberto Dines – Você disse coisas muito importantes nestas últimas entrevistas publicadas no fim de semana. Mas tem uma coisa que nós até reproduzimos na primeira matéria e você disse para o Estadão: ‘Brasília alimenta muito a vaidade não só dos políticos mas também dos jornalistas. Tem muito jornalista em Brasília que é mais importante que a notícia’. Gostaria que você pudesse, sem mencionar nomes, expandir um pouco esta avaliação que é muito importante, sobretudo para um programa como o nosso, que avalia o desempenho da imprensa.

Ricardo Kotscho – Antes de tudo, gostaria de agradecer a oportunidade de estar mais uma vez no Observatório da Imprensa, agora já fora do governo, sem paletó e gravata. Para mim, como eu disse em algumas entrevistas, foi um choque cultural. Era tudo diferente do que eu tinha vivido ao longo de quase 40 anos. Morar em Brasília, trabalhar no governo, na cobertura do dia-a-dia do poder, da questão política, que é uma coisa que eu não tinha feito antes. Eu sempre fiz reportagem geral, viajava sozinho com fotografo e motorista, e Brasília é outra coisa. É uma competição muito grande e às vezes não só entre os veículos, mas entre profissionais do mesmo veículo.

E aí vale tudo. E eu ficava no meio. O presidente Lula, na despedida, falou que há certas pessoas que são como mariscos, que não adianta ficar balançando, mas na verdade a função do secretário de imprensa é um pouco marisco mesmo, ficar entre a rocha e o mar, quer dizer, entre o governo e os periodistas. E nessa disputa, essa concorrência ferrenha pode existir, a gente vê de tudo. Acho que trabalhar em Brasília é acima de tudo uma lição permanente de caráter, mas que de ideologia, de política, é claro, existe também, mas você conhece melhor o caráter das pessoas. Brasília parece que exacerba, para o bem e para o mal.

A. D. – Tereza Cruvinel, você está em Brasília há muitos anos. Acompanhou o trabalho do Kotscho, tenho certeza que você apreciou esse trabalho, mas eu queria que você analisasse essa difícil relação entre imprensa e poder. Você também tem que atender às demandas dos seus leitores, mas está ao lado até, cobrindo e vendo as dificuldades. Como é que o jornalista se coloca nessa difícil situação, numa capital federal como Brasília?

Tereza Cruvinel – Isso é que é muito complicado. Eu até quero fazer mais perguntas ao Kotscho, puxando essa frase que você pinçou da entrevista. Há uma percepção dos colegas do Rio e de São Paulo, sobretudo, sobre o jornalismo que se faz em Brasília. Há muito tempo vem essa lenda de que existe uma intimidade excessiva com o poder, o que não é verdade. Existe a chamada construção de acesso. Porque jornalista sem acesso é… quer dizer, o que o diferencia de outro cidadão é que ele é pago para ter acesso e obter a informação para o conjunto da sociedade.

Eu até queria ouvir o Kotscho sobre esta mística criada em torno do jornalismo de Brasília, de que é uma promiscuidade, uma intimidade permanente. Certa vez um jornalista de São Paulo escreveu que os jornalistas de Brasília comem as sobras da mesa do poder. Eu sempre me incomodei muito com isso, não pessoalmente, mas por todos os profissionais que trabalham aqui, que eu acho que são todos muito profissionais. Todo mundo procura fazer o melhor possível, o que não é fácil. Aqui as fontes são mais difíceis, eu acredito, do que em qualquer outro lugar. Queria ouvir do Kotscho uma consideração sobre isso. Sobre a relação, ele que já foi repórter fora de Brasília, em São Paulo, e que aqui estava do outro lado, como ele vê esse relacionamento, que eu acho que é uma oportunidade importante de alguém falar sobre isso, ainda mais alguém numa posição especial como a que ele teve.

R. K. – Eu comparo essa imagem que se tem do jornalista em Brasília com o que a gente tem aqui em São Paulo do funcionário público, de quem trabalha no governo federal. E nada como a realidade, convivendo com as pessoas, para ver as dificuldades de cada um. Acho que isso vale tanto para um lado como para o outro. Eu conheci em Brasília funcionários muito dedicados, funcionários de carreira, assim como jornalistas também. Eu acho que o problema de Brasília é outro. É que a concentração de jornalistas e de bons jornalistas é muito grande em espaços tão pequenos. Você fica ali num triângulo, Congresso, Palácio do Planalto, os ministérios, a Esplanada.

