Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Veja


RECORD vs. GLOBO
Marcelo Marthe


No ar, mais um vice-campeão de audiência


‘Nos últimos doze anos, Edir Macedo manteve-se longe dos holofotes. Líder da Igreja Universal do Reino de Deus e dono da Rede Record, ele se devotou a suas atividades religiosas e empresariais da maneira mais discreta possível desde que foi atingido por dois escândalos, em 1995. Um deles foi o ‘chute na santa’, a série de pontapés desferida em uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, pelo bispo Sérgio von Helde, num programa de sua emissora. O outro, a divulgação de um vídeo em que ensinava aos bispos de sua igreja, com palavras chulas, como arrecadar dinheiro dos fiéis. Mas agora Edir Macedo está de volta à cena. E com barulho. No próximo dia 15, lança uma biografia em que dá sua versão sobre as polêmicas que cercam sua vida. Há dez dias, ressurgiu no horário nobre da televisão para lançar o Record News, o primeiro canal inteiramente noticioso da TV aberta brasileira. Diante do presidente Lula e de autoridades como o governador de São Paulo, José Serra, ele não se limitou a celebrar o novo empreendimento.


Fez um discurso agressivo, referindo-se à líder de audiência do país, a Rede Globo, sem citá-la nominalmente: ‘Fomos injustiçados por muitos anos por um grupo de comunicação que tinha e mantém o monopólio da notícia no Brasil. Daí nosso desejo de dar fim a esse monopólio’. Na semana passada, a Record voltou à carga – por meio de um editorial em seu principal noticiário, acusou a rival de ter feito gestões para impedir a inauguração da Record News. A saída do casulo e o ânimo de briga têm razão de ser. Além do novo canal de notícias, Macedo celebra feitos consideráveis da Rede Record, a jóia central de seu império de comunicações. Em agosto, a emissora tornou-se a segunda rede brasileira em ibope, superando o SBT em todas as faixas de horário. Além disso, de três anos para cá a Record dobrou seu faturamento publicitário – que já supera a marca de 1 bilhão de reais.


Quem olha os números de audiência nestas páginas constata que ainda existe uma enorme distância entre a Globo e suas competidoras. A Globo ostenta 21 pontos de ibope na média diária – o triplo da medição que a Record acaba de alcançar. Mas essa liderança mais do que confortável não evitou que a emissora carioca reagisse aos ataques de Macedo e da Record nos últimos dias. Ela respondeu no mesmo tom ao editorial do Jornal da Record, afirmando numa nota que agressões desse tipo eram de esperar vindas de ‘um grupo que lucra com a manipulação da fé religiosa’. Trata-se de uma resposta que aponta as circunstâncias nebulosas que alavancaram a Record, mas não há dúvida de que por trás dela existe outro fato: o desafio imposto pelo canal do bispo Macedo é o mais duro que a Globo já enfrentou. O SBT nunca representou o mesmo tipo de ameaça: 10 pontos de audiência média sempre foram suficientes para que Silvio Santos mantivesse uma estrutura empresarial que lhe convinha. Não é assim com Edir Macedo. Ele é um homem muito mais ambicioso do que o dono do Baú da Felicidade – e a Record tem um papel central na realização de suas ambições. Ao mesmo tempo, a Igreja Universal oferece à Record recursos para prosperar: 300 milhões de reais por ano, por meio da compra de horários na programação. Esse dinheiro, proveniente do dízimo pago espontaneamente pelos fiéis da igreja, equivale a um terço de tudo o que a emissora arrecada no mercado publicitário. Trata-se de uma vantagem competitiva que nenhuma outra emissora desfruta.


Dizer que a Record só avança por causa do dinheiro da Universal é enxergar apenas uma parte do fenômeno. Sua arrancada deveu-se a uma mudança de filosofia ocorrida em 2004. A emissora já passara por duas fases. Da compra por Edir Macedo, em 1989, até o triste episódio do ‘chute na santa’, o televangelismo dominou a programação. Na fase seguinte, a Record assumiu um perfil popularesco, em que o sensacionalismo do Cidade Alerta e do Programa do Ratinho era a grande atração. A guinada que agora começa a dar frutos foi desfechada há três anos. Por sugestão do então recém-contratado diretor comercial Walter Zagari, a rede optou por fazer uma operação muito comum nas televisões de todo o mundo. Decidiu-se ‘clonar’ a programação da Globo e ter o famoso ‘padrão de qualidade’ da emissora do Jardim Botânico como a meta a ser atingida.


