Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Parte do acervo audiovisual será recuperado

A importância da conservação de um acervo consiste em manter viva a memória histórica de determinados fatos. Um projeto, coordenado pelo professor doutor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Otoni Moreira de Mesquita quer organizar, higienizar e digitalizar 320 fitas do acervo audiovisual da TV Cultura do Amazonas. As fitas do acervo (a serem recuperadas) contêm registros e gravações de programas televisivos dos mais variados gêneros que foram ao ar entre os anos 1970 e 1990.

O projeto, chamado “Higienizar, digitalizar e catalogar o acervo da TV Cultura do Amazonas – 1970 a 1990”, conta com um apoio da Fundação de Amparo á Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) de R$ 298.760 mil, que serão investidos ao longo de 12 meses.

Mesquita falou um pouco a respeito da recuperação e digitalização do acervo audiovisual da TV Cultura do Amazonas.

Quem será o público-alvo que irá se beneficiar desses arquivos recuperados?

Otoni Moreira de Mesquita – Acreditamos que o produto resultante atenderá a um público bem amplo, pois além dos pesquisadores de várias áreas das ciências humanas, sobretudo história, comunicação, antropologia, artes e outras, atenderá aos profissionais de jornalismo, aos documentaristas e à população em geral, além de especialistas em outras áreas eventualmente abordadas pelas matérias e documentários. Para aqueles que viveram no período correspondente às gravações, terão uma rara oportunidade de reavivar a memória, não apenas como um sentimento de nostalgia, mas como reconhecimento e valorização de nossos traços culturais. Enquanto que para as novas gerações, o conteúdo destas gravações pode ser uma oportunidade ímpar de conhecer um pouco mais das manifestações locais que podem servir de referências e inspirações para as futuras produções das mais diferentes áreas. Em última instância, a recuperação deste material deverá estimular investigações que até então não ocorreram e poderão contribuir para a discussão em torno de nossa identidade cultural.

Devido ao estado de conservação em que se encontram, os conteúdos gravados permanecem ilegíveis. Quanto tempo demora para recuperar uma fita dessas?

O.M.M. – Não podemos precisar ainda; somente uma empresa especializada diante de cada uma das fitas poderia determinar com exatidão o tempo de recuperação. Mas o certo é que não é uma coisa muito rápida como gravar um CD ou baixar um dado da internet, pois o processo de transcrição de dados contidos em uma fita de vídeo corresponde ao mesmo tempo do registro da gravação que ela contém.

Já é possível prever quais serão as maiores dificuldades na recuperação dessas fitas? Há alguma fita em estado crítico?

O.M.M. – Em função do estado avançado de deterioração do referido acervo, é previsível que parte das fitas selecionadas para serem recuperadas venha demandar um pouco mais de tempo ou exigir um processo mais caro para sua desinfecção. Em função disso, o cronograma de limpeza foi dilatado e utilizou-se como base um cálculo mais aproximado e mais elevado para o serviço de recuperação. Acreditamos que as colônias de fungos instaladas nas fitas não sejam um grande problema a ser resolvido por uma empresa especializada. Contudo, nosso maior temor é que os conteúdos de algumas fitas não correspondam às indicações contidas em suas capas. Há menções a períodos de crise financeira na emissora, em que o único recurso era a reutilização indiscriminada das fitas gravadas. Assim, é possível que significativos registros tenham sido perdidos sob gravações de fatos corriqueiros.

As fitas a serem recuperadas contêm registros e gravações de programas televisivos dos mais variados gêneros. Há um gênero televisivo predominante nesse arquivo – por exemplo, telejornais?

O.M.M. – A identificação prévia não é completamente precisa, pois muitas fitas não se encontram identificadas e não há instrumentos que permitam ler os seus conteúdos. Mas a lista indica uma grande diversidade de programas. Porém, ressalta-se a produção de programas educativos, tanto para crianças quanto para adultos. Há uma grande quantidade de programas musicais apresentando valores locais, além de outras produções, que ressaltam os valores da cultura amazônica. Além de alguns documentários e muitas matérias jornalísticas com uma diversidade de temas e programas de entrevistas, destacando o debate com políticos locais.

Na sua visão, qual é a importância de se recuperar essas fitas?

O.M.M. – É inquestionável o valor histórico contido nesse material, antes mesmo de sua recuperação. São documentos sonoros e visuais (memória visual), carregados de informações e indícios a serem interpretados, pois ainda que se trate de uma história relativamente recente, parte dela já se diluiu na memória daqueles que a vivenciaram. Portanto, sua recuperação deve ser interpretada como uma significativa contribuição para a memória e a identidade cultural local. Para os pesquisadores, se trata de um material raro, sobretudo, se considerarmos a grande lacuna existente quanto aos estudos referentes ao período. Pois, devemos ressaltar, que entre os anos 1970 e 1990, ocorreram drásticas transformações em todos os segmentos da sociedade amazonense. Esse processo de atualização foi muito rápido e pouco pensado, provocando a exclusão de elementos culturais que deixaram um grande vácuo ou perderam completamente o sentido, perante os novos espaços e ritmos que a cidade configurou.

Quais são as suas expectativas quanto aos benefícios que a recuperação dessas fitas trará para a ‘memória cultural’ do Estado do Amazonas?

O.M.M. – Minhas expectativas quanto à recuperação desse material é bastante otimista, pois entendo que, ao torná-lo legível novamente, passamos a ter uma nova oportunidade de reler e interpretar nossa história recente. De qualquer forma, é uma maneira de recuperar parte da memória e fixar valores, refletindo um pouco mais sobre a identidade local e regional. Mesmo que haja o conflito entre um passado devidamente editado e um presente caótico e difícil de lidar perante as transformações que geraram a nova sociedade que se instalou e se desenvolveu no lugar. Do ponto de vista do futuro, penso que o material poderá contribuir com uma visão mais rica e representativa de uma população que era tão menor e tão expressiva em seus movimentos culturais. Portanto, poderá revelar algumas surpresas para as novas gerações e para aqueles que chegaram mais recentemente. Como matéria-prima para as futuras construções, penso que essas fontes a serem reveladas poderão gerar uma diversidade de trabalhos, documentários etc. Ainda que se trate de uma história relativamente recente, acreditamos que o material a ser revelado é bastante significativo para a memória de vários segmentos culturais e mesmo políticos. A música e o teatro locais são temas frequentemente abordados, com imagens raras, assim como entrevistas e documentários, cujas leituras certamente possibilitarão melhor compreensão de nossa realidade cultural.

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Luiz Guilherme Melo é jornalista e estudante de Letras da Universidade Federal do Amazonas