Isso não quer dizer que haja promiscuidade, mas há uma competição exagerada. Eu me lembro, no fim do primeiro turno, uma conversa que tivemos: está todo mundo cobrindo as mesmas coisas. Eu até sugeri: por que não se vai um dia para cada cidade que tiver segundo turno? Para mostrar uma outra realidade, não só essa de Brasília, dos palácios e do Congresso. E aí eu chego à questão central, que eu vi nesses dois anos em Brasília: tem Brasília demais e Brasil de menos. Mesmo nessa última eleição, se pegarmos uma boa cobertura, ela se restringiu a três ou quatro capitais. E nós víamos disputas [eleitorais] – depois eu fiquei sabendo por colegas que trabalharam em campanhas – fantásticas em outros lugares, e os grandes jornais quase não cobriram isso. Acho que precisa haver uma descentralização de recursos e de profissionais, porque faria bem para os jornalistas e bem para as empresas.

A. D. – Marcelo Beraba, na qualidade de ombudsman, primeiro na qualidade de jornalista muito experiente e em segundo como ouvidor da Folha de S.Paulo, faça a sua pergunta.

Marcelo Beraba – Eu gostaria de saber do Kotscho um pouco da experiência dele como assessor de imprensa do presidente, do Planalto, como ele via nesse período que ele ficou no governo a chamada política de comunicação do governo. A impressão que a gente tem de longe é de que existem várias políticas: uma ênfase grande por parte da Secretaria de Comunicação na questão da propaganda oficial, de publicidade, da comunicação institucional. E muitas reclamações de dificuldade de acesso a manifestações do próprio presidente. Quando Bernardo Kucinski [assessor do presidente] voltou dos Estados Unidos deu uma entrevista interessante: sentia por parte do governo essa ênfase na questão da política institucional, com isso deixando de fazer circular a informação para a população através dos meios de comunicação. Isso tudo ajudou a montar essa idéia de confusão do governo, e vários problemas sérios ocorreram entre imprensa e governo. E tivemos vários episódios lamentáveis nesse período todo. Como você vê isso? Que papel a mídia tem numa democracia como o Brasil? Esse governo sabe tratar da questão da comunicação? Esse governo respeita os meios de comunicação? Como é que você sai desse governo pensando nessas questões?

R. K. – Você fez tantas perguntas que fica difícil tentar resumir isso. Eu posso dizer que essa experiência de trabalho de dois anos valeu para mim por 20 anos de vida. Não existe, e ai você tem razão, uma grande política de comunicação do governo. No início, acho, tivemos muitas dificuldades, mas aos poucos cada área de comunicação do governo, que são muitas… A Secretaria de Imprensa é uma assessoria direta do presidente da República; há uma coordenação da comunicação do governo, a Secretaria de Comunicação, e há o trabalho do porta-voz. O que eu posso dizer é que isso varia muito de um ministro para outro, não há uma regra. É muito o trabalho do dia-a-dia.

Embora não fosse a minha função, minha obrigação, eu sempre procurei ajudar os colegas, mesmo quando não era uma coisa diretamente ligada à presidência. Se tinham dificuldade de acesso a algum ministério, eu procurava ajudar. Eu acho que o jornalista é um instrumento, é um meio entre o governo e a sociedade. São naturezas diferentes, o governo e a imprensa, e é bom que seja assim. Ao longo desses dois anos deu para melhorar muita coisa. No início eu não sabia direito como fazer, porque também nunca tinha sido assessor de imprensa, mas o que foi possível… montamos uma equipe na secretaria, acho que não chega a 10 jornalistas, que aos poucos foram se habituando a esse trabalho e têm uma boa relação com os jornalistas. Claro que sempre há uma ou outra dificuldade, queixas vão existir sempre, mas eu vejo esse governo transparente na comunicação na medida do possível.

Muita gente diz: ‘O presidente Lula não dá entrevistas’. Eu fiz um levantamento, que entreguei ao Dines, o dia-a-dia do que foi feito, ao longo desses dois anos [www.info.planalto.gov.br – Dados Estatísticos]: entre exclusivas e coletivas o presidente deu 69 entrevistas, não é pouco num período de menos de dois anos.

