Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Veja

MAINARDI PROCESSADO
Diogo Mainardi

Agora me acusam de antinordestino

‘O Ministério Público Federal me acusa de preconceito contra os nordestinos. Quer tomar de mim 200.000 reais. E mais 200.000 reais de cada um dos meus empregadores. Meu crime foi ter escrito numa coluna de VEJA:

José Eduardo Dutra fez carreira como sindicalista da CUT e senador do PT pelo estado de Sergipe. Não sei o que é pior.

Isso foi em janeiro de 2005. Na época, José Eduardo Dutra era presidente da Petrobras. A mesma Petrobras que agora aparece no site do Ministério Público de Sergipe anunciando a inauguração de uma escola e de um reservatório de água.

De acordo com a denúncia do procurador da República, ‘a ambigüidade da última frase apenas demonstra a intenção de espezinhar os sergipanos, também nordestinos e objeto do preconceito do Sr. Mainardi’. O procurador da República pode me acusar do que ele quiser, menos de ser ambíguo. Há quatro anos espezinho a CUT e o PT. Repetidamente. Monotonamente. Eu lhe garanto que mencionei o pujante estado de Sergipe somente porque José Eduardo Dutra foi eleito pelo pujante estado de Sergipe.

Mas o Ministério Público Federal colheu mais provas contra mim. No Manhattan Connection de março de 2005, fiz o seguinte comentário:

Lula é um oportunista. Quer dizer, uma semana ele concede a exploração de madeira, na semana seguinte ele cria uma reserva florestal grande como Alagoas, Sergipe, sei lá eu… por essas bandas de onde eles vêm.

Eu admito o gaguejamento. Eu admito que chamei Lula de oportunista. Eu admito que, privadamente, costumo referir-me a ele com termos bastante mais impróprios. Eu admito até mesmo um imperdoável desconhecimento em matéria de geografia nordestina. O que nunca poderei admitir é preconceito.

O Ministério Público pediu um parecer sobre o assunto ao antropólogo Jorge Bruno Sales Souza. Ele sentenciou: ‘De uma rápida leitura do referido trecho do programa fica patente a intenção do jornalista de menosprezar as pessoas oriundas da região nordeste do país’. Uma rápida leitura? Qual a pressa?

Outro eminente pensador citado pelo Ministério Público foi Max Weber. Fica-se com a impressão de que ele é reconhecido como autor de estudos seminais sobre o preconceito contra os nordestinos, em particular contra os sergipanos, como no trecho: ‘As ciências sociais caracterizam-se por não produzir categorizações universais com status de verdade, antes produzem reflexão e compreensão (Verstehen)’.

Com ou sem Verstehen, o fato é que o procurador sentiu a necessidade de apimentar sua denúncia, talvez por considerar que minhas duas referências a Sergipe não eram suficientemente incriminatórias. Para me caracterizar como antinordestino e anti-sergipano, ele deu uma voltinha no Google e encontrou uma velha coluna minha sobre Cuiabá. Eu posso ser burro em matéria de geografia nordestina, mas até onde eu sei Cuiabá fica longe, muito longe de lá.

O procurador da República, na carta citatória, cita os versos de Patativa do Assaré: ‘Seu dotô me dê licença / Pra minha história eu contá’. Eu também acabo de contar a minha história. É a história de um país indo para o beleléu.’



MERCADO EDITORIAL
Sandra Brasil

Eu abaixo, você abaixa

‘Diversas guerras sacodem o Rio de Janeiro, cada uma mais trágica que a outra, mas de uma a população não reclama: a que fez cair significativamente o preço dos jornais populares. O primeiro corte foi de O Dia, anunciado com o previsível estardalhaço na primeira página na sexta-feira 2: o preço baixou de 1,50 para 1 real nos dias de semana, e de 2,70 para 2,30 reais nos domingos. Segundo Gigi Carvalho, a elegante diretora do grupo, a medida foi tomada para reverter nove meses de queda de vendas e foi acompanhada de muito planejamento. ‘Fizemos pesquisas e constatamos que 50 centavos pesam no bolso dos nossos leitores. Então, adiamos para 2008 os novos investimentos, reduzimos as verbas de marketing e cortamos o preço’, diz. A reação foi imediata e fulminante: no dia seguinte, o Extra, seu concorrente mais direto (que só é vendido no Rio, mas, com 265.000 exemplares, está entre as maiores circulações do país), baixou de preço, de 1,10 real para 90 centavos, 10 menos que o concorrente.

