Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A Anatel e os interesses da sociedade

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) está se afastando da sua missão de implementar políticas públicas. Criada em 1997 para promover o desenvolvimento do setor com serviços eficientes e adequados, defendendo os interesses da sociedade, a Agência está focada no mercado, segundo José Zunga Alves de Lima, representante da sociedade civil no seu Conselho Diretor. Trabalhador do setor de telecomunicações há 30 anos, Zunga considera que a agência atua hoje de forma equivocada. Ele já foi presidente da CUT-DF e da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel). É fundador do Instituto Observatório Social de Telecomunicações (IOST).

Em entrevista para o e-Fórum, Zunga defende a descriminalização das rádios comunitárias e considera que a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) pressiona a Anatel manobrando a opinião pública – quando justamente a Agência é que deveria traduzir a opinião pública e os interesses da sociedade, no que diz respeito à sua área.

Para o conselheiro, o governo federal errou ao deixar a Anatel e o Ministério da Justiça fora do Grupo Interministerial que estudará um novo marco regulatório das comunicações brasileiras. Ele reclama a correção desse erro. Leia a seguir.

Consulta sem consultar conselheiros

O governo criou um Grupo Interministerial para estudar o marco regulatório da comunicação e não incluiu a Anatel. Isso significa que está fazendo uma avaliação negativa sobre o modelo de agente normativo e regulador das telecomunicações representado pela Agência?

José Zunga Alves de Lima – Acho que não. Eu entendo que a linha atual do governo é de reconhecimento da eficácia do instrumento regulatório. Não só do setor de comunicações, mas de todas as agências regulatórias. O governo vem trabalhando no sentido de fortalecer o órgão regulador nas suas ações setoriais, tanto no caráter orçamentário, quanto na indicação de seus quadros.

Pontualmente, no que diz respeito às telecomunicações, no momento em que se trata da revisão do marco regulatório, podemos fazer um parêntese aí do que é a Anatel hoje. A Anatel tem se distanciado do caráter de política pública em benefício da sociedade nos últimos 10 anos. Na medida em que a Anatel se pauta pela sua lentidão no processo regulatório, por decisões que não são eficazes ao benefício do usuário direto, como metas de competitividade e condições para a entrada de novos competidores, ela se distancia.

Observando politicamente a Anatel, como ela funciona hoje, o seu quadro fragmentado interno mostra também que a interlocução de dentro para fora da agência está totalmente prejudicada. Observe que recentemente, no mesmo mês em que o governo lançou o grupo de trabalho interministerial, a Anatel, através de sua presidência (o presidente da Anatel é Ronaldo Mota Sardenberg), fez uma consulta para reestruturação da agência, num ato monocrático, sem sequer consultar os demais conselheiros, rompendo o caráter colegiado do órgão regulador. Entendo que isso é extremamente antidemocrático e fere a ética da gestão participativa.

Um fosso de interlocução com a sociedade

E como resposta a essa ação da Anatel, o que o governo faz? Repreende?

J.Z.A.L. – Não, porque estamos tratando de um órgão que tem independência do Executivo na sua configuração. Os órgãos reguladores são instrumentos de Estado, mas não diretamente ligados ao Executivo. Têm certa independência, embora seja o Executivo que nomeie através de sabatina no Senado, os membros do Conselho Diretor. Mas isso, por si só, não garante que a política pública pensada pelo governo seja implementada numa rapidez que gere benefício social.

Por isso é que vemos, ultimamente, uma série de manifestações de outros segmentos do governo, como, por exemplo, a Justiça Federal, que tem, repetidas vezes, interferido no processo regulatório com ações, em função da lentidão do órgão regulador.

A Anatel precisa passar por um choque de realidade. Acho que as características atuais do Conselho Diretor prejudicam esse processo. Diferentemente do Conselho Consultivo, que abre o seu processo de funcionamento e se aproxima da sociedade, o Conselho Diretor faz exatamente o inverso, aumentando o fosso da interlocução com a sociedade.

Relatório rejeitado por incompetência

Mas o relatório anual de atividades da Anatel, de 2009, foi recentemente aprovado pelo Conselho Consultivo.

J.Z.A.L. – Foi aprovado com ressalvas extremamente críticas, por unanimidade do Conselho Consultivo (CC). Mas a peça da Anatel sofreu uma grande mudança – é claro que nisso pesou muito a decisão do CC, no ano passado, de rejeitar o relatório de 2008. Hoje, a Anatel apresenta as suas ações, em seu documento, de uma forma mais transparente.

No entanto, quando nós [CC] listamos as ressalvas, elas são as mesmas que fazemos historicamente, relativas ao distanciamento, mecanismos ineficazes, mecanismos de sanção com caráter protelatório em benefício ao irregular, que maltratam o usuário que justamente deveria ser alvo de benefício. O CC listou uma série de elementos críticos e o relatório do conselheiro Israel Bayma constrói essa linha, observando uma série de erros (o relatório está em fase final de redação e será disponibilizado após sua entrega na Anatel).

Por que o relatório anterior foi rejeitado?

J.Z.A.L. – No ano passado, a rejeição do relatório tinha como pilar todas essas limitações que estamos enumerando agora e ainda o agravante da manifestação do TCU (Tribunal de Contas da União), que fez uma série de solicitações de comunicação de informação porque também recebeu o documento pela metade.

