Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A estratégia do guarda-chuva

O custo industrial do conversor digital-analógico para TV está estimado em 300 reais. Esta é a primeira projeção de custo real (com ou sem lucro industrial?) sem a ajuda de Papai Noel, calculado por uma grande empresa brasileira produtora de bens de consumo, proprietária das marcas Gradiente e Philco (no passado, Telefunken, Polivox, Quasar etc. etc.)

Além de custos adicionais de logística (transporte, armazenamento e distribuição), custos (e lucros) de revenda, custos de financiamento (quando um bem comprado em 12 meses pode dobrar o seu valor), há de se considerar que a arquitetura do SBTVD-T ainda não está totalmente delineada. E o trabalho dos pesquisadores brasileiros ainda não está concluído.

Esperamos que o conversor brasileiro não se reduza ao padrão nipo-japonês, mas a adequação do modelo às especificações tupiniquins vão encarecer o produto final. Alguém arrisca qual será o custo de compra do conversor quando chegar finalmente às lojas? Diferentemente da estratégia de vários países europeus (como Inglaterra e Itália), que partiram para um modelo ‘popular’ de TVD subsidiada, o qual beneficia imediatamente o público de baixa renda e permite uma transição rápida, partimos para o modelo ‘americano’ (embora o padrão seja japonês) de exploração comercial de uma novidade.

Grande concorrência

Mas afinal, no que se resume esse modelo de exploração comercial? Esse modelo é conhecido como ‘estratégia do guarda-chuva’. Quando um produto ‘sai do forno’, é lançado na categoria ‘de luxo’ e visa atingir o topo da pirâmide socioeconômica. Essa estratégia permite o rápido retorno dos investimentos aplicados no desenvolvimento da novidade. À medida que o mercado se satura em cada faixa, o produto sofre redução de custo (é ‘depenado’), a fim de que possa ser alcançado pelas faixas socioeconômicas menos favorecidas. Conclusão: o sentido do alvo de mercado vai do topo para a base da pirâmide social.

Bem, essa estratégia pode não dar tão certo quanto se pode esperar. Explico por quê: a TV aberta no Brasil é vista através de aparelhos populares de 14 a 20 polegadas, os quais são suficientes para exibir imagens em definição ‘padrão’ (como o sistema analógico PAL-M). O Centro de Pesquisas Tecnológicas de Campinas ouviu esse consumidor, a fim de saber o que era esperado da TV digital. Eis as principais expectativas: imagens sem chuvisco, fantasma e maior oferta de programação. Notar que quando a recepção é ‘chuviscada’, a TV digital já não funciona… Tudo indicava a opção européia, devidamente ‘tropicalizada’, o que acabou não acontecendo.

A ‘estratégia do guarda-chuva’ pode funcionar desta vez? Diferentemente do advento da TV em cores em 1972 , quando não havia aparelhos de videocassete nem serviço de UHF nas grandes cidades, o cenário presente é de grande concorrência. A questão-chave é que a TV aberta não está mais sozinha para abocanhar este mercado.

Melhor do que nada

Quem é capaz de comprar TVs de telas grandes, a fim de desfrutar as vantagens da alta definição de imagens, tem hoje vários meios de aquisição de programação em alta-definição. Alguns deles: recepção via satélite, cabo, microondas, internet banda larga, gravadores de discos HD etc. Cada modelo tem um conversor diferente, de modo que o conversor de TV aberta provavelmente não atingirá o mercado das faixas mais altas da pirâmide social, como o esperado. Isso significa que os custos industriais vão demorar a cair.

Por essas e outras é que acredito na TV analógica-digital híbrida. A sobrevivência das emissoras abertas está no aumento de receita através de programação digital sob encomenda. Na opinião de alguns americanos, é mais possível que a TV aberta nos EUA desapareça do que a transição digital seja concluída.

A alternativa dNTSC é muito interessante e não deveria ser desprezada pelos radiodifusores brasileiros, nem pelo governo e pesquisadores; afinal, é melhor assistir ‘TV chuviscada’ do que nada…

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Técnico em eletrônica, Jundiaí, SP