A Record adotou um conceito de programação semelhante ao da concorrente. Investiu pesado na criação de um telejornal com o objetivo de emular o Jornal Nacional. A emissora do bispo despejou 300 milhões de reais na criação de uma indústria de novelas própria. Estava armado o bote. Antes que ele produzisse efeitos sensíveis no ibope, a Globo percebeu que havia uma ameaça nova no ar, algo que oferecia muito mais perigo do que o simpático mas pouco inventivo e acomodado SBT. Em três anos, a Record tirou sessenta jornalistas da Globo. Na área de teledramaturgia, a ousadia foi sinalizada pela compra dos antigos estúdios do humorista Renato Aragão, no Rio de Janeiro. A Record pagou 15 milhões de reais pelas instalações.


O RecNov, nome do complexo, simboliza essa fase exuberante da Record. Quando foi comprado, ele contava apenas com três galpões modestos. Hoje tem oito que, em tecnologia, pouco ficam a dever aos da Globo. O plano é dobrar esse número nos próximos anos. Os recursos técnicos de iluminação e de efeitos especiais de última geração logo começaram a aparecer na tela da Record. A atual novela das 10 da emissora, Caminhos do Coração, é onde isso aparece de forma mais clara. As cenas de ação e as crianças com superpoderes da trama são bastante convincentes. A Record inflacionou o mercado de técnicos e operadores de câmera. Muitos deles receberam ofertas salariais três vezes superiores ao que ganhavam na Globo. Atores, atrizes e diretores globais passaram a ser assediados com propostas financeiras tentadoras e a promessa de manutenção do padrão estético a que foram acostumados na emissora dos Marinho.


O acirramento da competição na televisão apenas raramente leva a melhorias na qualidade da programação. A atual investida da Record parece ser um desses raros casos. A emissora se propõe igualar e até superar, como dizem seus mais animados executivos, o padrão Globo de qualidade. Não só nas novelas. A mesma filosofia deve inspirar a área de variedades com aposta em programas populares, mas que não apelem para o grotesco. O objetivo é atrair um público qualificado, com poder de compra e que justifique cobrar caro pelos comerciais. O programa matinal Hoje em Dia mistura jornalismo e entretenimento e pode ser tomado como um exemplo dessa tentativa da Record. Decalcado de um formato da rede americana ABC, Good Morning America, o programa tem conseguido juntar diante da tela um porcentual de espectadores das classes A e B bastante expressivo para o horário. Nele se projetou a modelo Ana Hickmann, que tem batido em audiência os programas das loiras Ana Maria Braga e Xuxa – razão pela qual a Globo já estuda formas de revigorar o horário. Decidida a se profissionalizar, a Record não mexe uma palha atualmente sem fazer pesquisas de opinião. O Hoje em Dia foi feito sob medida para atender a um público adulto, em um horário em que Globo e SBT oferecem apenas opções para a criançada.


Faz parte do marketing da emissora emergente mostrar-se independente da Igreja Universal. O vínculo da Record com a Universal, no entanto, é indelével não apenas na origem e na coincidência de nomes com poder em ambas as instituições. Os cargos-chave são ocupados por bispos da Universal ou ‘obreiros’, como são chamados os funcionários menos graduados. Um bispo cuida da tecnologia e outro coordena as vendas internacionais de novelas. Ofertam-se bolsas de estudo a funcionários ligados à igreja, para que estudem administração ou jornalismo e assim se credenciem a postos atualmente ocupados por leigos. A maioria dos seguranças e faxineiros também é da Universal. No topo dessa estrutura está um homem de confiança de Edir Macedo: o bispo Honorilton Gonçalves (leia abaixo a entrevista com ele).


O lado menos visível da guerra entre Record e Globo aflorou há dez dias, com o fogo cruzado deflagrado durante o lançamento da Record News. Nos últimos seis meses, o presidente Lula foi informado pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, sobre o andamento das negociações para a instalação do canal. Costa ficou em meio a duas demandas. De um lado, a Globo o fazia saber que a abertura da emissora feriria certos aspectos da legislação, em especial a proibição de que um mesmo grupo tenha dois canais abertos na mesma cidade – no caso, São Paulo. De outro, políticos ligados à Universal, como o senador Marcelo Crivella e o vice-presidente José Alencar, assediavam Costa com a informação de que existe uma saída jurídica para o impasse. Ao final, Costa sugeriu à Record que mudasse a composição societária da Rede Mulher, emissora que deu lugar à Record News. Mudança feita, o canal foi autorizado a operar.