Claro que quanto mais acesso a imprensa tiver para mim é melhor, para a sociedade é melhor. Mas na despedida o presidente lembrou uma coisa: se ele fosse atender a todos os meus pedidos, que eu fazia todos os dias, de contatos com a imprensa e entrevistas, ele não faria outra coisa a não ser atender à imprensa. Então tem que haver aí um certo equilíbrio para a gente divulgar aquilo que é realmente necessário, entre aquilo que a imprensa quer e aquilo que é possível fazer.

Mauro Chaves – Eu gostaria de ampliar um pouco, porque o Kotscho é um excelente profissional, jornalista de 40 anos de profissão, não apenas um assessor de dois anos de um presidente. Tinha uma condição especial, uma ligação de amizade com o presidente Lula, o presidente disse que ele não era um secretário, era um amigo da família.

Eu queria perguntar, em relação à figura do próprio Lula, reportando até o que disse o Dines, o jornalista nunca perde seu discernimento, mesmo estando no poder. Eu acho que aconteceu com o Kotscho isso. Inclusive nas manifestações dele aqui, no programa anterior, ele foi crítico. Eu gostaria de perguntar se ele acha que nesse período o Lula se preparou devidamente para ser presidente, se o Lula estudou o que poderia ter estudado em 20 anos, se o Lula leu livros como deveria. Ele me disse uma vez que tinha tentado ser prefeito de São Bernardo, mas o partido não deixou. Eu queria saber qual o real objetivo do Lula de ter uma prática administrativa, ou de estudar, de se esforçar. Até que ponto o partido ajudou, até que ponto o partido atrapalhou isso?

R. K. – Olha, Mauro, eu acho que ninguém se preparou mais do que o presidente Lula para exercer essa função. Desde que eu o conheço, desde 1978, o contato que ele teve com a realidade brasileira, com pessoas de todos os setores da sociedade ao longo desses anos, e em muitos momentos eu tive a oportunidade de acompanhá-lo, a participação dele em estudos, seminários, primeiro no Governo Paralelo depois no Instituto de Cidadania – acho que as pessoas mais capazes do Brasil, em todas as áreas, participaram de discussões, de debates e de projetos que foram preparados em conjunto com o presidente Lula. Não há assunto nesse país hoje que ele não domine e uma coisa que eu vi nesses dois anos trabalhando ao lado dele: ele quer saber de tudo, ele se informa sobre tudo, não existe, como muitas vezes aparece na imprensa, quem é o ministro mais forte, quem é que faz a cabeça do presidente. Ele é que faz a cabeça dos outros, ele é quem controla o governo.

Quando se fala na política econômica, ‘ah, porque eu não concordo com a política econômica do Palocci’, é a política econômica do governo, é a política econômica do governo Lula. É óbvio que, nesse tempo todo, se pegarmos a primeira entrevista que ele deu na televisão, aqui na TV Cultura, e a mais recente, claro que mudou um monte de coisas na cabeça dele, na vida dele, porque ele conheceu não só o Brasil de ponta a ponta nas caravanas e ao longo de todas as campanhas e da formação do PT e da CUT, mas conheceu uma boa parte do mundo. Então, esse negócio de dizer, ‘quantos livros leu, quantas faculdades fez?’, nós tivemos exemplos no Brasil de gente que leu muitos livros, fez muitas faculdades, tem muitos títulos, e o Brasil não melhorou. O objetivo desse governo – e eu espero isso, confio, tenho fé nisso – é que em 2006, ao fim de quatro anos de governo, o país, nossa vida esteja melhor do que estava quando o governo começou.

Bernardo Lage (telespectador de São Carlos) – Segundo Janio de Freitas, o poder não corrompe, o poder revela. O que o poder, até agora, tem revelado do PT e do governo Lula?

R. K. – Eu falei antes uma coisa parecida, o poder exacerba coisas para o bem e para o mal. Você conhece melhor todo mundo, pelo Palácio do Planalto nesses dois anos eu vi passar uma boa parte da sociedade brasileira, grandes empresários, sindicalistas, religiosos, esportistas, índios, o Brasil, a sociedade brasileira representada lá, e cada um com seus anseios. O que eu sinto é que as demandas são tão grandes, são tantos anos de expectativas criadas que é difícil atender a tudo e a todos de uma forma completa. Eu senti muitas vezes, na minha atividade e nas reuniões de governo, que a conta não fecha, entre aquilo que a sociedade brasileira precisa, reivindica, e aquilo que o Estado brasileiro é capaz de fazer.

