Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Um desastre e várias visões

Quando da tragédia com o voo 447 da Air France, todos os jornais do mundo deram o devido destaque em suas primeiras páginas. 228 vidas perdidas. Umas horas terríveis de suspense e indagações em várias partes do mundo, principalmente, claro, no Brasil e na França.

Na falta de informações mais precisas, as mais diversas suposições foram levantadas: turbulência, tempestade, raio e até mesmo bomba. Não se sabe ainda o que aconteceu. Iremos saber.

Nesta época em que a imprensa escrita vem sofrendo algumas quedas em suas vendas e publicidade, perdendo sua – digamos assim – atualidade, para não falar em autoridade, para os novos meios de comunicação, ou seja, a mídia eletrônica, seria uma boa tese para um mestrado ou doutorado jornalístico examinar mais de perto a questão através de um evento marcante, feito essa catástrofe. E o que houve com o Airbus da Air France não pode ser mais catastrófico.

Numa época em que o grande comunicador virtual é o ubíquo Twitter, personagem de matéria de capa, inclusive, da mais recente edição da revista Time, seria interessante saber como o evento foi ‘twitterado’ (ou ‘gorjeado’, já que esta seria sua tradução literal) nos já famosos 140 caracteres em ‘tempo real’, uma vez que o ‘tempo tempo’ passou a constituir praticamente um ‘tempo irreal’.

Banho de sol

Isso me lembra um pouco quando o mundo se ‘CNNizou’, há coisa de uns 30 anos, quando nenhuma notícia transmitida podia ter mais que 3 minutos. Não devo ter sido o único a dar graças a Gutenberg pela lentidão e delongas dos jornais impressos.

Na questão do desastre aéreo, unanimidade de primeira página, para repetir, impressionei-me no que andei vendo: como cada veículo tratou a tragédia. Talvez o exemplo que mais me tenha marcado – assustado seria o verbo mais adequado – foi a matéria publicada na edição europeia do The Wall Street Journal de 2 de junho em sua página 6 do primeiro caderno. Lá estava, em reportagem assinada por John Lyons, ao que parece correspondente do jornal em São Paulo.

O título já entrava no espírito do veículo mencionando o fato de que, entre suas vítimas, estavam aqueles que afluíam para o Brasil a negócios. Também no título que a própria BBC Brasil noticiou a matéria estava encapsulado seu espírito: ‘Lista de passageiros mostra importância do Brasil no mundo dos negócios’. E no miolo, sempre transcrevendo o que foi publicado pelo WSJ, ‘as biografias dos passageiros… servem como um trágico testamento da crescente importância do Brasil no mundo global dos negócios’.

E mais adiante: ‘(a lista) deverá ser lida como uma relação de companhias de primeira-linha europeias e brasileiras, cujos executivos regularmente lotavam a primeira classe e a classe executiva do voo.’

Tinha mais informações o jornal favorito dos homens de negócios: ‘Não todos os passageiros estavam no avião para negócios’ (…) ‘O Rio de Janeiro é um grande destino turístico global, e muitos passageiros provavelmente passaram os dias anteriores tomando banho de sol em suas famosas praias. Os passageiros incluíam sete crianças e um bebê.’ (Reparem bem no ‘provavelmente’.)

Matéria de imprensa

Quer dizer, dava perfeitamente para pegar a matéria de capa de uma revista de turismo. Talvez até da Vida Doméstica, já que o jornalista mencionou a criançada e um bebê. A chiquíssima revista britânica Monarchy poderia dar destaque à presença, agora ausência, de um membro de uma família real entre os desaparecidos, já que no título original da reportagem o ilustre repórter mencionava ainda ‘um membro da realeza’ juntamente com os homens de negócios: o príncipe Pedro Luiz de Orléans e Bragança, de 25 anos.

Qualquer publicação sobre entretenimento daria destaque ao trágico desaparecimento de Juliana de Aquino, cantora de 29 anos, nascida em Brasília e que alcançou o sucesso na Alemanha, onde chegou a fazer parte da produção local de O Rei Leão.

No mundo esportivo… Bem, acho que já deu para dar uma ideia do que se passou e se passa em matéria de imprensa. Coisa para bem mais que 140 caracteres.

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Colunista da BBC Brasil