A guerra subterrânea entre a Record e a Globo tem a programação da Igreja Universal nas madrugadas como ponto nevrálgico. O fato de a Record receber a injeção de cerca de 300 milhões de reais anuais da Igreja Universal a título de venda desse espaço é visto pela concorrente como uma vantagem indevida. A Universal paga 140.000 reais por hora em uma faixa de horário em que a Globo não arrecada mais do que 40.000 reais, mesmo obtendo uma audiência quatro vezes maior do que a concorrente. A título de comparação, a igreja de Edir Macedo paga apenas 55.000 reais por hora para a RedeTV! na compra de horário no começo da tarde naquela emissora. Não mais do que 5% do faturamento das TVs abertas vem do espaço comercial vendido durante a programação da madrugada. Chama a atenção do mercado o fato de na Record, ao contrário do que ocorre nas demais emissoras, a madrugada produzir 30% do faturamento. Mas se existe alguma ilegalidade na transferência de renda da igreja para a emissora ela ainda não foi argüida nos tribunais. A Receita Federal investiga atualmente cinco igrejas evangélicas, entre elas a Universal, pelo uso de dinheiro originário da fé (livre de tributos) sendo investido por seus líderes em empreendimentos temporais (tributáveis). A Receita não sabe ainda se há prejuízo para o Fisco na transação e trata a operação como uma ‘nova modalidade financeira’ que deverá merecer, em breve, regras mais explícitas de funcionamento. Seja como for, uma concorrente turbinada por uma fonte generosa e garantida de recursos é uma novidade para a Globo. Os espectadores ficam na torcida para que da guerra resultem opções cada vez melhores no vídeo. A frase famosa de Newton Minow, presidente da NAB, a Associação Nacional de Emissoras dos Estados Unidos, dita em 1961, explica o porquê da torcida pela qualidade: ‘Quando a televisão é boa, nada é melhor do que ela. Quando ela é ruim, nada é pior’.’


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‘A GLOBO TEM MEDO’


‘Bispo licenciado da Igreja Universal, o carioca Honorilton Gonçalves, 47 anos, é vice-presidente da Record e responsável por sua parte artística. Mas o cargo não descreve com exatidão sua importância na emissora. Gonçalves é a voz de Edir Macedo na Record – aquele que implementa as idéias do bispo no campo da televisão. Temido pelos artistas, ele cultiva a fama de inacessível. Deu a seguinte entrevista a VEJA:


O SENHOR ACREDITA REALMENTE QUE UM DIA A RECORD PODE EMPARELHAR COM A GLOBO NO IBOPE?


Não vamos só emparelhar. Vamos passar a Globo. Esse dia não está longe. A Globo tem medo.


COMO O SENHOR AVALIA O MOMENTO ATUAL DO SBT?


Não estamos preocupados com o SBT. É um tema que a gente nem discute nas reuniões.


A RECORD PERTENCE AO LÍDER DA IGREJA UNIVERSAL, TEM BISPOS EM SEU COMANDO E BENEFICIA-SE DA LOCAÇÃO DE HORÁRIOS NA MADRUGADA PARA A IGREJA. MAS TEM SE ESFORÇADO PARA DESVINCULAR SUA IMAGEM DA IGREJA. POR QUÊ?


A Universal é um cliente como todos os demais. Nunca houve a identificação entre a igreja e a TV a que as pessoas se referem. Acredito que a sabedoria do senhor Edir Macedo em separar suas atividades de empresário das de líder religioso deixa muita gente irada, talvez até com certa frustração.


RECENTEMENTE, A RECORD ASSUMIU PUBLICAMENTE A POSIÇÃO PRÓ-ABORTO – QUE COINCIDE COM A VISÃO DA UNIVERSAL SOBRE O TEMA. POR QUE ADOTAR ESSA POSIÇÃO?


Foi uma orientação direta do senhor Edir Macedo, que nos pediu que conscientizássemos a sociedade da importância de a mulher poder decidir sobre o seu próprio destino.


O SENHOR CONFIRMA QUE A UNIVERSAL INJETA AO MENOS 300 MILHÕES DE REAIS POR ANO NA RECORD?


A Record não divulga o investimento dos seus clientes. Os valores da Universal são condizentes com as práticas de mercado. Por diversas vezes, a igreja procurou a Rede Globo e o SBT para colocar sua programação nas madrugadas dessas emissoras. Elas recusaram a proposta, dizendo que não faz parte de sua política de comercialização. Na Record não existe essa barreira.


AS NOVELAS SÃO, NO MOMENTO, AS MENINAS-DOS-OLHOS DA RECORD. VALE TANTO A PENA INVESTIR NELAS?


