Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A batalha da comunicação

A Venezuela é um pequeno país na ponta norte da América do Sul que tem 23 estados, um distrito-capital e outras dependências federais compostas por 311 ilhas médias e pequenas. No ano de 2000 sua população foi contabilizada em 24 milhões e 390 mil habitantes, sendo que 93% vivem na zona urbana, com apenas 7% na zona rural. Espaço mítico, terra de Simon Bolívar, é hoje protagonista de uma virada histórica. Vive, depois da eleição de Hugo Chávez Frías, em 1998, o que se configurou chamar de ‘revolução bolivariana’. Um revolver de todos os conceitos, uma guerra sem armas de fogo, feita no voto e na radicalização da democracia. Uma provocação insuportável para os donos do mundo, sediados nos EUA.

Por causa disso, dizem alguns analistas que Washington está preparando Gustavo Cisneros para enfrentar Hugo Chávez nas próximas eleições presidenciais do país. Isso pode até não ser verdade, mas uma coisa é fato: há uma tremenda batalha sendo travada hoje nas impressoras, nas ruas, nos bairros e nas ondas do ar do país. E a arma principal é a comunicação. Cisneros é um multimilionário dono da maior rede de televisão da Venezuela, a Venevisión, e de tantos outros veículos de informação. Foi a partir deste conglomerado midiático que ele impulsionou o golpe de 11 de abril de 2002 contra Chávez.

Aos 58 anos, Cisneros, que nasceu em Cuba, é um dos homens mais ricos da América do Sul, com uma fortuna estimada em quase 5 bilhões de dólares. É o maior acionista da Univisión, a principal cadeia de televisão de fala espanhola nos Estados Unidos, está associado à America Online, controla a Direct TV na Venezuela, disponibilizando 144 canais que chegam a 100 mil casas, e tem o comando da Playboy TV Latin America. Além disso, ainda é dono de canais de televisão no Chile, na Colômbia e no Caribe, tendo participação decisiva ainda nas áreas de internet, rádio e imprensa.

Mas os negócios do milionário não ficam só na área da comunicação. Ele é dono de uma empresa de bebidas, distribuidora da Coca-Cola, com mais de 70 companhias em 40 países. Opera em Porto Rico por meio de uma cadeia de supermercados, possui ações de um clube de beisebol e é dono de uma distribuidora de artigos para crianças. Integra o Diretório da Sociedade de Arte dos Estados Unidos e maneja uma rede de negócios mundializados, a Dialogos de Negócios Globales. Passa os fins de semana na República Dominicana, pilota seu próprio avião e faz parte da American Society, uma espécie de ONG que informa aos Estados Unidos sobre as sociedades e a cultura do hemisfério ocidental.

Obsessão comunicacional

É certo que Cisneros não é o único a mandar na comunicação do país, há ainda uma meia dúzia de empresários, mas todos seguem o mesmo diapasão: satanizar o presidente Chávez. Foi assim no pré-golpe e continua sendo. Basta uma olhadela nos principais diários digitais do país. Para se ter uma idéia, até hoje os jornais insistem em que o processo que referendou o mandato de Chávez foi fraudado, mesmo depois de os próprios observadores estadunidenses terem atestado a sua lisura.

No livro Um hombre, um pueblo, a jornalista cubana Marta Harnecker entrevista Chávez e ele é enfático em dizer que o poder da mídia é demolidor na Venezuela e, por isso, a meta de seu governo é avançar e consolidar espaços de comunicação. ‘Não falam [os jornais e TVs] das escolas que agora oferecem espaços para que as crianças dancem, joguem, pensem e estudem. Temos construído centros culturais comunitários nos povoados, nos bairros, onde instalamos pontos de internet gratuita.’ Tudo isso na tentativa de oferecer mais espaços para a comunicação alternativa.

Passado o sufoco do golpe de 2002, Chávez foi tomado do que chama de ‘obsessão comunicacional’. Tudo o que o governo faz ele manda que filmem, registrem, divulguem, pois os meios ‘normais’ não fazem a menor questão de mostrar o que está sendo feito de bom. ‘Temos um plano de moradia para a classe média, casas populares, mas cadê a divulgação? Não há. Tanto que estamos pensando em lançar dois jornais para informar o que estamos fazendo.’ Na verdade, passados dois anos da entrevista, os jornais ainda não vingaram mas, em compensação, avançou, e muito, o volume da circulação do jornalismo marcadamente popular.