Populares e mais populares: o objetivo é atrair quem não lê jornal

Situada a 1 quilômetro de distância do Grupo O Dia, na mesma Rua do Riachuelo, no Centro do Rio, a direção da Infoglobo, empresa responsável pelos jornais O Globo, Extra, Expresso e Diário de S.Paulo, afirma, contra todas as evidências, que vigora a santa paz entre os jornais populares. ‘Não há nenhuma guerra de preços’, diz Agostinho Vieira, diretor da Infoglobo. ‘O preço mais baixo do Extra é uma promoção de aniversário que vai durar dois meses. Em maio, volta a ser 1,10 real. Temos um produto melhor e não precisamos baixar o preço porque O Dia baixou’, afirma. De sua trincheira cor-de-rosa, a cor que a acompanha por toda parte, Gigi (nem pensar em chamá-la pelo nome de batismo, Ligia), herdeira que nunca havia trabalhado, fazia duas horas diárias de ginástica e cuidava dos dois filhos (hoje três) antes de assumir o comando da empresa, há três anos, um depois da morte do pai, afia as lanças: ‘A gente nunca sabe o que esperar do lado de lá. Continuamos com a cara pintada, prontos para a guerra’. Numa coisa os dois grupos concordam: não têm a menor intenção de baixar o preço de seus tablóides ainda mais populares, voltados para os públicos C e D – o Meia Hora, do Grupo O Dia, e o Expresso, do Infoglobo, que custam 50 centavos. Lançado em 2005, o Meia Hora se transformou no principal sucesso de vendas do grupo. ‘É um jornal de leitura rápida. Conquistamos um público que não lia’, comemora Gigi, que nessa faixa desfruta situação inversa – seu tablóide vende quatro vezes mais que o concorrente.’



ANTIAMERICANISMO
Roberto Pompeu de Toledo

Uma paixão dos brasileiro’s

‘Na queda que temos pelo apóstrofo revelamos nossa rendição ao charme americano

Toda vez que se fala em antiamericanismo, no Brasil, dá vontade de contra-atacar com o apóstrofo. Muita gente não gostou da presença de George W. Bush no país, mas esse sentimento é largamente superado pelo amor que temos pelo apóstrofo. O apóstrofo em questão, para os leitores que ainda não se deram conta, é aquele sinalzinho (‘) que na língua inglesa se põe antes do ‘s’ (‘s). Quanto charme num pequenino sinal gráfico! Bush se sentiria vingado das manifestações de protesto se lhe fosse permitido caminhar por uma rua comercial brasileira e verificar quantos nomes de estabelecimentos são, em primeiro lugar, em língua inglesa e, em segundo, ostentam como rabicho o ‘s. Somos apaixonados pelo ‘s. O que é uma forma de expressar nosso amor e respeito pelos Estados Unidos.

Se o Brasil é antiamericano ou, ao contrário, americanófilo – e até o mais americanófilo dos países – é questão aberta. Da boca para fora, somos antiamericanos. As pesquisas de opinião vão revelar sempre uma maioria crítica aos EUA. Na era Bush, então, nem se fala. Lá no fundo, no entanto, é só contemplar um ‘s e um coração brasileiro baterá mais forte. Poucos países, fora os de língua inglesa, terão tantas lojas, produtos, serviços ou eventos batizados em inglês. Isso vale tanto para o mundo dos ricos – o do serviço bancário chamado prime e o do evento chamado Fashion Week – quanto para o dos pobres, que encontram a seu dispor a lanchonete X Point. Quando enfeitados pelo ‘s, os nomes adquirem superior requinte. Comprar na Bacco’s, em São Paulo, ou bebericar no Leo’s Pub, no Rio, não teria o mesmo efeito se o nome desses estabelecimentos não ostentasse aquele penduricalho, delicado como jóia, civilizado como o frio.

O professor Antonio Pedro Tota, que entende do assunto (é autor de O Imperialismo Sedutor: a Americanização do Brasil na Época da II Guerra), explica, em artigo numa recém-lançada publicação do Wilson Center dedicada às relações Brasil-EUA, que a definitiva prova de que os americanos tinham nos ganhado, naqueles anos de combate contra o nazifascismo e o Japão, foi a adoção, pelos brasileiros, do gesto do polegar para cima, o sinal do ‘positivo’. Tota recorre a Luís da Câmara Cascudo, estudioso dos gestos dos brasileiros, para explicar a origem do ‘polegar para cima’. Na base aérea que, por concessão do governo brasileiro, os americanos montaram no Rio Grande do Norte, para de lá atacar o norte da África, os pilotos e mecânicos, uns dentro e outros fora dos aviões, e ainda por cima ensurdecidos pelo ruído dos motores, comunicavam-se erguendo o polegar, thumbs up, para dizer uns aos outros quando tudo estava em ordem.

O gesto encantou os brasileiros que serviam de pessoal de apoio. Ainda mais que era muito útil para a comunicação com os estrangeiros. Isso de levantar ou abaixar o polegar tem origem remota e era usado em Roma para indicar se um gladiador devia ser poupado ou morto. Mas no Brasil, segundo Câmara Cascudo, chegou com os pilotos americanos, e da base aérea se espalhou pelo Nordeste e logo por todo o Brasil. Era tão moderno, tão viril, tão americano! O mesmo autor diz que o ‘polegar para cima’ causou a desgraça do ‘da pontinha da orelha’. Para indicar uma coisa boa, antes, os brasileiros seguravam a ponta da orelha, gesto aprendido dos portugueses. Perto do polegar para cima, soava tão antigo, tão da vovó, tão efeminado!