Por meio de pesquisas, descobrimos que não há nada como as novelas para atrair o público. E então decidimos fazer isso da melhor forma possível.


A RECORD ADOTOU A TÁTICA DE IMITAR O PADRÃO DE NOVELAS DA GLOBO. ATÉ QUE PONTO ELAS SÃO UMA REFERÊNCIA?


}Não são. Tentamos fazer novelas com a receita de que as pessoas gostam. Se a Globo também faz isso, talvez ela é que esteja imitando a gente.


ANTES DA RECORD, VÁRIAS EMISSORAS TENTARAM, EM VÃO, CRIAR INDÚSTRIAS PRÓPRIAS DE NOVELAS. POR QUE SE DEVE ACREDITAR QUE COM A RECORD SERÁ DIFERENTE?


Porque investimos em infra-estrutura. Nossa estratégia é de longo prazo. Estamos nos preparando com instalações, equipamentos e profissionais.


COMO O SENHOR AVALIA A PROGRAMAÇÃO EVANGÉLICA DAS MADRUGADAS DA RECORD?


Ela atende a seu propósito, que é mostrar que a Igreja Universal tem a mente aberta. Está preparada para discutir qualquer assunto: aborto, planejamento familiar, adoção de crianças por homossexuais.


EM QUE MEDIDA O BISPO EDIR MACEDO SE ENVOLVE NA ADMINISTRAÇÃO DA RECORD?


Todo dono espera resultado. É o que ele cobra.’


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A VERSÃO DO BISPO MACEDO


‘Com lançamento previsto para a segunda-feira 15, O Bispo – A História Revelada de Edir Macedo (Larousse; 275 páginas; 39,90 reais) ostenta a maior tiragem que já se viu no mercado editorial brasileiro. São 700.000 exemplares (metade dos quais, é verdade, será distribuída nos templos da Igreja Universal do Reino de Deus). A expectativa se justifica: a autobiografia marca o fim de um silêncio de doze anos. Traz a versão de Macedo para as polêmicas que cercam seu nome e a Universal, da política à guerra com a Globo. Escrita por dois funcionários de Edir Macedo – Douglas Tavolaro, diretor de jornalismo da Record, e a repórter Christina Lemos -, a obra oferece uma visão parcial dos fatos. O Edir Macedo que emerge das páginas é um homem obstinado e que se julga perseguido. A exceção é o episódio do ‘chute na santa’. Edir faz mea-culpa pelo erro de um de seus pastores. Sobre outros assuntos, silêncio. Ele não responde às dúvidas que pairam a respeito de sua igreja e de seus negócios. Mas por meio do livro é possível conhecer um pouco mais sobre sua visão de mundo, além de obter informações sobre o império que Macedo construiu. A obra faz um inventário da Igreja Universal no Brasil – são 4.748 templos e 9.660 pastores, além de um complexo econômico que inclui construtoras, seguradoras, uma empresa de táxi aéreo, agências de turismo e consultorias. Mostra também a força conquistada pela Universal no exterior. Hoje, a igreja opera em 172 países (o McDonald’s, a maior rede de fast-food do mundo, está em 118). Conforme se verá nestas páginas, O Bispo expõe a intimidade (e até a vida sexual) de Macedo – e também sua versão de episódios como a compra da Record.


SEXO E CASAMENTO


‘O bispo não brinca quando o assunto é casamento. A união no altar é rigorosamente levada a sério dentro de sua instituição religiosa. Pastores somente crescem na hierarquia do grupo quando são bem casados. (…) Entre solteiros também há normas. Noivas de pastores passam por uma espécie de estágio ao conviver até doze meses com casais mais religiosos, mais experientes. (…) Para o bispo, sexo é uma dádiva. E pilar do casamento.


– Sexo não foi criado pelo diabo, mas por Deus. É o momento de aliviar as tensões – opina ele, dizendo-se radicalmente contra o celibato. – Quando faço sexo, vou para o altar mais forte.’


ATROFIA NAS MÃOS


‘O quarto filho da família Macedo Bezerra nasceu com deficiência na mão esquerda. Didi, como Edir era chamado pelos irmãos, tem uma pequena atrofia nos dedos. Seus indicadores são finos. Os polegares, um pouco maiores. Todos se movem pouco. Apenas os outros três dedos têm movimentos normais. O problema é hereditário. Sua avó, mãe de Henrique, tinha menos dedos em cada mão. Na infância, o defeito gerou complexos de inferioridade no menino Didi.