Os nanicos

Durante os dias do golpe, em 2002, em que Chávez ficou preso e o empresário Pedro Carmona assumiu a presidência, a reação popular foi grandiosa. Boa parte da resistência se fez nas ruas dos bairros pobres e através da comunicação alternativa. Toda a mídia oficial privada fervia de alegria pelo golpe. Até mesmo a televisão estatal, que estava sob o controle do governo, foi tomada pelos golpistas e passou a retransmitir no mesmo tom das empresas privadas. Foram os panfletos populares, as rádios comunitárias, a imprensa alternativa que fizeram a diferença ao difundir a informação real do que se passava nas entranhas do poder. Foi inclusive uma rádio comunitária a primeira a divulgar que Chávez não havia renunciado, dando mais ânimo ao povo para resistir em frente ao palácio, exigindo a volta do presidente, preso pelos golpistas.

Retomada a normalidade, a vida dos chamados alternativos, na Venezuela, fervilhou. Só na capital, Caracas, o número de jornais populares passou de 100. Foi naqueles dias que nasceu a mais emblemática – no conceito governamental – televisão comunitária, a Catia TV. A emissora, que começou abrangendo apenas o setor oeste da capital, em 2004 já chegou a todos os cantos da cidade, com 80% da programação criada e comandada pela comunidade. Em todo o país já são 10 emissoras comunitárias irradiando informação alternativa, fora do eixo privado. Além disso, há uma série de equipes de televisão independentes que produzem programas para serem transmitidos pelas comunitárias, tendo a preocupação de levar um olhar popular.

Com o passar dos meses, muitos periódicos foram morrendo – haviam cumprido seu papel – mas, mesmo assim, ainda perduram 40 jornais populares só na capital. As rádios comunitárias seguem nascendo e o governo tem apostado muito nelas. Até agora, 153 emissoras foram legalizadas pelo Conselho Nacional de Comunicação, e a fila de espera é grande. ‘Temos incentivado os grupos que têm interesse em difundir a informação no país’, diz Iván Gil, diretor-geral dos Meios Alternativos e Comunitários do Ministério das Comunicações. Ele afirma que o governo bolivariano tem impulsionado, e muito, a criação de novos veículos. Há uma política pública de incentivo que se expressa em oficinas de formação e apoio aos jovens interessados em fazer comunicação popular.

Segundo Iván Gil, o processo de distribuição das verbas para o setor de comunicação é discutido e decidido pelas comunidades onde os veículos estão instalados. São feitas assembléias e nelas se decide quem vai receber verba e quanto. Tudo isso baseado na demonstração efetiva do trabalho que o veículo desenvolve no seu dia-a-dia. ‘O que temos de recursos são 5 milhões de bolívares, e é para a estrutura dos veículos de comunicação. Mas, quem decide para onde o dinheiro vai é a comunidade’, assegura Gil.

O Infomovil

Já nos periódicos impressos, o governo investe com verbas publicitárias. Os organismos estatais acabam investindo com mais força nos alternativos, o que é uma forma de viabilizá-los. ‘A proposta do governo é apoiar os meios, com verbas de publicidade, cursos de capacitação ou aportes para as associações nacionais. O ministério abre editais para projetos de comunicação e os grupos apresentam idéias. Tudo o que surge vem das comunidades, depois de muita discussão, e é na discussão que tudo é decidido.’

Outra frente importante na batalha da comunicação é a rede mundial de computadores. Basta clicar Venezuela nos sítios de busca e lá vem a enxurrada de páginas, grande parte criada por jovens integrantes da missões bolivarianas ou grupos de comunicação popular. São criativas, ousadas, divertidas, profundas, instigadoras, questionadoras. O governo tem investido pesado nisso. Todas as semanas há cursos de capacitação. As escolas estão sendo dotadas de computadores e as associações de bairros também. Um órgão específico do governo, ligado à informática, está viabilizando o projeto dos Infocentros, que deverão ser grandes centros informáticos, construídos nos bairros, com muito mais pontos de internet.

Também há o Infomovil, um caminhão equipado com internet via satélite, que percorre os bairros ainda não conectados na rede, viabilizando o acesso a muito mais gente. É a maneira que o governo encontrou para ligar as comunidades pobres ao mundo, e o mundo a elas. Criando a própria informação, as comunidades trocam experiências e fogem do domínio dos grandes meios. Os portais (www.antiescualidos.com) ou (www.aporrea.org), por exemplo, são férteis em informações e deles se espraiam enlaces múltiplos que mostram a cara jovem, comunitária e popular da Venezuela bolivariana.

Os veículos estatais

A obsessão comunicacional do presidente também tem provocado mudanças significativas na comunicação estatal. Até pouco depois do golpe havia apenas um canal de televisão sob controle do governo, a Venezuelana de Televisión. A emissora, nascida em 1964, só passou a ser estatal dez anos depois e, atualmente, tenta cobrir todo o território nacional recuperando o sinal em estados onde havia problemas técnicos.

