Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Uma equação da crise

As análises sobre a nova reforma do Estado de S.Paulo, a vigorar a partir do dia 22/4, cruzam-se com o anúncio de que o governo federal vai desonerar não apenas o setor de comunicação social, mas também o de telecomunicações e a área de tecnologia que produz aparelhos móveis de comunicação e seus aplicativos.

A intenção declarada ao incentivar a indústria dos eletrônicos de informática e comunicação móvel e as operadoras desses serviços é acelerar a migração em massa de brasileiros, dos telefones celulares comuns, para os chamados smartphones, capazes de acessar a internet. A porcentagem de aparelhos com essas habilitações em uso no Brasil era de 25% do total de telefones móveis, há menos de um ano, e já passa dos 40%, a se considerar levantamento recente da empresa de pesquisa Nielsen Internacional, comparado a indicadores de crescimento apontados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Segundo o site especializado Teleco.com.br, em fevereiro deste ano estavam em operação no Brasil 263 milhões de celulares, numa proporção de 1,33 para cada habitante. São, portanto, mais de 105 milhões de aparelhos preparados para acesso à internet e às redes sociais digitais.

O contexto dessas notícias, no campo da imprensa, é a dificuldade das empresas tradicionais de mídia de manter, nos negócios digitais, um padrão de lucro compatível com a expectativa dos acionistas no longo prazo. De importância complementar, mas não menos relevante, é o fato de que, para seguir cumprindo o papel que as tornou fundamentais nas democracias ocidentais, essas empresas precisam continuar ofertando produto jornalístico de qualidade, capaz de suscitar no público uma compreensão ampla da complexa vida contemporânea.

Para fazer bom jornalismo é preciso bons jornalistas que formem equipes heterogêneas com tempo e recursos adequados para sacar da realidade aquilo que é chamado de notícia. Para manter equipes com essas qualidades, é necessário um modelo de negócio que gere receita pelo menos equivalente ao da publicidade tradicional e da venda de jornais de papel.

Acontece que os anunciantes não enxergam nas pequenas telas dos smartphones e tablets o mesmo valor dado à comunicação massiva por meio de grandes tiragens de publicações ou grandes audiências de rádio e televisão.

A informação diluída

Essa é a equação básica por trás das mudanças no Estadão, e os elementos dessa equação configuram os padrões de uma transição (leia-se crise) que coloca em risco a imprensa como a conhecemos.  Existem muitos ângulos por onde observar essa transição. O ponto de partida pode ser, por exemplo, o tipo de estratégia definido pelas empresas tradicionais de comunicação para superar dificuldades da economia brasileira no fim dos anos 1980.

Num momento de mudanças tecnológicas importantes, a mídia fez pesados investimentos em equipamentos gráficos, acreditando que o futuro seria de grandes tiragens de jornais coloridos. Era o tempo em que a Folha de S. Paulo se vangloriava de distribuir mais de um milhão de exemplares diariamente.

O mundo das grandes tiragens de papel ficou para trás: hoje, uma venda real de 200 mil exemplares sustenta a ilusão de que jornais têm valor como mídia publicitária, e as agências de publicidade são cúmplices nessa farsa, porque o desmanche do modelo também torna sem sentido seu negócio tradicional.

A realidade é que o ambiente difuso das mídias digitais não contempla os mesmos valores estáticos, como a fidelidade dos assinantes, o número físico de páginas de papel, o tempo de exibição de um vídeo de propaganda ou mesmo o número de pessoas que supostamente está assistindo a um certo canal de televisão em determinada hora do dia.

A comunicação se tornou mais fluida em grande parte porque as tecnologias digitais eliminam a necessidade de um suporte fixo para a informação – e o que determina o valor da mídia é a atenção do público, o tempo e a frequência que as pessoas dedicam à mensagem.

A informação está diluída nesse contexto, e a ideia de agregação, típica da mídia tradicional, tem menos valor percebido, uma vez que se pode compor um relato satisfatório de qualquer acontecimento a partir de fragmentos que são juntados por meio dos robôs digitais.

Ao reduzir o conteúdo oferecido no papel, o Estadão apenas dá seguimento a uma estratégia que há muito vem promovendo a desvalorização do trabalho jornalístico, mas não há muitas alternativas nesta altura dos tempos.

Os velhos leitores tendem a morrer. Os novos leitores vão usar um aparelho móvel digital.