– Eu era o patinho feio da família. Tinha a sensação de que tudo o que eu fazia dava errado: era a pipa cortada, eram os balões que pegavam fogo. Às vezes me sentia um estorvo – lembra Edir Macedo. ‘


SUBMISSÃO DA MULHER


‘Prevalece em nosso universo, sim. Mas não se trata de submissão imposta, é algo natural. O homem não é nada sem a mulher, e a mulher não é nada sem o homem. A mulher não deve se submeter à vontade do homem. O homem é que deve colocar-se como líder numa relação conjugal. Esse entendimento nasce à luz da Bíblia. O homem é a cabeça, e a mulher o corpo. Imagine um corpo sem cabeça ou vice-versa. Impossível existir relacionamento. Na direção da Igreja Universal, conhecemos exemplos desse tipo. Quando a mulher manda no marido, o pastor não cresce. Ela domina e não dá certo. No meu caso, quem manda dentro de casa é a Ester. Na igreja, sou eu. Um não pode ultrapassar o limite do outro. Em casa, eu só mando no meu escritório, e até lá ela mexe de vez em quando.’


A PRIMEIRA VEZ


‘Edir sempre foi muito namorador. A deficiência nas mãos nunca foi barreira para exercitar o papel de galanteador. Apesar da timidez, tinha conversa sedutora. Vaidoso com a aparência, dono de farta cabeleira, lisa e comprida, chegou à maioridade com muitas namoradas. Mas teve sua primeira relação sexual dois anos antes, aos 16, numa farra com colegas de escola no bairro do Catumbi.


– Foi antes do casamento, antes da minha conversão. Foi num bordel em frente ao colégio em que eu estudava à noite. ‘


CHUTE NA SANTA


‘- Na hora soube que foi um erro… Nosso maior erro. (…) O Sérgio criou um problema na igreja. Atrasou nosso trabalho em dez anos. Ficamos parados no tempo por causa daquele chute. Atrapalhou a igreja, atrapalhou todos os nossos projetos. Nós estaríamos lá na frente, poderíamos ter ajudado muito mais gente se não fosse aquele ato impensado.’


O DÍZIMO


‘O que justifica a cobrança do dízimo?


Veja o exemplo da terra arrendada a um trabalhador: depois de cultivada, 50% do que dela se retira é do dono da terra, a outra metade é do arrendatário. Na igreja, os primeiros 10% são colocados na obra de Deus. Ele é o dono da terra, de nossa vida. Esse gesto é um sinal de consideração, de respeito e de fé. Não é um ato abstrato, teórico. É um compromisso que revela a fé prática. A de que Deus fica obrigado a esse compromisso com a pessoa que deu o dízimo, fica obrigado a cumprir a promessa que está na Bíblia: ‘Trazei o dízimo e eu abrirei as janelas do céu.’ Além disso, não impomos nada. Não cobramos o dízimo de ninguém. Apenas conscientizamos as pessoas dessa prática. É questão de colocar Deus em primeiro lugar na vida. (…) ‘


A BANCADA EVANGÉLICA


‘A bancada evangélica hoje é respeitável, embora tenha diminuído nos últimos tempos. Tem representantes nas principais esferas do Poder Legislativo. São sete deputados federais, dezenove deputados estaduais, 91 vereadores e um senador da República integrantes da Universal. (…)


– Os políticos são para defender a causa do Evangelho. Para fazer frente a todos os movimentos de perseguição que enfrentamos. Edir Macedo assegura: apesar das especulações, nunca pensou em candidatar-se à Presidência da República.


– Mas, se eu fosse presidente, este país seria outro. Meu primeiro ato seria proibir o gasto de um centavo sem a minha autorização. Você iria ver este país mudar. Os corruptos iriam passar fome.’


O PAPA BENTO XVI


‘Exclusivamente um político. Mais nada. O que ele e o restante do clero fazem o tempo todo é apenas ditar regras, impor normas, em sua maioria contrárias à Bíblia. É só checar. São regras e mais regras, uma atrás da outra. Não pode fazer sexo, não pode usar camisinha, não pode planejar a família, a mulher não pode ter o direito de abortar, o segundo casamento é uma praga, sexo é somente para procriação, a Igreja Católica é a única verdadeira igreja de Cristo, os evangélicos são uma seita e por aí vai. Como ter uma opinião diferente?’


A COMPRA DA RECORD


‘A transação era ousada. Entrou para a história como o maior negócio no setor de comunicações do país até então. As cifras assustaram especialistas do mercado. Não era comum uma empresa de rádio e televisão ser vendida por aquele valor no Brasil. No total, Edir Macedo assumiu uma dívida de 45 milhões de dólares ao adquirir a Record. Da quantia acertada, 14 milhões deveriam ser depositados logo no início. O restante, 31 milhões, seria pago à família Machado de Carvalho e a Silvio Santos ao longo de dois anos.’


