Aproximando-se mais um piquenique anual dos antiglobalizadores, desta vez com sabores amazônicos – em Belém do Pará, de 27 de janeiro a 1º de fevereiro de 2009 – e alguns toques indigenistas, pode-se perguntar se, adotando o slogan preferido desse heteróclito e surrealista movimento, não estaríamos também precisando de uma outra mídia, ou pelo menos de uma imprensa capaz de tratar da substância, não da superfície, desses animados encontros anuais.
Desde os anos 1990, quando começaram as ruidosas manifestações dos antiglobalizadores, a imprensa acompanha zelosamente esses caóticos encontros, como é obviamente seu dever. São, assim, reportados o número de participantes, as marchas que eles empreendem, a presença de algumas vedetes da antiglobalização internacional e, eventualmente, até um pouco do que se discutiu nesses encontros.
O que se registra menos, contudo, é o que esses alternativos da globalização têm a dizer de concreto sobre os problemas do mundo ao qual se referem. A impressão que se tem, da leitura dessas matérias, é a de que a imprensa não alimenta o mesmo cuidado que tem com o aspecto externo desses encontros quando se trata de comentar as propostas ou a plataforma de seus organizadores, indagando, por exemplo, se elas guardam alguma coerência com suas motivações.
Muita transpiração, pouca inspiração
De fato, existe até a preocupação da mídia em registrar o que dizem os antiglobalizadores, mas pouco em comentar se o que eles dizem guarda relação com a realidade do mundo concreto. De minha experiência com a cobertura atenta desses eventos, ao longo dos últimos dez anos, observei que o que os antiglobalizadores mais produzem, na verdade, é o próprio movimento, e não exatamente propostas concretas: eles certamente quebram muitas vitrines, queimam alguns carros, mas jamais conseguem dizer em que, exatamente, consistiria o ‘outro mundo possível’, sempre prometido, mas nunca explicitado. Será que a imprensa não tem a obrigação de cobrar-lhes essa falta de coerência?
A julgar pela intensa agitação e reduzida capacidade de proposta dos últimos dez anos, não se deveria esperar grandes novidades neste novo jamboree de Belém. De fato, o que eles mais produzem, efetivamente, é muita transpiração e pouca inspiração. Não cabe, talvez, sequer cobrar novas idéias, pois isto poderia deixá-los embaraçados.
Qual a viabilidade das utopias?
Mas, considerando-se que o papel dos grandes veículos de imprensa é o de não apenas reportar, mas também o de oferecer um ‘espaço de reflexão’ – como sugerem os próprios antiglobalizadores –, não seria de se esperar um pouco mais de profundidade no tratamento do conteúdo que está sendo supostamente discutido? Afinal de contas, a concentração da atenção da mídia na cobertura do evento em si, em lugar de sua substância, representa uma perda de oportunidade de falar de coisas mais interessantes do que simplesmente reportar slogans simplistas. De fato, a agitação de alguns milhares de jovens pode não ser mais excitante, no plano das idéias, do que um congresso de dentistas ou de corretores de imóveis.
A pergunta que se deve fazer seria esta: o que, de fato, os antiglobalizadores têm a dizer de inteligente sobre o mundo atual e seus problemas? Onde está e como seria construído esse ‘outro mundo possível’? De que seria feita sua arquitetura? Ela seria capaz de se sustentar, no plano das relações econômicas concretas? Qual a viabilidade, finalmente, de suas utopias? Com a palavra, a imprensa de reflexão…
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Sociólogo e diplomata, Brasília, DF