Então, nós, do Conselho Consultivo, que é uma peça de controle da sociedade dentro da Anatel, o rejeitamos pela forma incompetente como a Agência preparou o documento e o encaminhou ao CC e aos órgão externos, que são o Tribunal de Contas da União, a Controladoria Geral da União e a Advocacia Geral da União.

Autoritário e antiético

Qual foi o resultado disso?

J.Z.A.L. – O efeito de sanção é mais político do que jurídico. O CC é um organismo político. O Relatório 2008 passa a ser uma peça de observação especial pelos órgãos de controle externos. Fica constando nos anais da Anatel que na análise desse documento houve rejeição por parte do CC. Ao aprovar o relatório, este ano, aprovamos a letra fria porque o relatório veio completo. No entanto, na análise política, que é subjetiva, nós enumeramos uma série de ressalvas.

Então vocês concluíram que a Anatel não cumpriu o seu papel?

J.Z.A.L. – Ela começou a avançar, inclusive pelas pressões externas, mas ainda precisa avançar muito mais. Esse exemplo do presidente da Anatel, que na semana passada pediu ao Ministério das Comunicações para iniciar a reestruturação da agência sem sequer consultar os conselheiros, mostra que, a seguir nesse ritmo, ela caminha para trás porque cria um clima interno de desconforto. Ele foi autoritário e antiético. Isso só aumenta a crise interna de gestão.

A discriminalização das rádios comunitárias

São procedentes as críticas de que a Anatel defende as telecoms?

J.Z.A.L. – Acho que a Anatel precisa defender a sociedade. Enquanto ela tiver a agenda focada no mercado e não fizer o equilíbrio, estará equivocada. A Agência precisa preparar o processo de competição, o ingresso de novos competidores, com busca da melhoria da qualidade de serviços. Enquanto isso não acontece, ela passa a ser um órgão de regulação das empresas instaladas, e não reguladora de mercado. Quando se observa que a quantidade de reclamações dos usuários aumenta cada vez mais, a sociedade está descontente e o órgão regulador parece concordar com isso, é porque alguma coisa está errada.

E quanto às denúncias de que a Anatel fiscaliza as rádios comunitárias, e não as comerciais?

J.Z.A.L. – Realizamos, até por iniciativa minha, dentro do Conselho Consultivo, duas audiências públicas, inclusive ouvindo a Abraço (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária), e na linha do projeto de lei que tramita no Congresso Nacional, de descriminalização das rádios comunitárias (o PL está tramitando na Câmara Federal). E também acolhendo resoluções da Confecom, estamos tentando melhorar este caráter. Acho que a ação de polícia da Anatel em relação às rádios comunitárias é um tratamento diferenciado de outros segmentos que também cometem irregularidades. Não devemos pedir ao órgão que feche os olhos às irregularidades, mas não pode dar tratamento diferenciado e agir com poder de polícia. Estamos falando de um serviço a favor da sociedade e a Anatel não deve comparecer com força policial, com a Polícia Federal para lacrar uma rádio comunitária, quando não o faz contra uma empresa de radiodifusão vinculada à Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), por exemplo.

Então, é uma ação descriminalizadora. Acho que a Abert, por estar dentro dos órgãos de comunicação, acaba exercendo um poder de opinião pública muito forte na Anatel. Isso é equivocado porque a Anatel é a opinião pública propriamente dita, dos interesses da sociedade. E nós defendemos que o processo de descriminalização das rádios comunitárias seja aprovado urgentemente pelo Congresso Nacional e temos que trabalhar para isso. No Conselho Consultivo, estamos criando um grupo de trabalho que vai preparar, dentro de uma análise que é o projeto de lei das resoluções da Confecom, uma série de sugestões ao Conselho Diretor sobre a discriminalização das rádios comunitárias.

O governo errou

Os números relativos à repressão às comunitárias estão nos relatórios da Anatel?

J.Z.A.L. – Na audiência pública, foi tratada uma série de denúncias feitas pela Abraço relativas à postura da Anatel frente à fiscalização das rádios comunitárias. Todas as denúncias estão sendo observadas, inclusive aquelas em que o fiscal comparece a uma determinada rádio já acompanhado da polícia e determinada televisão, já filmando tudo. Ou então, quando a fiscalização comparece com suposto patrocínio de empresas de comunicação, a determinado local. Estamos aguardando um parecer da Anatel, se são procedentes ou não essas denúncias. Os números que a Abraço coloca são preocupantes. Há uma criminalização e isso deve ser abominado, transformado em coisa do passado. Temos que tratar a radiodifusão comunitária como um serviço de relevante interesse social e o tratamento, dentro do marco regulatório, deve ser tão respeitoso quanto o que é dado às demais empresas outorgadas e autorizadas que estão operando no setor.

Na sua opinião, a Anatel deveria fazer parte do grupo interministerial para o marco regulatório?

J.Z.A.L. – Eu sugeri ao CC que não só a Anatel, como também o Ministério da Justiça, em função desse projeto de descriminalização das rádios comunitárias, fossem convidados a compor o GT. Acho que construir uma revisão do marco regulatório sem incluir esses organismos pode fragilizar as suas resoluções. Penso que o governo errou quando criou esse grupo excluindo esses elementos. O Ministério da Justiça tem a tarefa de fiscalizar e até poder de polícia em determinadas situações, e também tem caráter social; e a Anatel, que tem o papel regulador e de fiscalização. Acho que isso precisa ser corrigido.

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Da Redação FNDC