‘A expressão do bispo Macedo muda ao recordar de uma manhã em seu escritório na Rádio Copacabana, centro do Rio de Janeiro. Sobre sua mesa, após horas de reuniões, os números da dívida da Record. O bispo pediu licença, trancou-se sozinho no banheiro e rezou.


– Coloquei minha cara no chão e chorei, chorei. (…)


Mas o inacreditável aconteceu meses depois, pontualmente no dia 15 de março de 1990, com o lançamento do Plano Collor. (…) As prestações do bispo Macedo, baseadas na cotação da moeda estrangeira, despencaram. As dívidas da compra da Record, antes exorbitantes, acabaram pagas com facilidade. Edir passou a zerar duas, até três prestações em um único mês. Antes de 1992, o bispo Macedo já quitara integralmente a dívida.


– Fui salvo pelo gongo. O Plano Collor só ajudou a mim no Brasil inteiro, mais ninguém. Sorte? Coincidência? Cada um acredite no que quiser. Eu tenho certeza que foi Deus. ‘


‘Perguntamos se enfrentaria tudo novamente pela compra da Record.


– Não. Sinceramente, acho que não. Hoje eu não iria agüentar. Ninguém imagina o que passei, nem minha mulher sabe o que vivi.


Edir larga os talheres apoiados no prato, escorrega a mão direita pela cabeça e nos mira por cima dos óculos.


A resposta ganha tom de confissão:


– Quer saber a verdade? Se eu não cresse no meu Deus, teria dado um tiro na cabeça.’


Colaboraram Otávio Cabral e Victor De Martino’


MAINARDI vs. LULA
Diogo Mainardi


O que deu em mim?


‘Mônica Veloso está na capa da Playboy. No alto da página, à altura de seu gogó, a menos de 10 centímetros de sua célebre tatuagem de borboleta, destaca-se a seguinte frase dita por mim numa entrevista: ‘Políticos são todos meio vagabundos’.


Meio vagabundos? O que deu em mim? Estou perdendo o azedume? Estou perdendo o discernimento? Sempre ostentei a certeza inabalável de que todos os políticos eram inteiramente vagabundos, irrecuperavelmente vagabundos, insofismavelmente vagabundos. A idéia de que eles possam ser apenas meio vagabundos contraria todo o meu sistema de valores. Quem é meio vagabundo possui outra metade que, em tese, pode ser um tantinho menos vagabunda. Isso atenta contra todas as minhas crenças. Em teoria política, sou menos Tocqueville e mais W.C. Fields, o maior de todos os pensadores da matéria.


A frase sobre a vagabundice dos políticos reproduzida pela Playboy se referia a Lula. A quem mais poderia referir-se, tendo sido pronunciada por mim, o mais conhecido lulófobo do planeta? Se eu considerasse os políticos apenas meio vagabundos, conforme declarei à revista, teria caído na mesma cilada de outros jornalistas e parajornalistas, que passaram os últimos trinta anos alimentando o engodo de que Lula era diferente dos demais políticos. Eu fiz o contrário: repeti o tempo todo que ele era igual a José Sarney, a Fernando Collor, a Jader Barbalho, a Paulo Maluf, a Renan Calheiros. O mesmo Renan Calheiros que, nas páginas da Playboy, aparece promiscuamente ensanduichado entre mim, o lobista da Mendes Júnior e Mônica Veloso.


Sempre me arrependo de dar entrevistas. Em primeiro lugar, porque tenho pouco a dizer. Em segundo lugar, porque acabo piorando esse pouco, como no caso da frase sobre os políticos meio vagabundos. Só dei a entrevista à Playboy para tentar vender meia dúzia de cópias a mais de meu livro de crônicas sobre as estripulias do lulismo. No livro, eu – o cronista em primeira pessoa – represento o heróico papel de caçador. Lula é a caça. Como caçador, meu desempenho é semelhante ao do vice-presidente americano Dick Cheney, que, embriagado, acertou um tiro no rosto de um de seus melhores amigos. Suponho que Dick Cheney recorde o episódio com carinho, assim como eu recordo com carinho as estripulias lulistas.


Ainda há quem esteja disposto a se perverter em favor de Lula, como os 34 fascistóides que, na última quinta-feira, incendiaram cópias de VEJA na frente da sede da Editora Abril, no Rio de Janeiro. Mas o que pode acabar prevalecendo no Brasil, com um mínimo de sorte, é o conceito radicalmente democrático de que precisamos incrementar os mecanismos de alerta contra os políticos. Porque todos eles – é um fato – são vagabundos.’


