Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Veja

JORNALISMO & CULTURA
Diogo Mainardi

Na cova cultural

‘É aborrecido escrever todas as semanas sobre Lula. Mas escrever sobre cultura é ainda pior. Cultura é a minha área. Foi o que eu fiz até outro dia. É onde normalmente está minha coluna. Nas páginas de cultura. Ou, na hipótese mais benevolente, nas páginas de entretenimento. Escrever sobre entretenimento é ligeiramente menos indecoroso do que sobre cultura. Cultura é o tema mais rasteiro que há. Entretenimento vem em segundo lugar. Passei os últimos quatro anos simulando interesse pela bestialidade lulista, engolindo minha repulsa por ele. Foi só por isso: para me afastar temporariamente da cultura. Agora que Lula acabou, serei sepultado de novo na cova cultural.

Parei de ler os suplementos de cultura dos jornais cerca de dois anos atrás. Estou retornando aos poucos, com cautela. Os colunistas continuam os mesmos. Se algum deles morreu de lá para cá, lamento muito, nem percebi. Além de publicar artigos nos jornais, os colunistas passaram também a publicar em blogs. Quem se saiu melhor no novo meio foi Marcelo Coelho. Quando parei de ler seus artigos na Folha Ilustrada, ele dava conselhos de leitura. Atualmente, dá conselhos na internet sobre como educar os filhos. Tenho dois filhos malcriados, mais ou menos da mesma idade dos filhos dele. Posso garantir que Marcelo Coelho tem infinitamente mais a dizer sobre filhos malcriados do que sobre Stendhal. Com admirável habilidade, ele soube dar um novo rumo à sua carreira. Marcelo Coelho virou a Supernanny da imprensa.

O cineasta petista Jorge Furtado está rodando um filme. O Segundo Caderno de o Globo achou que isso merecia uma matéria de primeira página. A tese central do filme é que o investimento em cinema é tão necessário para o país quanto o investimento em esgoto. Para defender a tese, Furtado recebeu dinheiro do Ministério da Cultura, do BNDES, da Petrobras. De acordo com ele, trata-se de seu filme mais político. Não sei se ele incluiu na lista aquele curta-metragem encomendado pelo Banco do Brasil de Henrique Pizzolato, sacador do valerioduto. Na matéria do Globo, Furtado diz que fez cinco campanhas para o PT. Depois se desiludiu com a política. Apesar de desiludido com a política, ele promete votar outra vez em Lula. Mas acrescenta: sem ‘sair com minha bandeira’. O Globo é como eu. Fala sobre Lula só para tentar escapar das estreitezas da cultura. Se cultura é Furtado, melhor falar sobre Lula.

Outro velho conhecido dos meus tempos de cronista cultural é Caetano Veloso. Já fiz um monte de artigos sobre ele. Terei de voltar a fazer. No último número da revista Cult, ele reclama de minha atividade como resenhista literário e diz que me transformei ‘numa personagem’. Tenho medo de Caetano Veloso. Ele cisma comigo. Vai acabar me dedicando uma música. Quando isso acontecer, todo mundo vai me apontar na rua e dizer: ‘Olha lá o novo Menino do Rio, olha lá o novo Leãozinho, olha lá a nova Tigresa’. Não basta ter de comentar os romances de Chico Buarque. Não basta ter de ver as novelas de Luiz Fernando Carvalho. Não basta ter de folhear os ensaios de Moniz Bandeira. Quem mexe com cultura também corre o risco de ser humilhado publicamente.’



******************

Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo

Folha de S. Paulo

O Estado de S. Paulo

O Globo

O Globo

Veja

No Mínimo

Comunique-se

Carta Capital

Último Segundo