A VTV deixa claro a toda a nação que trabalha com os seguintes objetivos: promover a imagem e as instituições da República Bolivariana em todo o mundo; ser um meio de difusão da política exterior da República, partindo de seus princípios constitucionais; impulsionar, a partir de seus conteúdos, a democracia participativa, os direitos humanos, a liberdade de expressão, de informação, e a integração inspirada nos ideais bolivarianos; criar e divulgar informação que contribua para a educação e orientação de um maior número de seguidores; consolidar a memória histórica da República Bolivariana da Venezuela.

A Venezuelana de Televisión, além de toda a comunicação do governo com seu povo, traz programas culturais de recuperação da identidade nacional e programas comunitários nos quais são as gentes do povo os sujeitos da história. Tudo isso pode ser visto, inclusive, pela internet, ao vivo, o tempo todo. O sítio (www.vtv.gov.ve) tem notícias diárias, programação e outros enlaces para acessar informações sobre o governo bolivariano.

Tempo da lentidão

Em novembro de 2003, outra rede estatal de televisão foi inaugurada, a Vive. Mas, esta, tem caráter eminentemente popular e comunitário. Não se preocupa muito – como a outra – em entrar na lógica de responder aos ataques das demais redes televisivas privadas, via jornalismo. Conforme artigo de Renaud Lambert, à disposição na página do canal (www.vive.gov.ve), este é um canal emblemático do processo bolivariano porque participa da construção da nova identidade-cidadã, baseada na recuperação da dignidade dos excluídos do ‘antigo regime’.

Na Vive, os personagens não são unicamente os brancos, bem vestidos, que, nas novelas, sofrem por angústias de amor frustrado, como os que aparecem nas redes privadas. Ali, na TV comunitária, fala-se de reforma agrária, de programas de alfabetização, de acesso à saúde, e os que falam não são unicamente os ministros, especialistas, catedráticos. São as pessoas mesmas, da vida real, dos bairros, os que nunca apareciam na TV a não ser na crônica policial ou quando vítimas de catástrofes. Os personagens são os motoristas de táxi, os vendedores indígenas e as mulheres negras.

Numa rápida comparação entre as TV privadas e as públicas, diz o articulista francês: ‘Falam as duas do mesmo país?’ Segundo Lambert, as redes privadas falam dos interesses das oligarquias, dos que sempre mandaram na vida do povo. Enquanto a TV comunitária e a estatal falam da vida mesma, das comunidades que andavam excluídas da dignidade e que agora encontram um meio legítimo onde se expressar, fazendo sua parte na construção de um novo país.

Na Vive TV o tempo é o da lentidão, como diria o geógrafo Milton Santos (1926-2001). Nos programas, a prioridade é para o debate das idéias. Os músicos e artistas que se apresentam não têm necessariamente discos a vender, obras para promover. Vão apresentar seu trabalho, conversar sobre a vida, a arte, a beleza, compartilhar experiências. Ali, apenas 40% da programação são produzidos pela própria TV, pois há a idéia de que é preciso incentivar a produção independente, plural, que, na Vive, acaba tendo seu espaço de expressão.

Sem retórica

Outro espaço de comunicação estatal é a Venpres, agência oficial de notícias do governo. Tem 70 repórteres e correspondentes nas principais cidades do país prontos para noticiar os acontecimentos nacionais e regionais. Também difunde, em parceria com outras agências internacionais, o fazer do governo venezuelano para todas as paragens do mundo. Atua no rádio, na televisão, na imprensa e na internet. Sua página na rede mundial (www.venpres.gov.ve) tem notícias minuto a minuto. Faz o que chama de testemunhos, que são crônicas da história venezuelana e grandes reportagens que buscam dar uma visão universal da vida no país, não se resumindo a meros informes do que o governo faz ou deixa de fazer.

Nas onda do ar está a Rádio Nacional da Venezuela (www.rnv.gov.ve), também um veículo estatal. No ar 24 horas, ela é o veículo mais importante, visto que pode chegar a qualquer cantinho do país, sempre com notícias atualizadas sobre a vida do país. A programação também pode ser ouvida pela internet, ao vivo, e a rádio tem a sua página, com notícias atualizadas durante todo o dia. A exemplo das TVs públicas, a Rádio Nacional também prioriza a expressão das comunidades. Durante a programação são debatidos os temas mais importantes para a população, sempre com a participação dos especialistas governamentais e as gentes do povo.

