Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A convergência, os paradigmas e a lei

A legislação brasileira que regula a comunicação não consegue mais dar conta de nossa realidade. E isso é quase um consenso absoluto entre pesquisadores, políticos, empresários e militantes da área. Esta constatação está forçando o surgimento de um amplo debate sobre o futuro das comunicações. Mas corremos o risco de ficar presos à mera superfície do tema, entre as disputas que opõem radiodifusores e empresas de telecomunicações, e não percebemos que, de fato, temos diante de nós a possibilidade de uma mudança muito maior.

As mudanças deveriam atingir os próprios paradigmas da comunicação. No mundo da convergência não faz mais sentido uma divisão entre radiodifusão e telecomunicações. Aliás, serviços como vídeo por IP e VoIP estão pondo em risco a própria idéia de que devem existir coisas separadas e estanques conhecidas como rádio, televisão e telefone, por exemplo.

Como regular um cenário tão complexo, garantindo que os grandes grupos transnacionais de comunicação (capazes de operar em todo este vasto cenário) não colocarão em risco o direito humano à comunicação?

A história que nos contaram durante décadas sobre os limites intransponíveis do espectro eletromagnético é outra das certezas que devem ser revistas. Práticas como o ‘espectro aberto’ – a reserva cada vez maior de partes do espectro para transmissões livres, que não necessitem de licença do governo – e tecnologias como o ‘rádio inteligente’ – rádio por software, capaz de ‘buscar’ a transmissão em diferentes freqüências e não ser meramente um receptor passivo – provam que talvez seja possível ampliar consideravelmente o espaço disponível, fazendo com que redes sem fio abertas e rádios comunitárias se tornem muito mais presentes no cotidiano de nosso futuro imediato.

Bem público

Por fim, como manter a lógica dos direitos autorais que tanto beneficiaram gravadores e estúdios de cinema em um mundo que coloca a possibilidade de cópia a apenas um clique de distância? No mundo que começa a aparecer diante de nossos olhos, ficará cada vez mais difícil dizer que o conhecimento dever ser uma mercadoria porque se trata de um bem raro e escasso.

A forma como vamos encarar estas questões e as soluções que nossa sociedade irá apresentar para estes problemas irão condicionar, em grande medida, o mundo em que viveremos.

De um lado, a possibilidade do controle exercido por poucas e gigantescas empresas, donas das redes por onde fluirá quase todo o conhecimento produzido por uma dada cultura. De outro lado, uma sociedade baseada na premissa da solidariedade e da colaboração, tratando a informação como um bem público e abundante e que, por isso mesmo, deve estar à disposição de todos e não apenas daqueles que podem pagar.

É uma utopia. E ainda assim, possível.

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Jornalista e autor, junto com João Brant, Kevin Werbach, Sérgio Amadeu da Silveira e Yochai Benkler, do livro Comunicação digital e a construção dos commons: redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação (Fundação Perseu Abramo)