As pequenas coisas dizem muito mais do que os altissonantes falatórios. A vitória do gesto de ‘positivo’ sobre o da pontinha da orelha significou, naquele momento decisivo da II Guerra, o abandono do que restasse da herança lusitana, tão singela, tão curta de horizontes, tão caseira, em favor da perseguição do modelo americano, tão valente, tão desprendido, tão sintonizado no futuro. Da mesma forma, o apego a essa outra coisa miúda que é o apóstrofo representa nossa rendição aos poderes de sedução americanos. Bares modestos, Brasil afora, anunciam que servem ‘drink’s’. Não venha o leitor observar que está errado, que esse ‘s nada tem a ver com o caso possessivo da língua inglesa. O inglês de nossas ruas não é o de Shakespeare. É o inglês recriado no Brasil, como em ‘motoboy’. O ‘s de drink’s está lá talvez para indicar plural, mas com certeza para conferir beleza e vigor americanos ao ato, de outra forma banal, de avisar os clientes de que ali se servem bebidas.

O emprego do ‘s Brasil afora é muito peculiar, e quem sair à cata das várias formas em que é encontrado terminará com uma rica coleção. O colunista que vos fala tem especial queda por dois exemplares, entre os muitos com que, como todos nós, já deparou. Um é o nome, sem dúvida sugestivo – e, mais que sugestivo, inspirador – de um motel nos arredores de Florianópolis: ‘Erectu’s’. Outro é o de um salão de beleza de uma cidade vizinha a São Paulo: ‘Skova’s’. São nomes que, enquanto explodem de brasileira inventividade, prestam homenagem aos EUA.’



TELEVISÃO
Marcelo Marthe

Qual é a letra?

‘Em exibição no Caldeirão do Huck desde sábado passado, o quadro Soletrando transforma a língua portuguesa em matéria de entretenimento. Na gincana, 27 estudantes entre 12 e 15 anos, que representam cada estado brasileiro, têm o desafio de soletrar palavras corretamente. Se o participante tropeça nas letras, é dispensado com o toque de uma daquelas sinetas usadas nas salas de aula de antigamente. Se acerta, avança na disputa pelo prêmio de 100.000 reais para financiar sua educação. A idéia é importada dos Estados Unidos. Sua matriz, o concurso Spelling Bee (algo como ‘Abelha soletrante’), surgiu em 1925 e é uma instituição da cultura americana: suas seletivas regionais mobilizam 9 milhões de crianças e a final é transmitida no horário nobre. Quando o apresentador Luciano Huck cogitou pela primeira vez fazer um similar brasileiro, gente na própria Globo duvidou que isso teria apelo junto ao público. Os maus prognósticos não se confirmaram. Com formato de gincana de auditório – ao contrário do programa americano, que é uma interminável sabatina oral -, o Soletrando foi responsável pelo pico de audiência da edição passada do Caldeirão.

As seletivas do Soletrando envolveram uma escola em cada estado. São todas escolas da rede pública que contam com apoio do Instituto Ayrton Senna (um co-patrocinador do programa). Nas seletivas, nenhuma escola chegou à metade da lista de 500 vocábulos com grau de dificuldade crescente elaborada pelo professor Sérgio Nogueira – um dos jurados, ao lado do titã Tony Bellotto. Ou seja, não passaram dos desafios medianos. Mas isso não significa necessariamente mediocridade. ‘O nível dos participantes surpreendeu’, diz Nogueira. Entre eles, há exemplos de superação num ambiente educacional difícil. A acreana Rafaela Pinho, de 15 anos, nasceu num seringal e tem pais analfabetos. Precisou se mudar para uma cidade a seis horas de barco de onde vive para cursar a 5ª série.

Luciano Huck: na mira dos educadores xiitas

Com uma semana de exibição, o quadro despertou celeuma. A soletração já foi uma ferramenta de aprendizado tradicional, mas hoje é demonizada pelos adeptos do construtivismo, corrente dominante entre os educadores. Há quem ache o concurso um desserviço, por estimular a prática da ‘decoreba’. É uma crítica fora do lugar. O programa não pretende ser uma aula de português. ‘A intenção é oferecer uma brincadeira com algum conteúdo cultural’, diz Luciano Huck. Além disso, o simples fato de a TV aberta colocar o português em pauta já merece aplauso. O quadro fornece dicas gramaticais e informações sobre as palavras. E as seletivas motivaram estudantes a ler e pesquisar pelo país afora. Nos Estados Unidos, tais concursos são um canal de auto-afirmação para os filhos de imigrantes. O Soletrando – além de ter transformado diversos participantes em pequenas celebridades em seus estados – pode ter efeito semelhante. Dominar a língua em qualquer dos seus aspectos é, sim, motivo de orgulho – e também uma ferramenta para avançar na vida.’

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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