TELEVISÃO
Sérgio Martins


Zac Efron, liberado para maiores


‘Em sua estréia nos Estados Unidos, High School Musical 2 foi visto por 17,2 milhões de pessoas. Trata-se da maior audiência da história da TV a cabo nos Estados Unidos. O público do telefilme, que terá exibição no Disney Channel brasileiro nos dias 7, 12 e 20 de outubro, sempre às 20 horas, concentra-se na faixa de 9 a 12 anos – os chamados ‘tweens’, que no ano passado já haviam transformado o primeiro High School Musical em um fenômeno pop: sua trilha sonora foi o disco mais vendido dos Estados Unidos em 2006. Produto cuidadosamente embalado pela Disney, o musical escolar tem todos os elementos para conquistar o público pré-adolescente. Muito de acordo com a era da correção política, o elenco é multirracial. Os personagens são uma variada galeria de estereótipos: estão ali a doçura de Gabriella (Vanessa Hudgens, cujo figurino de moça casta foi comprometido quando fotos em que aparece nua circularam pela internet); as armações de Sharpay, personagem de Ashley Tisdale; e as danças aeróbicas da dupla Ryan e Chad, interpretados por Lucas Grabeel e Corbin Bleu. Um elenco uniforme e coeso é importante, mas também é preciso um grande astro que faça as meninas suspirar. Zac Efron cumpre esse papel à perfeição. Ele é o pôster mais popular na parede das meninas de hoje.


Na pele de Troy, astro do time de basquete, Efron, que completa 20 anos neste mês, caiu nas graças das meninas, que adoram seus olhos azuis e seu sorriso impecável. A mulherada adulta que o viu recentemente em Hairspray – filme no qual contracena com um John Travolta travestido de gordinha – também o considera o fofo da hora. Na capa da Rolling Stone americana de agosto, Efron apareceu em uma pose provocante, abdome malhado à mostra. A revista fez uma aposta temerária: Zac Efron pode se tornar o Brad Pitt da nova geração. Ao levantar expectativas talvez exageradas, esse tipo de previsão pode se tornar uma maldição. A carreira de muitos astros jovens já desandou depois de um início auspicioso. Esse, aliás, parece ser o caso de duas outras ‘criações’ da Disney: a festeira Lindsay Lohan, habituée de clínicas de reabilitação, e Britney Spears, que recentemente caiu no ridículo (mais uma vez) com um desengonçado show na festa do prêmio VMA, da MTV.


Até o momento, Efron vem conduzindo a carreira e a vida pessoal com menos espalhafato e mais inteligência. Ele namora Vanessa Hudgens, companheira de High School Musical, e leva uma vida discreta, em Los Angeles. Antes de estourar no especial da Disney, perambulou por séries de TV, fazendo pontas como garoto-problema – na série médica ER, por exemplo, viveu um adolescente que morre num tiroteio entre gangues. No início do ano passado, foi selecionado para atuar no primeiro High School Musical quando o elenco estava praticamente fechado. Aliás, muitas das músicas que Troy ‘canta’ são na verdade interpretadas por outro artista. Três companheiros do elenco de High School Musical – Vanessa, Ashley e Bleu – lançaram discos-solo. Efron evitou esse caminho óbvio. Tampouco aceitou excursionar na turnê do musical que baixou no Brasil em maio. Preferiu o cinema, com Hairspray. Os dotes dramáticos de Zac Efron são limitados, mas ele tem os outros requisitos necessários para o sucesso em Hollywood: carisma, beleza – e tino. Estima-se que tenha pedido 5 milhões de dólares para estrelar a terceira parte de High School Musical, que será exibida nos cinemas.’



CIDADE LIMPA
Roberto Pompeu de Toledo


Surpresa: venceu a civilização


‘Fez um ano, no dia 26 de setembro, que a lei que bane os outdoors e regulamenta os letreiros nas fachadas das casas comerciais foi aprovada pela Câmara Municipal de São Paulo. No dia 1º de janeiro fará um ano que a lei, apelidada de Lei Cidade Limpa, entrou em vigor. Seus objetivos pareciam bons demais para virar realidade. No entanto, decorridos só um pouco mais de um ano da aprovação e nem dez meses da entrada em vigor, já é evidente que a lei pegou. É algo para festejar não apenas no âmbito da cidade de São Paulo, nem no da mera regulamentação da ‘mídia externa’, como diz o jargão do ramo. A questão tem a ver com o uso do espaço público por excelência que é a cidade, a civitas dos romanos, lugar em que, como o nome indica, se exercem o civismo e a civilidade. Visto sob esse ângulo, o sucesso da lei representa a vitória, tão rara, no Brasil, da ordem sobre a desordem, do bem comum sobre o interesse privado, da civilização sobre a barbárie.


