Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Uma distração e uma encrenca diplomática

Resultou de uma distração a história econômica mais divertida do mês de maio. Foi o vazamento da conversa entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e seu colega venezuelano, Hugo Chávez, em Salvador, no dia 26, uma terça-feira. Os jornais destacaram, na edição de quarta, os impasses em torno da construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, mas as conseqüências mais importantes envolveram os governos da Argentina e da Venezuela. Nessa edição, só o Valor chamou a atenção para a encrenca diplomática entre Buenos Aires e Caracas. Na quinta-feira (28), todos tiveram de tratar do assunto.

Enquanto esperavam a entrevista coletiva, repórteres puderam acompanhar a conversa dos presidentes, fechados noutra sala, pelo sistema de som destinado à tradução. Todos puderam registrar os desacordos entre a PDVSA e a Petrobras sobre os negócios ligados à refinaria. Mas nenhum dos jornais narrou todos os fatos interessantes.

Todos mencionaram o comentário de Chávez sobre as estatizações de empresas estrangeiras. Devem continuar, mas não atingirão companhias brasileiras. Só o Valor lembrou a desapropriação, na semana anterior, de três siderúrgicas do grupo argentino Techint. Como veriam os argentinos a discriminação entre as empresas ligadas a grupos de seu país e as de capital brasileiro?

Patrocínio e publicidade

O Valor foi atrás da história e deu o primeiro toque a respeito do assunto. Os líderes empresariais argentinos já haviam reagido furiosamente às estatizações da semana anterior e só poderiam receber com demonstrações de maior irritação os comentários de Chávez em Salvador.

Cuidar do assunto por esse lado não seria apenas valorizar a fofoca. Na Argentina, o ingresso da Venezuela no Mercosul já havia sido aprovado oficialmente. Depois das últimas privatizações, as principais entidades empresariais do país começaram a pressionar o governo para anular essa decisão. A questão é particularmente complicada para a presidente Cristina Kirchner, agora, poucas semanas antes das eleições para as casas legislativas. Ela telefonou a Chávez para pedir um esclarecimento e uma solução diplomática para o problema.

Na cobertura brasileira, levou vantagem quem se lembrou do caso das empresas do grupo Techint e da questão do ingresso da Venezuela no Mercosul. No Brasil, a proposta já foi aprovada na Câmara dos Deputados, mas não no Senado. Fala-se muito em contextualizar a notícia (expressão bonita, seu doutor), mas a lição é esquecida, com freqüência, no dia-a-dia da cobertura.

Poucos jornais destacaram, também, os comentários do presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, sobre como se aplicam as verbas de patrocínio. Quando lhe perguntaram sobre as acusações de favorecimento político, ele respondeu, segundo a Folha de S.Paulo: ‘Eu poderia também revelar aqui o que nós estamos gastando, por exemplo, em publicidade com jornais e com as televisões. Isso é muito mais do que repassamos às entidades’.

Um furo e um mistério

Dos grandes jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo, só a Folha e o Globo deram atenção a essas palavras. No entanto, foi uma declaração interessantíssima. Para Sérgio Gabrielli, publicidade em meios e comunicação é equiparável ao patrocínio de ONGs e de entidades culturais? Publicidade é ‘gasto social’ ou parte da atividade negocial de uma empresa? De toda forma, publicadas as palavras do presidente da Petrobras, teria valido a pena ir atrás da história e investigar os critérios da empresa para escolha dos veículos de publicidade.

Na última semana de maio houve pelo menos um furo importante na cobertura econômica dos maiores jornais. Foi a manchete do Estado de S.Paulo na quarta-feira (27): ‘Brasil terá banco para exportação’. Foi a matéria principal na capa do jornal e também no caderno de Economia. Os outros jornais entraram no assunto no dia seguinte e ajudaram a detalhar a matéria. O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi encarregado de estudar o assunto. A versão brasileira do Eximbank será provavelmente ligado ao BNDES.

A semana teve também uma história incompleta. O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, descartou uma intervenção direta da instituição para garantir um piso para o dólar. Se for o caso, acrescentou, será possível desestimular o ingresso da moeda americana por meio da elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Esse comentário foi apresentado, como diria o presidente Lula, en passant, e divulgado nos jornais de quinta-feira. Na sexta (29), o Estado de S.Paulo e o Valor (este, em manchete de capa) noticiaram estudos, no governo federal, para taxar com o IOF o investimento financeiro com capital de fora. Publicada a notícia, o governo desmentiu a história, embora a informação dos dois jornais tenha obviamente um bom fundamento. Nenhum deles inventou a notícia. Há, portanto, preocupação em Brasília com a entrada de dólares e com a valorização do real – um problema para quem tem de competir com produtores estrangeiros, tanto no mercado externo quanto no interno. Vale a pena continuar acompanhando o assunto e a movimentação na área econômica em torno da questão cambial.

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Jornalista