Aprende-se quando se está no governo que não é a mesma coisa que quando se está na oposição ou na imprensa. Eu sempre achei, por exemplo, que as pessoas não aumentavam o salário mínimo porque não queriam. Como é que não aumenta, um país tão rico como o nosso e o salário mínimo tão baixo? Lá as pessoas têm que decidir, eu acompanhei o drama do ano passado, a discussão do salário mínimo, como é difícil. Você mexe numa coisa, tem repercussão na outra e nós vemos hoje o resultado disso. Claro que a situação do país não é a ideal, falta muito para isso ainda, mas todos os indicadores econômicos, e hoje o IBGE apresentou novos números, mostram um crescimento como o país não tinha desde o início do Plano Real, a geração de empregos a mesma coisa. Então, as coisas estão acontecendo, estão mudando, e a gente vai vendo que leva tempo e é possível mudar o Brasil.

A. D. – Beraba, você queria fazer uma réplica a uma afirmação do Kotscho no primeiro bloco. Tenha a palavra.

M. B. – Não é bem uma réplica, é um comentário, uma observação. Kotscho, essa relação de coletivas que o presidente deu, você me enviou também, eu tive a oportunidade de dar uma observada e, embora você tenha razão quanto ao total, que parece alto, o problema não é o número de coletivas – é que elas ou eram limitadas a algum assunto ou se deram no exterior ou eram alguns jornalistas selecionados. O que se cobra é uma comunicação mais direta, ou seja, o momento em que o presidente possa dar uma coletiva com os jornalistas de Brasília, de todos os órgãos ali representados e que possa falar francamente, fazer uma espécie de balanço, uma prestação de contas. Há uma ênfase muito grande de prestação de contas em forma institucional, através da propaganda, da publicidade, de gastos oficiais. Quando jornais e jornalistas cobram entrevistas coletivas, o que eu entendo é essa conversa mais franca, aberta, sem determinar quais os jornalistas que vão participar, quais são as perguntas e se possa ter com o presidente uma coisa mais direta.

R. K. – Beraba, me desculpe, você tem razão em alguma coisa, mas em outras não. Nunca ninguém determinou quais as perguntas que deveriam ser feitas, inclusive porque jornalistas muito respeitados da Folha de S. Paulo, onde você trabalha, participaram de várias entrevistas. Entrevistas coletivas se tem em vários formatos. Num ponto você tem razão e essa é uma frustração minha: eu não consegui fazer uma entrevista formal, no Salão Leste do Palácio do Planalto. Tentei fazer antes de sair, até pedi ao presidente, e ele vai acabar fazendo agora só para me sacanear.

Foi feita uma pesquisa agora sobre as diferentes áreas do governo: das áreas que a população aprova mais, em primeiro lugar ficou a educação e em segundo a comunicação com a sociedade. Isso não é mérito de nenhum dos profissionais da área, muito menos meu, eu acho que é mérito do próprio presidente da República e ainda ontem o ex-presidente Fernando Henrique disse que boa parte do sucesso, da força desse governo, se deve à capacidade de comunicação do presidente. O presidente se comunica de várias formas, ele fala bastante, ele faz muitos discursos, muitos encontros com setores da sociedade, mas também pela imprensa.

Uma coisa que nunca foi feita antes, e que é uma inovação desse governo, foram as duas entrevistas coletivas às rádios de todo o país. Foram convidadas as principais emissoras, que indicaram seus principais comunicadores, e cada um perguntou o que quis. Isso é uma forma também de trazer assuntos que têm interesse direto para a população, e não só aqueles interesses sobre os quais a gente conversa muito em Brasília, que é aquele mundinho entre jornalistas que cobrem o Congresso, cobrem o Palácio do Planalto. Há mil outros assuntos de interesse da sociedade, e muitas vezes os repórteres de rádio, nas entrevistas regionais, têm a capacidade de levar ao presidente preocupações da sociedade que às vezes não chegam aos gabinetes de Brasília.