Na Venezuela, a expressão livre não é retórica. Está respaldada na Constituição de 1999, que estabeleceu o direito à comunicação como um dos elementos cruciais da democracia participativa. ‘A criação cultural é livre. Esta liberdade compreende o direito de produção, de investimento e difusão das obras criadoras, científicas, técnicas, humanísticas, e inclui a proteção legal dos direitos de autor, homem e mulher, sobre suas obras…’ A comunicação é tão livre que, até agora, as redes privadas, que fazem oposição feroz e, por vezes, desonesta, também têm assegurado o seu direito de atuar.

Uma singularidade presidencial

No contexto da informação estatal, um programa é, sem dúvida, o maior destaque. É o Alô presidente, conduzido pelo próprio Chávez. É transmitido pela TV e pelo rádio – são mais de 100 emissoras ligadas em tempo real – e chega a durar até sete horas, dependendo da dinâmica. A fórmula é simples. O presidente se instala, a cada domingo, com sua comitiva, em alguma praça de qualquer cidade da Venezuela. Dali, Chávez fala com o povo, atende pedidos, entrevista pessoas, apresenta vídeos sobre algum aspecto da vida venezuelana ou sobre alguma problemática que precise ser debatida, responde chamadas telefônicas. Com a desenvoltura de quem é locutor profissional – há mais de 15 anos ele atua em rádio – o presidente fala de política, trabalha a consciência da população, dá boas notícias sobre seu governo, faz uma espécie de escola popular. Ao mesmo tempo em que esbraveja contra os meios de comunicação que chama de ‘golpistas’, traz autores como Aristóteles, Bolívar, Simón Rodriguez e Marx.

A idéia de um programa que fizesse esse contato direto com a população, aproveitando o carisma da figura presidencial, foi da equipe que trabalhou na campanha eleitoral. No início, começou a ser realizado num estúdio, no Palácio Miraflores, mas, naquele espaço, não havia como comportar a participação do povo. ‘Havia pouco calor humano, então, decidi andar pelo país ‘, conta Chávez à jornalista Marta Harnecker. Assim, o programa passou a ser realizado nas praças, com a presença das gentes. É uma maratona, pois o presidente acaba não tendo muito tempo para descansar. Mas Chávez diz que não se importa. ‘Eu não me canso e sinto que o povo gosta.’

Isso também parece ser fato. Apesar da longa duração, a audiência é grande, tanto que em pouco tempo foi levado também à televisão (no início era só no rádio). No Brasil, um canal comunitário em Brasília transmite ao vivo o Alô Presidente e, quem tem acesso à internet também pode ouvir, seja no sítio da Rádio Nacional ou no da TV estatal. Na Venezuela, durante a semana, há uma reprise condensada de uma hora, também com muito boa audiência.

No mês de novembro de 2004, devido a várias viagens internacionais do presidente, o programa saiu do ar e o ministro das Comunicações, Andrés Izarra, teve que ir à mídia dizer que o programa não vai acabar. Segundo ele, a interrupção é apenas temporária, visto que o presidente precisa se ausentar e é ele o condutor. A população sente falta da presença calorosa de Chávez e pede a sua volta à TV. Cartas, escritas de vários países, circulam na internet pedindo que essa forma de comunicação direta não seja interrompida. O ministro Izarra tem deixado claro em suas falas que o programa é uma das principais ferramentas comunicacionais do processo bolivariano, que é um fator de orientação, direção e de difusão da informação e, justamente por isso, vai marcar a nova etapa estratégica que está sendo preparada para as comunicações na Venezuela. ‘Não vai acabar’, garante.

Por outro lado, o terror começou a agir no país a partir do fim de novembro de 2004, quando um atentado a bomba matou o promotor Danilo Anderson, principal investigador da ação golpista de abril de 2002. Como o programa Alô presidente é transmitido sempre direto de alguma praça ou local aberto, não vai parecer estranho que as coisas mudem. Circulam boatos de que o presidente seria o mais novo alvo no chamado ‘eixo do mal’ inventado pelos estadunidense.

Uma nova lei para a comunicação

Apesar do bombardeio que os meios privados fazem do governo Chávez, aparentemente não se pode falar em censura ou qualquer outra ação que impeça a livre expressão da oposição. Os jornais seguem fazendo ataques, a televisão também. A resposta governamental tem sido trabalhar estrategicamente para fortalecer a comunicação feita pela população, nos veículos alternativos ou nos espaços estatais. De qualquer forma, já assoma uma crítica, dita revolucionária, por parte de diversos núcleos organizados – basta dar uma vista d’olhos nas páginas de comunicação alternativa – no país, contra o que chamam de ‘atuação desonesta das mídias privadas’.

