Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A fiscalização das outorgas

As Comissões de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado (CCT) e de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI) resolveram congelar, a partir da semana passada, a análise de outorgas de radiodifusão. O motivo foi reportagem publicada pela Folha de S.Paulo, assinada por Elvira Lobato, que mostra uma novidade não tão nova assim: empresas registradas em nomes de laranjas têm vencido concorrências para outorgas de radiodifusão comercial realizadas pelo Ministério das Comunicações. Os analistas do setor sempre ouviram rumores sobre o assunto – e, em alguns casos esparsos, puderam até mesmo comprovar a existência de falcatruas. Mas, pela primeira vez, uma investigação deu muitos nomes, números e evidências: 44 das 91 empresas analisadas tinham graves indícios de serem não mais que estabelecimentos de fachada, com endereço falso, e dirigidas por pessoas que claramente não têm condições financeiras para arcar com os altos preços que têm sido pagos por outorgas de radiodifusão.


O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, inicialmente deu algumas declarações bastante enfáticas: cassaremos essas outorgas. Depois, mudou para algo bem mais brando: pediremos a cassação dessas outorgas. Tudo devido a um dispositivo constitucional, informalmente conhecido por “emenda Brizola”, que blinda as outorgas de radiodifusão, exigindo decisão judicial para o cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo. Portanto, ao menos no caso das outorgas que já passaram pelo crivo do Congresso Nacional, não depende apenas na vontade do Executivo cassá-las, ainda que sejam manifestamente ilegais. É preciso recorrer à Justiça.


Vínculo entre fundação e instituição


A eventual participação do Congresso Nacional nesses atos falhos, ao aprovar concessões dadas em nome de laranjas e de empresas de fachada, gerou mais uma vez mal estar entre os membros das comissões responsáveis pela análise dessas outorgas na Câmara e no Senado. O senador Walter Pinheiro, que por muitos anos foi membro da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara, sempre foi um dos mais enfáticos em afirmar: “Estamos aprovando outorgas no escuro.” Cansado de tanto reclamar, o senador tomou uma decisão radical: passou a se manifestar contrariamente a toda e qualquer outorga de radiodifusão comercial. Pinheiro nunca esteve só – nos últimos anos, por diversas vezes, as comissões temáticas da Câmara e do Senado que tratam das outorgas de radiodifusão deram demonstrações de seu desconforto na análise das pilhas de documentos que vinham do Poder Executivo e que pouco revelavam sobre os processos de outorga. Como resultado, comissões especiais foram criadas, alguns processos foram rejeitados, normas internas foram revistas. Enfim, algum barulho foi feito, exatamente como acontece agora, com a suspensão da análise dos processos de outorga.


Mas o Congresso Nacional pode fazer alguma coisa a mais além de barulho? Existe a possibilidade de o Legislativo não ser um simples chancelador dos processos de outorga que vêm do Executivo, deixando assim de ser um “apreciador” para se tornar um “avaliador”? Temo que a maioria acredite que não. Como a Unesco, que, em recente estudo, afirmou com grande dose de exagero: “Deixar nas mãos do Legislativo o poder de outorgar concessões é uma anomalia que ameaça a democracia e põe em risco as garantias aos direitos humanos.”


A participação do Legislativo na apreciação de outorgas de radiodifusão é, de fato, uma das nossas muitas jabuticabas. Mas é possível transformar essa jabuticaba em uma bela jabuticabada. Algumas iniciativas recentes da CCTCI da Câmara dos Deputados mostram isso – não na análise do dia-a-dia das centenas de processos, tarefa enfadonha e meramente burocrática, mas nas atividades que o Poder Legislativo tem de mais nobres: sua atuação como fiscal das atividades do Executivo e no estabelecimento de novas regras que possam tornar políticas públicas mais transparentes e efetivas.


E não é preciso reinventar a roda. Em 2007, por exemplo, uma subcomissão da CCTCI analisou por mais de um ano os procedimentos adotados na outorga e na renovação de outorgas de radiodifusão. Após a realização de diversas audiências públicas, a subcomissão publicou um extenso relatório, no qual diversas medidas são sugeridas para tornar esse processo de outorgas e de renovação de outorgas mais eficiente e democrático. Um resultado imediato desse trabalho foi a aprovação do Ato Normativo nº 1, de 2007, que tornou mais rígidas as exigências para outorgas e renovações – por exemplo, foi graças a esse ato que passou a ser obrigatório, em caso de outorga ou renovação de outorga de radiodifusão educativa para fundação, demonstração de vinculação entre a fundação e instituição de ensino. Especificamente na outorga de emissoras de radiodifusão comercial, o ato passou a tornar obrigatória a divulgação das eventuais denúncias apresentadas durante o processo licitatório e providências adotadas pelo Poder Executivo para sua apuração.


Os resultados da auditoria do TCU


Contudo, diversas outras sugestões apresentadas no relatório da subcomissão, que tornariam as atividades do Poder Legislativo nas outorgas de radiodifusão muito mais eficazes, ainda não foram implementadas. Por exemplo, até hoje ainda não foi criado o sistema de informações sugerido pela subcomissão que tornaria possível ter o acesso a diversos dados sobre a tramitação de processos de outorga e de renovação de outorga de radiodifusão na página da Câmara dos Deputados na internet – com acesso, inclusive, aos documentos produzidos pelo Executivo e que hoje estão trancafiados nas caixas-pretas do Ministério das Comunicações e da Presidência da República. Também está na gaveta o Projeto de Lei nº 4.482, de 2008, apresentado pela CCTCI para estabelecer critérios para a outorga de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens comercial e educativa. O projeto traz regras valiosas que tornariam o processo de outorga de radiodifusão muito mais transparente e diminuiria sobremaneira a possibilidade de fraudes.


Na Câmara dos Deputados, vem ganhando força, no curtíssimo prazo, a adoção de uma medida que também havia sido sugerida pela CCTCI: a aprovação de uma Proposta de Fiscalização e Controle para que o Tribunal de Contas da União realize uma auditoria completa sobre os procedimentos adotados pelo Executivo para análise dos processos de outorga e renovação de outorga de serviços de radiodifusão. Uma proposta similar, com exatamente o mesmo texto sugerido pela subcomissão, foi apresentada pela deputada Luiza Erundina em 2008 (PFC 39/2008), mas a proposição hiberna na CCTCI há mais de três anos, sem deliberação.


Se a medida realmente vingar, veremos o assunto ser esquecido por algum tempo, até que o TCU publique os resultados da sua auditoria – que muito provavelmente trarão informações ainda mais bombásticas do que as já reveladas pela repórter Elvira Lobato na Folha de S.Paulo.


 


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Folha de S. Paulo, 13/4/11


Renata Lo Prete – Painel


Fora do ar


Em reunião de Paulo Bernardo (Comunicações) com integrantes das comissões de Ciência e Tecnologia do Senado e da Câmara, ficou acertado que o ministério irá elaborar regras mais rígidas para concessões de rádio e TV, depois que reportagens da Folha revelaram emissoras registradas em nome de ‘laranjas’. Até lá, os congressistas se comprometem a não aprovar outorgas que contrariem os novos padrões desejados.

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Jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília e consultor legislativo da Câmara dos Deputados