A. D. – Tereza Cruvinel.

T. C. – Em primeiro lugar eu dou meu testemunho aqui sobre como o Kotscho tentou melhorar a nossa vida. O Palácio é um lugar difícil. É um lugar onde há o setorista e há aqueles que vão em alguma hora, como eu. Kotscho se esforçou muito, não só para dar a notícia, mas como interlocutor, com quem se pode tentar tirar dúvidas ou confirmar uma notícia. A relação dele sempre foi muito honesta conosco, eu acho que ele tornou as coisas menos difíceis.

Agora, esse assunto que o Beraba levantou de coletiva, parece uma coisa meio engasgada. Em primeiro lugar, é claro, eu já participei de entrevistas coletivas de diversos presidentes, desde a redemocratização. Nas primeiras que nós fizemos nesse estilo que o Beraba cita, as do doutor Tancredo, havia sempre algum critério de restrição. Você não pode chamar todos os jornais do Brasil, todas as rádios do Brasil. Sempre houve algum critério de restrição, de representatividade etc.

Mas, eu queria perguntar o seguinte: essa entrevista coletiva, nesse formato tão abrangente, tão amplo dentro do possível, desde que caiba no Salão Leste – é uma resistência do presidente, pessoal, uma certa fobia de coletiva nesse tal formato. Ele se comunica tanto, como você disse, foi elogiado até pelo crítico mais feroz nesse momento, que é o ex-presidente Fernando Henrique, pela sua comunicação direta, quando ele se comunica com o povo ou no palanque. Por que essa resistência tão grande? Eu sei, todos nós sabemos que você tentou fazer a coletiva nos moldes clássicos. O que há nessa resistência do presidente, a seu ver, você que o conhece tão bem?

R. K. – Eu pensei no formato, é simples, pegar os jornais de circulação nacional, alguns jornais regionais, rádios e televisões. Cabem numa entrevista coletiva, eu acho, umas 15 perguntas, porque mais do que isso é difícil. Eu não sei responder a sua pergunta. Eu também não entendi, tantas vezes conversei com o presidente… ele me disse que vai fazer em janeiro. Infelizmente em janeiro eu já não estarei lá. Eu gostaria de ter participado dessa entrevista coletiva. Ficou faltando isso no trabalho, reconheço. Não é tão difícil de organizar e eu não sei responder por que ele não quer, ele sempre foi muito bem nas entrevistas, quer dizer, nessas quase 70 entrevistas que ele deu ao longo desses dois anos, acho que ele se saiu bem sempre. Não houve nenhum problema. Eu não consigo entender essa resistência. Ele me disse da última vez que ele quer reunir mais dados, ter mais o que dizer, para então marcar a data.

A. D. – Kotscho, eu tenho uma pergunta com relação a sua entrevista ao Globo, publicada também no domingo [ver remissão abaixo]. Você faz uma acusação gravíssima, que eu acho que valia a pena explorarmos. Diz você: ‘Há muitos políticos que usam jornais e rádios como instrumento’. Eu achava que você precisava explicar, de repente você não vai dar nomes, mas como é que funciona essa pressão de políticos através de jornais e rádios?

R. K. – Eu acho que não falei nenhuma novidade. Levei um susto, o que eu falei de tão grave assim? Isso é desde que existe a imprensa, desde que existe política. Eu acho que é um jogo permanente, em que o jornalista precisa de fontes, precisa arrancar informações do político, do ministro e ao mesmo tempo os políticos, de qualquer governo, de qualquer partido, também se valem dos jornalistas para vender seu peixe. Há maneiras e maneiras de fazer isso. Há políticos e profissionais mais ou menos éticos, mas é um jogo permanente entre a fonte e o jornalista. Não tem aí nada de novidade. Inclusive os meios de comunicação, já foram feitos vários estudos, em grande parte estão sob controle direto de políticos ou seus familiares em quase todo o Brasil. Independentemente disso, que é um problema crônico nosso, se não é assim em outros lugares, eu acho que a imprensa tem avançado muito nos últimos anos. Se eu pegar o ano em que eu comecei, que foi 1964, para cá, nunca se teve tanta liberdade, acho até que se poderia usar mais essa liberdade, a gente tentava quando havia censura. Não sou um pessimista não, nem em relação à imprensa nem ao futuro do país.

