Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A imagem envelhecida de um mero prestador de serviço?

Acompanhei nas primeiras horas de 2015 uma discussão interessante em uma das páginas do Facebook acerca de um acontecimento que muitos julgaram inaceitável. A Rádio Globo do Rio de Janeiro fechou 2014, segundo contaram, tocando funk carioca nos seus 1220 AM, 98.1 FM e 89.5 FM. Ainda que compreenda que no canal 98.1 FM há bem pouco tempo tocava-se esse estilo musical em abundância, admito que não acompanhei a situação discutida.

A turma que travava as discussões sobre o episódio gosta muito de rádio, é inegável. Sobraram críticas para todos: para os diretores, para o coordenador, para o comunicador, para a produção unificada, para os Marinho, para o porteiro da rádio… Só não cornetaram a máquina do cafezinho que fica no corredor! “É do jogo”, a crítica faz parte desse negócio.

Pelo o que conheço de muitos dos descontentes, deduzo que uma rádio perfeita seria aquela dos anos 1980-90. Rádio de liderança, feita por medalhões, por gente que entendia do ofício e que não saiu de uma universidade e logrou êxito entrando nas empresas por um processo seletivo ou por conhecer A ou B. Os indignados acusam que hoje exista uma “ditadura musical” no segmento e flagram que existe uma clara perda de identidade.

Pergunto a você que me lê: por acaso já parou para pensar que as grandes rádios do mundo inteiro estão mudando? Percebe na sua família que a maioria dos jovens não sabe sequer que existe uma Rádio Globo, uma Tupi, uma Itatiaia, uma Gaúcha, uma Bandeirantes? Desculpem os mais saudosistas (com os quais compartilho de muitas opiniões), mas o comportamento do público está mudando radicalmente. Não se pode fazer rádio sem pensar em internet, sem considerar o público que se quer atingir. Não é necessário dizer que existem hoje emissoras de grande audiência que sequer falam de e-mail no ar, ignorando que o mundo já se transformou. Que não sabem articular de forma decente o próprio site nem sabem honrar a sua própria marca e história.

Meio sedutor

Cabe lembrar aqui o quão envelhecido é os público das rádios Nacional (Rio de Janeiro), Guaíba (Porto Alegre) e até Bandeirantes (São Paulo), por exemplo. A última delas se dá ao luxo de pagar o maior salário do país a um locutor esportivo e continua fazendo o mesmo rádio praticado 10 anos atrás no maior mercado publicitário do país.

Até quando poderemos ignorar que o público das rádios tradicionais está envelhecendo? Que está sendo criado um abismo entre o veículo rádio e as pessoas do mundo real, a massa que não aparece de verdade nos números da Meca chamada Ibope… Podemos ignorar o fato de que a Globo tem hoje o site de rádio mais acessado do país? Site este que está no atual patamar também por causa do tão criticado projeto de rede, aquele que alguns dizem ter sido criado por Satanás. Projeto este que chegou a ser elogiado, ainda que haja ressalvas a respeito.

O rádio continuará reproduzindo a imagem envelhecida de si próprio? Continuará o rádio ignorando que existe uma parcela significativa de pessoas que não lhe dão mais a menor importância nas faixas vespertina e noturna? Por acaso vamos ignorar que há anunciantes que já não enxergam o rádio como um meio sedutor para atingir o público e que a internet já supera inclusive a TV? Será que o “rádio falado” do futuro deverá se limitar a ser mero prestador de serviço?

São discussões interessantes. E a equação é complexa.

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Sergio Solon Santos é jornalista