Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

90% dos canais abrem sinal em satélite sem aval

A falta de fiscalização da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e a conivência do Ministério das Comunicações criaram uma distorção no mercado de radiodifusão (rádio e TV).

Empresas varejistas, do agronegócio, de venda de produtos, cursos, igrejas e até time de futebol que não são donos de emissoras passaram a produzir programas e canais transmitidos livremente em todo o país via satélite.

“Eles estão fazendo radiodifusão de fato”, disse o conselheiro da Anatel Marcelo Bechara em um evento do setor de TV paga em São Paulo.

Esse tipo de serviço já está previsto por uma portaria de 1991. O problema é que ele não foi regulamentado ainda pelo ministério.

Na ausência de regras claras, emissoras passaram a competir com canais de venda de tapetes e joias, como Polishop, Shoptime, Mil e Uma Noites e Medalhão Persa, cultos religiosos, jogos e até leilões de gado e eventos, transmitidos pelo Canal do Boi e pelo Canal Rural.

“É mais barato alugar espaço em um satélite do que comprar uma emissora e arcar com todo o ônus da concessão”, diz Daniel Slaviero, presidente da Abert, a associação que representa emissoras de rádio e TV.

Sinal fechado

Mesmo assim, há limites. Para alugar espaço no satélite, todo interessado precisa ter o aval da Anatel.

A própria agência afirmou à Folha que a programação precisa ser enviada ao satélite com o sinal fechado (protegido por códigos que bloqueiam sua recepção por antenas parabólicas).

Hoje, há 30 milhões de parabólicas no país. De cada 5 domicílios com TV, 2 só recebem os canais via parabólica.

Resultado: essas antenas já representam 40% da audiência das emissoras, segundo o Ibope, que passou a monitorá-las há dois anos.

Isso explica por que 90% dos canais que transmitem via satélite mantêm sua programação aberta, segundo levantamento feito pela Folha.

É papel da Anatel fiscalizar as questões técnicas da programação de rádio e TV nos satélites. A agência não respondeu até a conclusão desta edição por que a situação não foi regularizada.

Disse apenas que cabe ao ministério regulamentar a radiodifusão via satélite.

O Ministério das Comunicações informou que as transmissões via satélite têm características de radiodifusão e também de distribuição de conteúdo. Por isso, haverá estudos em conjunto com a Anatel antes de uma solução.

A coordenação de outorgas do ministério informou que o governo irá resolver essa situação no momento em que o sinal analógico for desligado, um processo que já começou em algumas localidades e chegará ao final em 2018.

A massificação das parabólicas se acentuou a partir da década de 1980. Nessa época, as principais emissoras comerciais encontraram nos satélites uma forma de melhorar a cobertura.

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Negócio chega a movimentar R$ 500 milhões ao ano

As transmissões de TV aberta via satélite por empresas sem emissoras são um negócio rentável, sobretudo para as produtoras de vídeo especializadas no agronegócio.

Estima-se que, juntas, elas faturem R$ 500 milhões ao ano, quase 4% da receita das Organizações Globo (incluindo a TV Globo) em 2012. No período, a receita líquida do SBT foi de R$ 870 milhões.

Até o frigorífico JBS, da J&F, entrou no ramo. A Folha apurou que, em 2012, o grupo pagou R$ 100 milhões pelo Canal Rural à rede RBS. No momento da transação, o canal faturava R$ 50 milhões com a transmissão de eventos como leilões de gado.

Ainda segundo apurou a reportagem, a estratégia da JBS é firmar a marca e atrair clientes para o Banco Original, voltado a financiar o agronegócio. Procurado, o JBS não quis se pronunciar.

Seus concorrentes são o Terra Viva, da Rede Bandeirantes, e o Canal do Boi, líder de audiência que pertence ao SBA (Sistema Brasileiro do Agronegócio), dono ainda do ConexãoBR, do Novo Canal e do Agro Canal.

O grupo diz concentrar metade da receita do segmento.

O SBA não revela o faturamento, mas informa que, em média, os canais cobram R$ 45 mil por transmissão de leilão de gado. Anualmente, há cerca de 1.200 leilões.

Além disso, vende espaço publicitário. No início do ano, experimentou alugar a grade à programação da Igreja Internacional da Graça de Deus, do pastor R.R. Soares.

Segundo dados do Ministério das Comunicações e da Anatel, esses canais não têm outorga de rádio ou TV.

Outro lado

Diferentemente do que diz a Abert, associação das emissoras de rádio e TV, os canais não consideram que façam radiodifusão via satélite.

“Radiodifusão é um serviço que exige outorga”, disse Evandro Guimarães, ex-diretor da Globo hoje à frente do Terra Viva, no Grupo Bandeirantes. “A transmissão no satélite é de ponto a ponto. Isso não é radiodifusão.”

Com ele concorda Edgar Diniz, fundador do TV Esporte Interativo. Destinado a transmitir jogos de futebol na internet, o canal passou à TV paga e achou no satélite sua via de expansão, chegando a 22 milhões de domicílios.

“Hoje, 40% da audiência vem do satélite”, disse Diniz.

O sucesso do TV Esporte Interativo levou a americana Turner, dona do Cartoon, do TNT e da CNN, a pagar R$ 80 milhões por 20% do canal brasileiro –que também não tem outorga de radiodifusão.

Até o Corinthians mantinha a TV Corinthians com sinal aberto no satélite. Procurado, o time informou que o canal passa por reformulação e está com sinal fechado.

TVs corporativas de bancos, supermercados e escolas preparatórias também abrem a programação no satélite.

Ainda segundo o cadastro da Anatel e do ministério, nenhuma é radiodifusora.

A situação se repete com Polishop, Shoptime e Mil e Uma Noites, que vendem produtos pela TV, de toalhas de banho a joias.

Juntos, esses canais ocupam quase o mesmo espaço nos satélites da programação de canais educativos, como a TV Cultura e a TV E-Paraná.

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Julio Wiziack, da Folha de S.Paulo