Eu só queria voltar a um assunto que o Mauro levantou antes, que eu não respondi, que é o livro que eu pretendo fazer, que é minha obsessão agora, eu não consigo pensar em outra coisa. Não é um livro sobre o governo nem sobre política, mas sobre jornalismo, sobre uma vida de 40 anos dedicada a essa profissão que o Gabriel García Márquez, num fantástico artigo, definiu como a melhor profissão do mundo. Eu continuo achando isso, depois de passar pelo governo, e não vejo a hora de começar a escrever, contar como a notícia chega às pessoas em casa ou no jornal.

M. C. – Exatamente pegando esse gancho, o seu livro, que eu acho uma coisa importante para você e importante para a gente também: na sua carreira de 25 anos que foram dedicados a uma pessoa…

R. K. – Não o tempo todo, eu ia para as campanhas e voltava para o jornal.

M. C. – É muito importante, baseado sempre em que o jornalista não perde o discernimento crítico, um livro seu não pode ser um livro laudatório, com certeza não será. Você vai fazer um julgamento também crítico do governo, do Lula etc. Aquela primeira pergunta era o seguinte: o que você acha que poderia ser mudado, ou que falhas ocorreram ou como o Lula deixou de uma forma ou de outra de se preparar, o que ele poderia ter melhorado para tomar decisões? Porque a história das caravanas da cidadania é muito interessante até certo ponto, isso não significa nível de conhecimento, senão os motoristas da Itapemirim conheceriam o país mais do que qualquer outra pessoa que estudasse. Acho que estudo é importante, livro é importante. Até que ponto não houve um certo descuido nessa preparação?

Em segundo lugar, até que ponto você, que teve condições e tem condições de influenciar o Lula, pode pedir para aperfeiçoar a sua capacidade decisória, que é fundamental? Você tem entre duas linhas econômicas, digamos, entre dois ministros, você tem que ter discernimento, o conhecimento mais aprofundado da matéria para decidir. Isso vale numa empresa, isso vale em qualquer setor da administração. Então, até que ponto seria possível você influenciá-lo? Quando eu falei dos livros, é importante ler, sim. Eu acho que isso tem importância. O discurso de posse do Lula foi quase uma ode contra o conhecimento. Eu acho que não pegou bem. Eu acho que o presidente, para valorizar a educação, tem que dar importância a isso, que é o esforço pessoal do aprendizado. Então, a minha pergunta era nessa linha, se você, no seu livro, também vai observar certas coisas que a sociedade observa. Se você vai mostrar isso também. Você não vai fazer um livro laudatório, tenho certeza que não.

R. K. – Com absoluta certeza, Mauro. Nunca fiz isso na vida e não vou fazer agora depois de velho. Eu preciso começar a escrever logo o livro, porque eu já tenho uma certa idade. Pensei num título, ‘Antes que eu me esqueça’. É livro de repórter, das coisas que eu já acompanhei de perto. Não é para julgar ninguém. Claro, eu não vou deixar de contar nada das coisas que eu vi, mas não é um livro sobre o governo, não é um livro sobre o Lula, que já tem muitos livros publicados. Tem uma frase que o Lula usou, inclusive está nesse filme do João Moreira Salles que está nos cinemas agora, que eu recomendo, que eu acho que é uma bela obra de documentário. Você fala tanto em livros, Mauro… o Lula tem uma frase que diz o seguinte: a história dele, essa sim, não está em livro nenhum. Ele não é um político tradicional, o que ele tem é o poder da liderança. Quando você falou das caravanas de cidadania, não é ele ir lá ver as coisas, que ele já conhecia do tempo da formação do PT, das centenas de viagens que ele já fez pelo Brasil. É que nesses lugares todos, durante quase dois anos, ele reunia os maiores especialistas para levantar a real situação do Brasil.

É ir lá, é conhecer o país. E, na volta, no Instituto da Cidadania, foram preparados na campanha de 94, projetos, estudos para todas as áreas do governo. E muitos desses projetos então foram desenvolvidos ao longo dos anos e estão sendo implementados, com dificuldades, há problemas, mas você chega ao fim da primeira metade do governo atendendo à primeira das questões que o presidente discutiu muito durante as campanhas, que é a de acabar com a fome, combater a fome das 11 milhões de famílias que, segundo as estatísticas, e há muitas divergências, passam fome no Brasil. Até o fim deste ano 6 milhões devem ser beneficiadas pelo programa Bolsa-Família e, a continuar nesse ritmo, até o fim do mandato ele terá cumprido esse compromisso. Isso não é uma coisa do presidente, da política, de marketing, de propaganda nem nada, isso é uma história de vida, a própria vida dele e da identificação que ele tem com grande parte da população brasileira.

