Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

E a Rádio MEC, hein?

“Por acaso a rádio MEC está acabando?”, perguntava o leitor. “Se isso for verdade, acho que ficarei órfão de boa música.” Ele reagia à nota enxertada ao pé da coluna passada: “Não ao desmonte final das rádios MEC AM e FM.” Respondi que temo que as rádios que conhecemos e apreciamos venham a acabar, ao menos como as conhecemos, dedicadas à boa música popular brasileira e ao melhor da música clássica.

O processo não vem de hoje, daí “desmonte final”. Em 1998, Fernando Henrique tirou a Rádio MEC da alçada do Ministério da Educação, ao qual a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro havia sido doada em 1935 por seu fundador, o visionário Edgar Roquette Pinto. Ela passou à Empresa Brasileira de Comunicação, a Radiobrás, por sua vez subordinada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

Em 2007, Lula criou a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) ao fundir a Radiobrás e a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), que cuidava da Rádio MEC e da antiga TVE. Não, não se tratam de meras mudanças de denominação e organograma. Do ponto de vista de Fernando Henrique e de Lula, as emissoras seriam instrumento de propaganda institucional do governo, não de educação.

Porém, só agora, com Dilma Rousseff, as consequências disso se fazem sentir de forma mais pesada. Com a absorção da Acerp pela EBC, os antigos funcionários da MEC se viram diante da proposta de ou se demitirem voluntariamente e se tornarem pessoas jurídicas (perdendo direitos trabalhistas) para talvez serem recontratados por projeto (talvez) ou simplesmente serem dispensados. Como resultado, eles estão sendo demitidos às dezenas, substituídos por concursados sem o devido preparo.

Criações do espírito

Não bastasse esse imbróglio, o prédio da rádio foi interditado em março, após vistoria do Ministério Público. Desde então, a MEC “mora de favor” nas instalações da Rede Brasil de Televisão (a antiga TVE) na Rua Gomes Freire e assiste, impotente, à deterioração de seu acervo e de suas instalações na antiga sede da Praça da República. Apesar de estarem fora do lar, tanto a AM quanto a FM continuam no ar.

Tudo somado, há uma dúvida razoável: perdendo muitos bons profissionais, entre eles Lauro Gomes, apresentador havia 13 anos do programa “Sala de concerto” na FM, as rádios terão condições — ou vontade política — de conservar a linha e o alto padrão? Esta é uma história em andamento, talvez esteja longe de acabar, mas há sinais preocupantes de que a resposta à questão seja “não”.

Em nota oficial, emitida na quarta-feira da semana passada em resposta a um questionamento do presidente da Academia Brasileira de Música, o violonista Turíbio Santos, a direção da EBC negou que a MEC FM vá ser extinta e garantiu que “não poupará esforços para continuar levando uma programação de qualidade aos ouvintes”. No dia seguinte, uma assembleia da Sociedade de Amigos e Ouvintes da Rádio MEC — que reuniu, entre outros, Edino Krieger, Jocy de Oliveira, Guilherme Bauer, Manoel Corrêa do Lago, Ricardo Cravo Albin, Aloysio Fagerlande e Rosana Lanzelotte — concluiu que a nota não corresponde ao que dizem velhos e novos funcionários. Um encontro para esclarecimentos entre o Sindicato dos Músicos e a EBC estava marcado para a noite de ontem, na sala de ensaios da Petrobras Sinfônica, na Fundição.

Insinua-se na “rádio corredor” que a EBC, de acordo com a missão institucional da Secretaria de Comunicação, gostaria de ouvir uma AM “mais popular” e ter uma FM “menos elitista”. Ora, para tocar artistas muito populares, como Anitta, MC Marcelly, Naldo e Thiaguinho, há uma profusão de emissoras comerciais. Mais uma, pública? Para tocar música clássica, o quadro é pior: não há no Rio nenhuma outra emissora.

É desanimador que burocratas possam considerar a música clássica “impopular” apenas por ela não ser “popular”, expressão que diz respeito a origens e características, não à capacidade de tocar e mobilizar massas. Eles poderiam ao menos se familiarizar com a história da música na URSS ou com o bem-sucedido El Sistema venezuelano, criado por José Antonio Abreu em 1975, ou seja, antes de Chávez — e que a ele sobreviveu. Centenas de orquestras abriram horizontes para milhares de jovens pobres. Aqui, por exemplo, há o êxito da Sinfônica Heliópolis, regida por Isaac Karabtchevsky.

O fato de hoje a música clássica ter um público menor que a popular tão somente ressalta a necessidade da existência de emissoras públicas que façam o trabalho que as comerciais não têm, pela própria natureza, interesse em fazer. Uma das propostas para preservar a Rádio MEC FM é que ela retorne ao ministério que a nomeia. Faz sentido. Escutar boa música é, além de curtir as maiores criações do espírito humano, aprender História. Isto é particularmente verdadeiro se ela tiver sido produzida séculos atrás.

Tenho esperança de que a MEC AM e a MEC FM não sofram ainda mais, mesmo sabendo que, como escreveu o sábio francês Edgar Morin, exatamente numa obra sobre cultura de massa, “a esperança é sempre o improvável”.

******

Arthur Dapieve é colunista do Globo