Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

(ainda) Fora da rede

Há 4,3 bilhões de pessoas vivendo off-line, segundo a estimativa da UIT (União Internacional de Telecomunicações), órgão que faz parte da ONU. Isso representa 61,2% da população mundial.

Para levar a internet a esse contingente (e faturar com isso), o Facebook e o Google anunciaram que estão trabalhando em ambiciosos projetos de inclusão digital.

Com o Loon, o Google diz que levará internet para áreas remotas ou devastadas usando balões equipados com antenas de radiofrequência, com velocidade comparável à do 3G, segundo a empresa.

No primeiro semestre do ano que vem, a iniciativa será testada na Amazônia. “Este projeto certamente contribuirá de forma significativa para ampliar o acesso à internet na área, extensa e onde é difícil chegar com tecnologias tradicionais”, disse em nota o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, após uma reunião com representante do Google, no mês passado.

Apesar de não divulgar o investimento na parceria com a empresa americana, o ministério diz que ela tem “custos razoáveis”.

O Loon –nome de uma espécie de ave marinha– está em fase de testes desde junho, na Nova Zelândia, onde cerca de 30 balões foram lançados; 50 moradores eram responsáveis por controlá-los.

“Soa como um pouco de ficção científica, mas tenho certeza de que o projeto vai se tornar realidade”, disse à agência Efe Sameera Ponda, engenheira do Google. “Levar internet a todos com balões é mais fácil e barato do que fazê-lo através de satélites.

Um análogo da ação do Google, mas que usa balões afixados ao solo (veja gráfico sobre o funcionamento do Loon na pág. F4), foi apresentado pelo INPE, do governo federal, no último dia 14, quando foi testado em Cachoeira Paulista (SP).

Na semana passada, o Google anunciou outra ação: o Projeto Link, cujo objetivo é instalar fibra ótica em Kampala, capital de Uganda, país africano que tem apenas 14,7% da população conectada à internet, segundo a UIT.

Internet.org

Liderado pelo Facebook e anunciado em agosto, o Internet.org tem como meta conectar todo o planeta, em especial pelo barateamento da conectividade móvel e de smartphones –entre os parceiros estão Ericsson, Nokia, Samsung e Qualcomm.

Os membros da iniciativa desenvolveram tecnologia de difusão de dados capaz de incrementar em dez vezes a capacidade das redes atuais, disse Mark Zuckerberg. “Isso abaixaria o custo das conexões dramaticamente”, disse.

Tornar o uso dessas redes mais eficiente –reduzindo a quantidade de dados que são transmitidos– e empregar faixas de radiofrequência hoje ociosas também ajudaria nesse sentido, diz o grupo.

O foco em dispositivos móveis acelera a inclusão digital, mas pode ser insuficiente para usos como educação à distância, diz um dos coordenadores do CGI (Comitê Gestor da Internet), Alexandre Fernandes Barbosa.

“Como você desenvolve uma aplicação empresarial ou educacional, por exemplo, para um smartphone? Não é a mesma coisa [que um PC].”

A Cisco diz que, neste ano, o número de dispositivos móveis conectados passará o de habitantes no mundo. Segundo a consultoria IDC, modelos baratos têm obtido sucesso nos mercados de massa, como África e Ásia, e é este tipo de venda que vai levar o segmento para a frente.

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Apesar de iniciativas de inclusão, metade do país segue off-line

O PNBL (Programa Nacional de Banda Larga), do governo federal, determina que todas as cidades do Brasil tenham conexão com velocidade de 1 Mbps oferecida a R$ 35 até o fim de 2014.

“A gente sabe que, no mundo de hoje, isso não basta: as aplicações com maior potencial socioeconômico, como assistir a uma aula, estão relacionadas a uma velocidade superior”, diz o gerente de banda larga do Ministério das Comunicações, Pedro Lucas da Cruz Araújo.