A. D. – O Mauro Chaves tem insistido na questão do preparo dos políticos, dos políticos que estão no governo, inclusive menciona o presidente da República. A minha preocupação é outra: o preparo dos jornalistas. Como é que você vê essa questão, o jornalista está preparado pra cobrir a presidência da República, o governo, os ministérios, as políticas públicas? Essa é uma questão-chave para mim.

R. K. – Não quero fugir da pergunta não, eu até acho a pergunta muito importante, mas a gente não pode generalizar. Muitas vezes me perguntam: o que você acha da imprensa brasileira, dos jornalistas brasileiros? Existem pessoas muito preparadas, muito éticas, muito comprometidas com seu trabalho. Em Brasília, todo mundo trabalha muito, o governo e a imprensa, não é fácil. Agora você tem o outro lado também, de gente despreparada, que vai ouvir um ministro, um especialista numa área e não sabe nem o que perguntar. Eu acho que assim como os políticos têm que conhecer bem o Brasil e dominar os assuntos, os jornalistas também. E isso não é uma questão de idade não, há gente mais velha e experiente que não se preparou para isso, para cobrir uma determinada área. Vê-se isso nas coletivas, saem perguntas totalmente sem propósito. O jornalista tem que estar se preparando sempre, tem que estar lendo sempre, estudando, viajando. É uma profissão em que nunca se está formado. Dines tem mais tempo de profissão que eu e deve também se sentir assim, a cada dia uma nova descoberta. Um coisa boa do jornalista é ser inseguro, e ter medo. A cada vez que se vai fazer um trabalho se preparar para aquilo, como se fosse a matéria mais importante da vida. E muitas vezes não sinto isso, mas não é uma coisa só de Brasília não, é de uma forma geral.

Eu sei, aí é uma outra discussão, que isso tem a ver com as escolas de Jornalismo ou com as redações hoje, que perderam muitos profissionais que ajudavam na formação dos jornalistas, e hoje estão em outras áreas. Acho que esse é um ponto para um próximo programa, para ser discutido também. A formação dos jornalistas não só nas escolas, mas nas redações também que, para mim foram as grandes escolas que eu tive na vida.

T. C. – Kotscho, nessa entrevista do Globo você disse a frase que o Dines já mostrou (‘Não acho que a imprensa deva hostilizar o governo, mas infelizmente também há no governo gente que acha que deve hostilizar a imprensa’). Também, sem citar nomes, o PT, eu não estou falando do presidente da República, o PT tem uma clara compreensão do papel dos meios de comunicação na mediação entre Estado e sociedade, quer dizer, o papel da comunicação na prestação de contas do governo à sociedade? O PT tem isso claro?

R. K. – Há muita gente no PT que tem isso muito claro, sabe a importância da comunicação, não para atender à imprensa, atender ao jornalista, é uma satisfação que se presta à sociedade. E você, que já uma repórter experiente, também conhece tudo em Brasília, sabe onde as coisas funcionam e onde não funcionam, onde tem gente que acha que em tudo o que imprensa faz tem uma conspiração. E há uma coisa curiosa aí, as pessoas às vezes fazem uma análise de uma reportagem na televisão, uma matéria no jornal ou na revista, e acham que há ali uma conspiração contra o governo.

Da mesma forma aconteceram episódios isolados, de jornalistas que se juntaram e chegaram à conclusão de que havia uma conspiração do governo contra a liberdade de imprensa. Falaram de censura… um absurdo, pois não houve nenhum fato concreto, nada que justificasse isso. Então, eu acho que é um jogo dos dois lados, tem gente que ainda não compreendeu isso dentro do PT. A importância da mídia para a comunicação com a sociedade, para a prestação de contas – é obrigação de todos que estão no Estado, que estão no governo. E de outro lado, também há gente na imprensa que por qualquer coisa acha que há uma conspiração contra a liberdade de imprensa.