A paisagem urbana mudou, em São Paulo. Antes da lei, a cidade constituía-se no mais perfeito exemplo de casa-da-mãe-joana em matéria de letreiros, faixas, painéis, cartazes e assemelhados a pendurar-se em fachadas, muros, totens, postes ou qualquer outra superfície disponível, fosse beira de telhado ou gradil de viaduto. Tal barafunda era um dos signos de seu terceiro-mundismo, principalmente o terceiro-mundismo mental, cujo entendimento é de que o espaço público, em vez de um espaço de todos, é espaço de ninguém, livre para ser apropriado. Hoje – milagre! – já dá para transitar pelas ruas de São Paulo com a tranqüilidade de que os olhos serão poupados do selvagem assédio dos anúncios.


A vitória da Lei Cidade Limpa lembra outra, ocorrida há dez anos, em Brasília: a do respeito à faixa de pedestres. Também nesse caso a questão girava em torno do uso da civitas, aqui no aspecto da conturbada convivência entre o automóvel e o pedestre. Diante do nível crítico a que haviam chegado os atropelamentos na cidade, o governo, então comandado pelo hoje senador Cristovam Buarque, decidiu fazer valer o respeito às faixas demarcadas para a travessia das ruas. Para começar, postou junto a elas guardas encarregados de explicar aos motoristas que aquele desenho no chão era sinal de que deviam parar, para deixar passar o pedestre. Transcorridos os três meses dessa fase ‘educativa’, começou-se a multar. O resultado foi que – outro milagre! – em Brasília os brasileiros entenderam o que é faixa de pedestres. Até hoje, a capital federal é um raro oásis na selva do trânsito brasileiro, em que motoristas observam a prioridade do pedestre nas faixas. (Não se trata da faixa acompanhada do semáforo – nesse caso, diante da gritante presença do sinal vermelho, até motorista brasileiro pára; a questão é a faixa sozinha, sem semáforo junto.)


Tanto no caso de São Paulo como no de Brasília, operou-se uma mudança na mente das pessoas. Em Brasília, depois da estranheza inicial, e das reclamações contra as multas, as pessoas começaram a sentir que, pelo menos nesse aspecto, viviam num lugar tão civilizado quanto Genebra, e gostaram disso. A obediência à faixa virou motivo de orgulho. Em São Paulo, a oposição dos que gostavam dos anúncios, o ceticismo quanto à eficácia da lei e a gritaria dos setores atingidos foram aos poucos substituídos pela evidência de que se operava um avanço na cidade. Segundo a arquiteta Regina Monteiro, diretora de Meio Ambiente e Paisagem Urbana da Emurb, a empresa da prefeitura encarregada das intervenções urbanas, os próprios comerciantes acabaram por entender as vantagens de exibir a arquitetura de seus prédios em vez de tabuletas espalhafatosas e de se pôr ao largo da disputa predatória pelo olho do transeunte.


Tanto em São Paulo como em Brasília, no entanto, o segredo do sucesso, o capital, o decisivo, foi uma coisa que na mitologia brasileira dos bem-pensantes virou anátema, nos últimos anos: a punição. Talvez em reação às durezas da ditadura, talvez em conseqüência das idéias libertárias dos anos 60, engendrou-se no Brasil a fantasia de que bom é educar, não punir. Bom seria o convencimento, nunca o castigo. Como se uma coisa existisse sem a outra! O que move a escola são a nota baixa e a reprovação, assim como o que move o respeito à lei é a pena. Inventou-se uma dicotomia (educação versus punição) onde o que há é complementaridade. Em São Paulo a multa para a inobservância da Lei Cidade Limpa começa nos 10.000 reais. O valor alto foi um ‘ponto estratégico’ na concepção da lei, segundo Regina Monteiro. Outro ‘ponto estratégico’ foi a determinação de realmente multar. De janeiro até agora, aplicaram-se 1.377 multas. Não é por terem habitantes contemplados de nascença com superiores virtudes cívicas, ou por contarem com a preferência dos anjos, que outros países atingiram, em suas cidades, o grau civilizacional que desfrutam. É por efeito de uma cultura que, ao educar para o civismo e a civilidade, não deixa de lado o recurso da punição.’


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