Há uma exigência de que a Constituição seja cumprida e, na Venezuela, não há nada que o povo preze mais do que a sua Carta Magna. Nela está explícito: ‘A comunicação é livre e deve ser objetiva, oportuna e sobretudo veraz.’ E veracidade, dizem, é o que menos se vê nas redes dominadas pela elite do país.

Por causa dessa pressão, o Ministério das Comunicações, juntamente com representantes do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes, a Defensoria do Povo e a Comissão Nacional de Telecomunicações, instalou uma mesa técnica que se encarregará, diante da Assembléia Nacional, de abrir o diálogo e iniciar a discussão sobre uma lei específica – Lei de Responsabilidade Social de Rádio e TV – que regulará o conteúdo e os horários de programação dos meios de comunicação audiovisuais venezuelanos.

Segundo o ministro Andrés Izarra, a intenção da lei não é tirar do ar os programas existentes, mas sim regular seu conteúdo. Sua proposta é fazer um grande debate nacional formando e informando o povo sobre o projeto, desmistificando os falsos argumentos, combatendo a desinformação e as meias-verdades. ‘Vamos ouvir todas as partes, mas vamos defender e impulsionar essa lei que busca única e exclusivamente fortalecer a democracia participativa e protagônica, melhorando o acesso do povo à comunicação de massa’, diz, num informe de seu ministério, na página da internet (www.minci.gov.ve).

O governo venezuelano tem claro que o espectro radioelétrico é de propriedade do Estado e de todos os venezuelanos e, como estabelece a Constituição, os donos dos veículos apenas têm a concessão sobre um espaço que é público, que é um bem coletivo de toda a gente. Assim, entende que a regulação não é um capricho, muito menos parte de um projeto ideológico totalitário. É, isto sim, um direito coletivo sobre os bens públicos e uma obrigação do Estado.

O assunto está em debate e deve ser levado à Assembléia Nacional assim que a população estiver inteirada do tema e puder discuti-lo com profundidade. O próprio ministério tem promovido oficinas e discussões nas comunidades, nas universidades e demais instituições [a Lei de Responsabilidade Social foi aprovada no início de dezembro de 2004].

O sonho de uma comunicação bolivariana

Este pequeno apanhado da comunicação na Venezuela é um recorte parcial. A pesquisa de que se serviu foi, em grande parte, embasada em fontes secundárias. Houve entrevistas pessoais, mas as fontes foram do governo, portanto, também parciais. Não foi possível uma caminhada pelas cidades, ruas e bairros do país a ouvir as gentes que, por certo, trariam uma visão mais realista e universal do tema. Mas, de qualquer forma, na confissão da parcialidade reside a honestidade de um olhar que tentou, dentro de certas limitações, passar um pouco das transformações comunicacionais que acontecem hoje na Venezuela.

Seja como for, é inegável o número de veículos populares e livres que fermentam, na rede mundial de computadores, a visão de uma Venezuela onde o povo é capaz de ser protagonista de sua história.

E, na senda desse sonho, as gentes do país de Bolívar apresentam uma idéia nova para toda a América Latina. Feita a virada do jogo no seu próprio país, há o desejo de fazer com que todo o continente possa vir a ser protagonista também. Daí a proposta que vem sendo acalentada por Chávez, que é a da criação de um canal de televisão que unifique o sul do mundo. Seria o que chama de TV SUR, uma rede abrangendo todos os países da América Latina, com notícias e temáticas da gente real, criadas e difundidas pelas comunidades e tendo como base o contexto bolivariano de integração, ou seja, um encontro real entre os povos, não apenas no aspecto econômico/utilitário, como propõem as tantas idéias de integração que pipocam nas Américas, tais como o Mercosul ou a Alca.

A TV SUR quer o povo mesmo aparecendo na TV, na sua diversidade, na sua cultura plural, no seu brilho próprio. Quer o povo mesmo dando a direção, dando a linha, criando, sendo o ator principal. É um sonho, um sonho só. Mas que, aos poucos, vai incendiando as mentes em todo o continente. Uma rede sul-americana que possa ter uma influência comparável à al-Jazira no mundo árabe. Uma rede de comunicação comunitária popular. Um sonho só, que já não se sonha só. Caminha-se e… quem sabe? Basta que as gentes de toda a América do Sul se ponham a andar!

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Jornalista e educadora popular, mestre em Comunicação Social pela PUC-RS, integrante do Observatório Latino-Americano (OLA) e uma das coordenadoras gerais do Sindicato dos Trabalhadores da UFSC