Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Fórum Mundial debate o futuro da internet

O Fórum Mundial de Economia, entidade privada suíça que organiza o famoso encontro de Davos todo ano, lançará nesta quinta-feira uma iniciativa chamada NetMundial, que já começa com polêmica no Brasil, um dos impulsionadores de uma nova governança na internet.

O Fórum informa que vai liderar a iniciativa em conjunto com a Icann (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers) e principais partes interessadas de governos, academia e sociedade civil para desenhar e fornecer uma nova arquitetura da governança global para a rede mundial de computadores.

O Fórum Mundial de Economia será a plataforma da iniciativa para apoiar “a evolução de uma governança mais aberta, participativa, estável e efetiva, que melhore confiança e reflita a velocidade e a natureza transacional da internet.”

Fadi Chehade, CEO da Icann; Thomas Hendrik Ilves, presidente da Estônia; Virgílio Almeida, secretário de tecnologia da informação do Ministério de Ciência e Tecnologia do Brasil, e Klaus Schwab, presidente do Forum, vão fornecer detalhes da iniciativa amanhã [quinta, 28/8].

Neutralidade

Segundo o Fórum, a NetMundial – Encontro Multissetorial Global Sobre o Futuro da Governança da Internet –, realizada em abril do ano passado, em São Paulo, foi histórica e reconhece seus resultados.

Mas Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, afirma que o anúncio do Fórum de Davos causou mal estar na sociedade civil brasileira, na academia e também dentro de setores do governo.

“A razão principal foi o vazamento na internet de supostos documentos sobre a iniciativa, com os objetivos e a lista de participantes. A impressão inicial foi de que a iniciativa se apropriava da força política mobilizada pela NetMundial brasileira, sem no entanto envolver nem o país propriamente, nem a pluralidade de setores que levaram a sua criação”, disse Lemos.

Com relação a essa nova iniciativa, Lemos estima que seus objetivos e métodos ainda não estão claramente definidos. A NetMundial brasileira possuía um objetivo claro de elaborar um documento de consenso sobre a governança da internet. Já a nova NetMundial ainda precisa dizer claramente a que veio e quem participará. “A questão é saber claramente quais são os objetivos da iniciativa, seu método de tomada de decisões e representatividade com relação à participação de países emergentes e em desenvolvimento”, afirmou.

Na NetMundial, em São Paulo, apesar da pressão do governo brasileiro, a neutralidade da rede foi deixada de fora do texto final do encontro e até mesmo se foi mantida a definição de internet como uma rede de arquitetura aberta.

O tema ficou para ser discutido em outros fóruns, junto com a definição dos papéis de cada ator na questão da governança da internet e outros aspectos. A neutralidade de rede significa que os dados que trafegam pela internet têm que ser tratados igualmente pelas operadoras. Isso significa, por exemplo, que um serviço de vídeo não pode ter uma velocidade mais alta que um site de notícias quando é acessado pelo internauta.

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Proposta do Fórum Mundial para web sairá em 5 meses

A.M. # reproduzido do Valor Econômico, 28/8/2014

O Fórum Econômico Mundial lançou ontem [quinta-feira, 28/8] sua iniciativa chamada “NetMundial’’, estabelecendo prazo de cinco meses para apresentar em Davos as primeiras recomendações para uma nova governança da rede mundial de computadores e evitar a fragmentação da web.

Klaus Schwab, presidente da entidade famosa por organizar o encontro anual da elite econômica e política global em Davos, deixou claro que sua ambição é tornar a iniciativa uma plataforma para definir uma nova arquitetura para essa governança.

Mas o presidente da Estônia, Toomas Hendrik Ilves, que comandou a primeira reunião com representantes de governos, academia, sociedade civil e empresas, observou que a nova instância não tem legitimidade para tomar decisões sobre esse assunto e só servirá para consultas e debates.

Os interesses em jogo são gigantescos, tanto econômicos como geopolíticos. A internet deve movimentar US$ 4,2 trilhões até 2016.