A UIT (União Internacional de Telecomunicações) chama de banda larga as conexões com 1,5 Mbps ou mais.

Mas a velocidade não é o maior dos problemas.

Vivem sem Google, sem Facebook e sem Wikipédia 86 milhões de brasileiros com 10 anos ou mais, ou 49,1% de um total de 169 milhões de pessoas nessa faixa etária, segundo dados do IBGE do fim do ano passado.

São pessoas pobres, “analfabetos digitais” ou que vivem em lugares isolados. “A exclusão digital segue a mesma lógica da exclusão social”, diz a secretária de inclusão digital do Ministério das Comunicações, Lygia Pupatto. “Temos deficit maior nas classes C, D e E, e as regiões com maior demanda são Norte e Nordeste.”

É entre esses grupos que o crescimento vem sendo mais acelerado, segundo Adriana Beringuy, pesquisadora do IBGE. “Também avançaram [em acesso à internet] as pessoas com mais de 60 anos.”

Em 2011, a parcela dos que já estavam on-line era de 46,7%, o que significa que o país pode ter mais da metade conectada. Segundo a UIT, a fatia é de 95% na Noruega, de 81% nos EUA, de 56% na Argentina e de 42% na China.

Das 5.564 cidades que existiam quando foi criado o PNBL (hoje há outras seis), em 2011, 3.214 são atendidas.

Não quero

Mas nem todos estão desconectados só por não ter condição financeira necessária. “Não suporto internet, celular, essas coisas”, diz o motorista Jorge Feitosa, 59. “Ali, você pode ser roubado, falta sigilo. Não tenho medo, mas para mim não encaixa. Meu negócio é cartão no orelhão”, conta. Ele diz que, apesar de ser contra, comprou um computador para seu filho.

A dona de casa Cristiane Gradinar, 38, diz que já chegou a procurar emprego on-line, mas que não tem interesse em se conectar de novo. “Também não uso porque sou evangélica”, diz. A igreja que frequenta, Assembleia de Deus, não proíbe internet, “mas tem muita coisa [on-line] que não é permitida”, diz.

Não posso

Com suas horas divididas entre a escola e a venda de bebidas na praça da Sé, o menino Marcelo Silva, 15, diz que nunca teve a oportunidade de usar a internet. “Até quero, mas ninguém na minha casa compra, então não tenho como usar”, conta.

Ele diz que tentará usar a rede no SESC Carmo, que fica na rua onde mora, na capital paulista (veja lista de locais de acesso grátis ao lado).

Já a dona de casa Maria Lúcia Mendonça, 65, diz que já tentou usar o PC –tarefa que, quando precisa, pede à filha–, mas não conseguiu. “Só para escrever meu nome, levava uma eternidade. Não tenho paciência”, diz.

O corretor imobiliário Eduardo Fernandes, 56, precisa enviar e-mails a clientes, mas onde vive, uma chácara no limite entre São Paulo e Itapecerica da Serra, não chega a conexão a cabo –ele recorre a lan houses. “Também uso no Poupatempo, mas é muito devagar”, reclama.

Além da inclusão

Para o Ministério das Comunicações, o maior problema ainda é a infraestrutura, já que há muitos lugares desinteressantes do ponto de vista econômico para as operadoras –e é delas a decisão de prover ou não o acesso.

Mas a gigantesca tarefa de universalizar o acesso é só um primeiro passo. “Acho que uma coisa é a pessoa saber usar a internet”, diz Pupatto. “A outra, que é o nosso desafio, é ela se apropriar dela, abrindo possibilidades que realmente mudam a vida, como educação à distância e projetos culturais.”

Para Alexandre Fernandes Barbosa, um dos coordenadores do CGI (Comitê Gestor da Internet), “não basta um cidadão da periferia usar a lan house e acessar o Facebook se não souber fazer outra coisa. O desenvolvimento de habilidades é fundamental.” (Y.G.)

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Yuri Gonzaga, da Folha de S.Paulo