Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Um jornal que adora criar fantasias

Acabei de ler de cabo a rabo a ‘nova’ Folha de S.Paulo. Percebe-se a intenção do pretensioso jornal em se emaranhar ainda mais nas esferas do ‘Poder’ (nome do extinto caderno ‘Brasil’) e arrebanhar sabe-se lá que seguidores. Nomes fortes do mercado agora viraram colunistas. Até o torpedeado petista Antonio Palocci destilará seu verbo nas páginas da ‘arrojada’ Folha de S.Paulo. É a dinastia política do periódico, que nos brindou, até então, com um colunista do quilate de José Sarney. Marimbondos me piquem! Quanta inovação!

De agradável, mesmo, só as letras maiores. Os míopes soltaram rojões.

Acabaram com o ‘Mais!’ justificando que o caderno ‘Ilustríssima’ ‘trará o melhor em cultura, ensaios e reportagens’. É o que nos quer fazer engolir o novíssimo editor-executivo Sérgio Dávila, que adora o glamour de Hollywood. No caderno que substituiu o falecido ‘Mais!’ só se salva a reportagem sobre crack – mesmo assim, pela narrativa, já que o assunto é para lá de batido e nenhum dado substancialmente revelador foi apresentado. Pelo jeito, a Folha continuará tomando um banho do Estadão na área de cultura geral.

Mas, como diria o poeta, as folhas em branco precisam ser preenchidas. De preferência, com opiniões que agradem a anunciantes. Isso não é difícil de acontecer num simulacro de espaço opinativo.

Mais ágil, mas continua chato

Reforçar o escrete de analistas é, obviamente, um passo importante para se modernizar. O alardeado pluralismo da Folha, porém, demonstra ser apenas de fachada. O número de colunistas com visões de mundo que apontam para um mesmo caminho esmaga quem, supostamente, teria o papel de escrever de forma realmente inusitada. Até naquilo que considera uma marca registrada, a Folha escorrega. Possivelmente de propósito, já que a Folha de S.Paulo nunca se pareceu tanto com um circo.

Por essa razão, ‘pluralismo’ é apenas um termo usado exaustivamente para reforçar o marketing da Folha. Em suas páginas, não passa de um ectoplasma do vernáculo.

Veja a lista completa dos colunistas na Folha.com e constate: a maioria tende ao pensamento único. Curiosamente, a maior parte dela está no caderno que muda de ‘Dinheiro’ para ‘Mercado’. Navega solitariamente no ‘Poder’, talvez, um Claudio Weber Abramo. De resto, dão-se as mãos Fabio Barbosa (presidente da Febraban), Julio Vasconcelos (gerente do Facebook), Gustavo Cerbasi, Mario Mesquita, Nizan Guanaes e, claro, Antonio Palocci. Quanto pluralismo! Eu diria: quanto capitalismo!

O caderno de ‘Esportes’ ficou mais ágil, sim. Mas continua chato pra cacete. Perde feio até para o irmão Vencer, do jornal Agora. E toma goleada do Estadão. Quem quiser saber mais sobre esportes e ainda se divertir vai continuar comprando o Lance! e o Diário de S.Paulo.

Hipocrisia e indiferença

Até diversão fica esquisita na Folha. Vide o espaço absurdo que deram para o fim da série de televisão Lost na ‘Ilustrada’. Os caras piraram na batata! E essa Laura Mattos deve ser mesmo um fenômeno do jornalismo de entretenimento para ser incumbida de tão estapafúrdia missão. Uma repórter escrever tanto sobre uma série decadente que não teve graça nenhuma nas últimas temporadas deve ter uma visão superior. Laura Mattos deve ter enxergado coisas que nós, pobres mortais, não enxergamos.

Depois da overdose de Lost, mais sobre séries norte-americanas em outra página. E mais ainda com a nova colunista, Vanessa Barbara, que vê televisão 24h. Ou, como destacou sua coluna, o seriado 24h.

A ‘diversão’ nos afoga nas páginas da Folha de S.Paulo. Provavelmente, reflexo do concurso de desenhos promovido pelo jornal. Deve ser esta a causa do festival de charges neste domingo. Ou talvez seja uma estratégia para atrair as crianças. Ou os analfabetos.

Mais aburguesada do que nunca, a Folha de S.Paulo mostra que seu único compromisso – a despeito da frase orgulhosamente estampada depois das três estrelinhas, na primeira página – é com o público consumidor. Poderia ir além disso, mas prefere investir na hipocrisia e na indiferença. A Folha só vai fazer matéria com os pobres quando houver um fato sensacional, que dê furo ou uma manchete mirabolante. ‘Moradores do Capão Redondo comem carne de cachorro para sobreviver.’ Aí, os normalmente excluídos terão a honra que de figurar nas páginas da ‘novíssima’.

Um Dunga às avessas

Como disse certa vez o filósofo José Arthur Giannotti, a Folha é um jornal niilista. Na minha opinião, é metido a besta, mesmo. Por isso tem um público flutuante, que sonha com o Estadão enquanto lê os exageros da cobertura da área política.

A boa notícia é que prometeram acabar com o jornalismo declaratório. Agora, dizem que fatos terão prioridade. É difícil acreditar, já que a dois dias da ‘novíssima’ Folha, juntamente com uma manchete como ‘Com nova Telebrás, teles temem perder R$ 20 bi’, publicou-se um artigo do deputado Paulo Bornhausen desancando a Telebrás. Sutilmente, a Folha assumiu a defesa da telefonia mais cara do mundo. Sutilmente, a Folha colocou o Estado na berlinda. Pobre de quem acredita nesse negócio de ‘um jornal a serviço do Brasil’. O lema da Folha deveria ser ‘um jornal a serviço do dinheiro’. Ou do mercado, como se chama agora o caderninho de finanças que expurgou uma das mentes mais lúcidas na área de economia e cultura da imprensa – o intelectual Paulo Nogueira Batista Jr. Interessante que a Folha mascarou o que o próprio articulista chamou de ‘execução sumária’ publicando uma nota sobre a liberdade que Batista Jr. teria dali pra frente para escrever esporadicamente, após 15 anos de coluna. É a velha hipocrisia, fria e criadora da ‘ditabranda’.

Essas reforminhas deslumbram mais a categoria – jornalistas loucos para falar sobre os assuntos da moda – do que o leitor.

Se fosse futebol, a Folha seria um Dunga às avessas. Em vez de convocar Paulo Henrique Ganso, deixaria Kaká de fora e chamaria o curioso Hulk para o lugar de ambos. É disso que a Folha gosta: criar fantasias e chamá-las de incríveis.

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Repórter do Jornal de Limeira, SP