As revelações no caso Snowden, envolvendo a vigilância do governo dos Estados Unidos sobre a internet, abalaram a confiança na rede. Mais governos e entidades se conscientizaram da função essencial da web na evolução da sociedade e da economia mundial.

Sob a vigilância do Departamento de Comércio dos EUA, a Icann (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers) gera os endereços de conexão na Internet (endereço IP) e os nomes de domínio (como valor.com.br) em nível mundial.

Diante das reações internacionais, em março deste ano o governo americano admitiu renunciar ao seu papel de “supervisão”‘ da Icann para transferi-la a um mecanismo multisetorial global.

“Tomada de consciência”

O Fórum convidou 75 personalidades para a primeira reunião de sua iniciativa para desenhar eventualmente esse mecanismo. Desses, 19 eram americanos, 3 brasileiros e 2 chineses. Entre eles, estava o subsecretário de comércio dos Estados Unidos, Bruce Andrews.

Foi a Icann que se aproximou do Fórum Econômico para lançar a iniciativa ‘‘NetMundial’’, segundo um participante. Primeiro, procurou a Clinton Foundation, que recusou esse tema polêmico em vista da candidatura de Hillary Clinton à presidente dos EUA.

Com seu movimento defensivo, a Icann tenta garantir seu papel na gestão da internet, de um lado, e ao mesmo tempo, evitar o movimento em favor da atuação da União Internacional de Telecomunicações (UIT), que de toda maneira os EUA não aceitam.

No Brasil, a iniciativa do Fórum Econômico Mundial causou polêmica. O governo de Dilma Rousseff decidiu porém estar presente, por considerar que o país tem uma liderança na discussão sobre a governança da rede e também o exemplo de sua gestão.

Para o secretário para política de tecnologia da informação do Ministério da Ciência e Tecnologia, Virgílio Almeida, o que pode sair de Davos é uma organização multisetorial, altamente representativa, ou uma arquitetura usando entidade existente, para a internet.

“Para as empresas, o problema seria uma internet fragmentada, regulada em cada país’’, afirmou o presidente da Accenture, Pierre Nanterme. “Há uma tomada de consciência sobre necessidade de padrões para privacidade de dados, propriedade intelectual, direitos humanos etc.’’

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Icann será realmente global após setembro de 2015

A Icann (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers) será uma entidade realmente global depois de setembro de 2015, quando terá enfim rompido o contrato com o governo dos Estados Unidos, afirmou em entrevista ao Valor o presidente da entidade, Fadi Chehade.

A transição para um novo modelo está sendo negociado num comitê internacional de 30 pessoas, incluindo três representantes do Brasil. Mas Washington ainda dirá se aceita a mudança, em meio à reação de conservadores.

“Temos grupo de coordenação que representa todas as comunidades, de dentro e fora da Icann’’, afirmou Fadi. “O governo americano nos deixou a possibilidade de terminar o contrato com o Departamento de Comércio. A partir daí não teremos mais vínculo legal com o governo dos EUA.’’

Os EUA continuarão na Icann, como outros países, diz ele. Mas admite que os republicanos não estão contentes. “Existe essa ideia de que os EUA perdem seu papel na internet. Na verdade, o contrato com a Icann não dá controle particular aos Estados Unidos.”

A Icann dividiu sua sede em três cidades – Los Angeles, Istambul e Cingapura. E tem representantes agora em várias outras, incluindo São Paulo, adaptando-se ao novo modelo.

Mas Fadi deixa claro, com relação à iniciativa “Netmundial’’, lancada pelo Forum Economico Mundial, que a Icann quer basicamente continuar fazendo seu papel de responsabilidade pelo nomes, identificação IP de cada computador e parâmetros da rede. Todas as questões complementares, sobre segurança, privacidade de dados, proteção de crianças, direitos humanos, propriedade intelectual, deverão ir para outra entidade.

Para Fadi, o papel da Icann de controlar nomes e números na rede será ainda mais importante com a ampliação da chamada “internet das coisas”. (A.M.)

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Assis Moreira, do Valor Econômico, em Genebra