Desde a tarde de 6 de setembro, os leitores da seção Cultura do portal do Estadão têm percebido que o blog da crítica de arte Sheila Leirner não aparece mais no site e seus artigos já não podem mais ser acessados.
Correlativamente, esse blog, entre 30 de agosto e o dia da sua silenciosa extinção, continha entre seus posts mais recentes o artigo As trancinhas teleguiadas do “produto” Greta Thunberg – que desapareceu até mesmo do cache do Google. Conforme relata matéria postada no Observatório da Imprensa no último dia 3, o texto dirigia uma série de ataques pessoais à ativista ambientalista Greta Thunberg, de 16 anos, em função das características de sua Síndrome de Asperger, uma forma branda da Condição do Espectro Autista.
Além disso, mencionava jocosamente as feições faciais autísticas da adolescente e também sugeria que crianças e adolescentes aspies, tal como Thunberg, deveriam ser tratadas de uma maneira que remete à discriminação e à negação de diversas liberdades civis.
Seu conteúdo havia causado muita revolta entre a comunidade autista brasileira. Diversos textos o responderam de maneira direta ou implícita, tais como o artigo Greta Thunberg: das vozes e dos silêncios, assinado por diversas professoras e profissionais de saúde e publicado no site do jornal El País; a matéria Ódio a Greta Thunberg está relacionado a masculinidade tóxica, patriarcado e negacionismo climático, postada por Juliana Aguilera no site ecofeminista e vegano Modefica; e o texto O engano de Sheila Leirner em “As trancinhas teleguiadas…”, escrito e publicado no site Mundo Asperger por Victor Mendonça e Selma Sueli Silva.
Provavelmente em virtude da desastrosa repercussão, o artigo foi retirado do ar, juntamente com o blog inteiro, mas até o momento nenhuma razão foi oficialmente informada ao público pelo Estadão. Como o portal tem mantido silêncio público em relação ao caso, as razões da súbita ausência do blog que hospedava ainda são um incômodo mistério para muitos leitores assíduos, provavelmente a maioria, da seção Cultura.
Diante disso, ao longo de duas semanas, diversos autistas militantes e familiares de autistas incentivaram, ou compartilharam os incentivos, que o máximo possível de pessoas – neurodiversas ou aliadas neurotípicas – enviasse e-mails à editoria do Estadão cobrando um posicionamento público. Segundo algumas das postagens com essa demanda nas redes sociais, o portal precisa esclarecer à sua audiência por que o blog da crítica de arte desapareceu e qual o posicionamento do Grupo Estado sobre As trancinhas teleguiadas…, assim como deve pedir desculpas públicas e oficiais à comunidade autista, aos demais leitores que se sentiram ofendidos com o texto e à própria Thunberg, pelos sete dias em que o texto ficou no ar.
Relatos de autistas militantes complementam que a demandada nota pública, entre outros benefícios mútuos, “lavaria a alma” da categoria neurodiversa e de suas famílias; traria mais visibilidade à defesa da neurodiversidade, dos direitos autistas e da aceitação do autismo; representaria a reiteração do compromisso do Grupo Estado em defender os direitos humanos e as liberdades civis de todos os brasileiros dos ataques do autoritarismo ideológico; remediaria os danos causados pelo artigo preconceituoso à imagem institucional da empresa e colocaria um feliz ponto final na angústia de leitores autistas que alegaram ter passado mal por causa do conteúdo discriminatório do texto retirado do ar.
Porém, segundo informações, desde o último dia 9 o Estadão não tem respondido aos e-mails que demandam retratação e esclarecimento, nem atendido às tentativas de ligação telefônica aos setores que poderiam prestar informações não sigilosas sobre o caso do artigo, o que causou indignação nos manifestantes e a sensação de que a vitória do movimento autista sobre o texto capacitista que atacava Thunberg e a juventude aspie foi apenas incompleta.
“A comunidade autista não dormirá sossegada enquanto não tiver a devida comprovação de que o lamentável caso do texto está sendo tratado com a devida justiça”, diz um autista ativista que prefere não se identificar. Ele complementa: “Continuamos desejando essa resposta e durante duas semanas fizemos o que podíamos no intuito de demandá-la. Queríamos muito, e continuamos querendo, nos livrar dessa “pedra no sapato” psicológica e enfim encontrar nossa paz.”
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Robson Fernando de Souza é escritor, autista aspie defensor da neurodiversidade.