M. B. –Você tem enfatizado que o livro que pretende escrever é um pouco essa trajetória, 40 anos de jornalismo. O que eu tenho sentido nesses últimos anos é uma pressão cada vez mais forte da sociedade em relação aos meios de comunicação, em relação ao trabalho dos jornalistas. Pressão por qualidade de informação, por equilíbrio, pluralidade e tudo mais. Você começou num período difícil do jornalismo, logo em seguida [ao início] da ditadura militar. De que maneira você vê essa evolução da relação da sociedade com os meios de comunicação? O que é ser jornalista num mundo como esse?

R. K. – Foi uma transformação violenta. Tanto para a imprensa, com a cobrança que a sociedade faz, e tem que fazer, como a cobrança que fazem os políticos. É evidente que num ambiente de censura, que havia quando comecei a carreira, Dines se lembra muito bem desse tempo, nem a sociedade podia cobrar nem a imprensa podia contar o que estava acontecendo. Hoje não, a sociedade é organizada.

A sociedade civil organizada tem todas as condições de pressionar os jornalistas, e é isso que faz a competição entre os veículos. Acho que está faltando uma diferenciação entre eles, acho que estão todos muito parecidos. Isso para atender a uma demanda crescente por informações. Hoje, ao contrário de 40 anos atrás, há uma oferta muito maior de informação do que naquela época. Tudo dependia praticamente dos jornais, a própria televisão brasileira, nessa época, fazia a pauta em cima dos jornais. E hoje isso mudou, a cobertura nacional hoje é feita pela televisão, muito mais do que os jornais.

Mudou tudo e eu acho que é uma mudança brutal, e esse é o tema central do que eu quero mostrar, quais foram os dias que mudaram o resto dos dias na vida brasileira. Aí entram, o governo, a minha relação com o presidente Lula, desde a fundação do PT. É um pedaço dessa história que é muito maior, que vai desde o golpe até o governo Lula. Acho que foi uma transformação violenta que o país sofreu, e ao meu ver para melhor.

M. C. – Voltando o que disse a Tereza com relação à fobia de comunicação: o grande talento de comunicação do Lula pode ter levado a isso, ele tem essa facilidade realmente muito grande e se dá muito bem com isso. E talvez dispense as coletivas por isso. Agora, problemas na relação com a imprensa houve, porque há muito tempo não se falava em censura; depois vem um projeto como o do Conselho Federal de Jornalismo, como o da Ancinav, as críticas que o ministro José Dirceu faz ao Ministério Público. Então, há muito tempo que não se via este tipo de clima, eu acho que felizmente isso está passando, acho que até o governo entendeu isso e tem recuado, houve um certo recuo nesses projetos que não foram realmente aceitos pela sociedade. Mas não acho que houve um grande avanço até agora, esperemos que na segunda parte do mandato do presidente isso melhore bastante, mas o que percebemos é que houve problemas, sim, com os meios de comunicação.

R. K. – Eu tenho uma visão bem diferente da do Mauro, e acho que não houve nenhum fato concreto que justifique essa tese de censura, de autoritarismo. Mas é claro que eu respeito a opinião dos outros. Eu acho que, pelo contrário, o governo colocou em discussão, e a pedido das pessoas do setor, tanto da mídia como do audiovisual, coisas que o país tem de discutir. O que me assustou um pouco foi o massacre da mídia sobre a discussão em si, e não sobre os projetos. Não houve medida provisória, nenhum decreto nem nada. A Ancinav nem foi ainda para o Congresso, o Conselho de Jornalismo, a discussão está começando no Congresso, que eu acho é o palco correto para se debater tudo num país, a reforma do Judiciário, a tributária e também o papel dos meios de comunicação.

Sempre fui, ao longo da minha vida, desde a época da ditadura e vou continuar sendo, a favor do debate. É o mais importante da democracia, que cada um se manifeste. Podemos discutir tudo no país, menos o nosso próprio papel, o papel da imprensa. E não se trata de censura, intervenção do governo nem nada. Eu fiquei assustado várias vezes com os colegas e alguns veículos e vou continuar, enquanto eu puder, discutindo isso, discutindo a nossa profissão, o nosso papel de jornalista na sociedade brasileira.

Agradeço aos colegas que participaram e levantaram tantos assuntos. Acho que cada tema desses é pauta para outros programas e eu gostaria de ser convidado no futuro para voltar a discutir isso, a minha paixão, que o é jornalismo, que é a informação. Muito obrigado a todos.