Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Projeto de regulação gera controvérsia na web

Com o aumento dos projetos sociais em crowdfunding – ou financiamento coletivo –, políticos, especialistas e donos das plataformas de colaboração vêm discutindo a necessidade de normatizar o processo e torná-lo mais transparente. Há temores de que as operações de financiamento coletivo, que, atualmente, não têm qualquer controle nem pagam impostos possam ser usadas, por exemplo, para lavagem de dinheiro. Um projeto de lei que espera regular a atividade está parado na Câmara dos Deputados e aguarda revisão depois de ter sido criticado pelos desenvolvedores de sites colaborativos.

– Não há consenso, a prática está bem indefinida. Pode haver arrecadação para um causa social, sem recompensa. E pode haver contribuição para projetos artísticos, que visam ao lucro, portanto. No primeiro caso, o crowdfunding pode ser enquadrado como doação. No outro, como compra – explica Melina Luki, especialista em Direito Tributário e professora da FGV-Rio.

O projeto de lei 6.590, de 2013, do deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), prevê que, seja com fins sociais ou lucrativos, as operações devem ser informadas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

– O projeto foi pensado a partir de modelos internacionais, onde existe crowdfunding para empréstimos e abertura de empresas. Não é o caso do Brasil – afirma Felipe Caruso, um dos donos do Catarse, a maior plataforma de colaboração do país. – Aqui existem as doações para causas sociais e a arrecadação com recompensa para projetos culturais. Não faz sentido submetê-las à CVM. Conversamos com o deputado. A regulação é boa desde que incentive a economia criativa.

O projeto ainda prevê que quem for colaborar poderá deduzir um percentual da contribuição no imposto de renda. Em causas sociais, o desconto seria de 50% do montante investido. Em outros casos, de 10% a 50%.

– Isso pode auxiliar na promoção do financiamento coletivo, mas sua natureza deve ser discriminada com precisão, indicando que órgãos ficam responsáveis pela fiscalização. Sem isso, o processo fica confuso e sem transparência. Pode-se ir ao Procon em caso de compra de serviços. Em caso de doação, não – afirma Melina.

Na ficção, lavagem de dinheiro

A transparência é um grande desafio. Basta lembrar o caso ficcional do seriado de sucesso “Breaking bad”, em que um garoto lança um crowdfunding para pagar o tratamento de câncer do pai, e este, envolvido com drogas, transforma o site num meio de lavar o dinheiro do crime. Ainda que não se conheçam casos comprovados na vida real, ainda mais no Brasil, a falta de fiscalização deixa muita gente desconfiada.

Segundo o professor Dennis de Oliveira, coordenador do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação da USP, o brasileiro tem desconfiança na hora de doar e exige saber se seu dinheiro irá para causa em que investiu.

– Nossa cultura de doação é centrada em instituições, não em projetos. Como o crowdfunding lida com o segundo caso, os sites passam dificuldade. O brasileiro é muito desconfiado, a tendência é doar para algo que conheça e que seja próximo de sua realidade – afirma Dennis. – Ele prefere investir numa obra assistencialista perto de casa, onde possa ver o resultado, do que em algo que gera mais impacto mas ocorre em um local distante.

Para o especialista, falta um discurso de prioridades no caso dos financiamentos coletivos para evitar os casos bizarros:

– Fica tudo no mesmo limbo, do cara que queria fazer uma salada de batata (e conseguiu US$ 53 mil nos EUA) até um projeto que leva água para uma população carente. Quando não se distingue, o escárnio tem mais força que a ação séria.

Ariel Tomaspolski, um dos fundadores do site de colaboração Juntos, afirma que é necessário selecionar os projetos para que o usuário tenha confiança:

– Fazemos uma curadoria. Pedimos uma documentação básica como CNPJ, certidão negativa estadual e federal, balanço financeiro e outros documentos que mostrem que o dinheiro vai para um projeto idôneo. É a nossa forma de mostrar transparência.

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Raphael Kapa, do Globo