Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘A grande mídia não é intocável’

A regulação da mídia tem pautado a comunicação brasileira nos últimos meses. A criação da comissão interministerial para formular um novo marco regulatório e a recente realização do Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência das Mídias (confira) demonstram uma disposição do governo federal em debater o assunto. A regulação, no entanto, ainda enfrenta resistência do próprio Executivo e das empresas de comunicação, no que tange ao conteúdo.

Para a cineasta Berenice Mendes, integrante da Coordenação Executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), isso se dá ‘por um grande equívoco por parte do governo e por má-fé por conta da imprensa’. Para ela, a comunicação e o seu conteúdo devem ser regulados da mesma forma como ocorre em outras áreas. ‘A grande mídia não é intocável. Poder absoluto é a tirania’, afirma.

A cineasta manifesta ainda a preocupação das entidades ligadas ao movimento pela democratização da comunicação com a reestruturação do Ministério das Comunicações no novo governo, órgão considerado estratégico para a implementação de políticas públicas para o setor.

‘Vamos salientar o papel estratégico do Minicom’

O governo Dilma precisará implementar o Programa Nacional de Banda Larga e a formular um novo marco regulatório para as comunicações. Como poderá dar conta de projetos como esses?

Berenice Mendes – Acredito que o Ministério das Comunicações (Minicom) será fundamental para o sucesso do governo especialmente com esses projetos. Mas, para isso, o Minicom tem que sair do jogo pequeno da barganha da micropolítica e efetivamente ser tratado como um órgão que vai coordenar um setor estratégico para o país nesse momento. Precisa ter à sua frente uma pessoa de absoluta confiança da presidenta, afinada com o programa de governo do Partido dos Trabalhadores e da sociedade civil. Alguém com acúmulo, que conheça profundamente o setor, que tenha conhecimento das propostas de diretrizes para formulação de políticas públicas nessa área. Especialmente as que foram emanadas da 1ª Conferência Nacional de Comunicação. Além disso, é preciso ter capacidade técnica de trabalhar as grandes questões de infraestrutura.

Essa é uma das preocupações do FNDC. E nesse sentido, nós, juntamente com outras entidades nacionais ligadas ao movimento por uma comunicação mais democrática, estamos preparando um documento que será entregue à presidenta eleita. Vamos manifestar nossa preocupação com a equipe que vai coordenar o Minicom e salientar o papel estratégico que tem o órgão. Nossa intenção é ter uma reunião com a presidenta Dilma para expor os anseios da sociedade civil.

‘Experiência norte-americana é a mais avançada’

O Brasil está atrasado no que diz respeito à regulação da mídia. O que o marco regulatório deve contemplar para que o país possa avançar?

B.M. – Ele precisa ouvir a sociedade civil, empresarial e não empresarial, e para isso tem que ir à consulta pública o quanto antes. E só após receber essas contribuições ser encaminhado ao Congresso. O tempo que esse projeto de lei vai tramitar no Congresso é o tempo que haveria para que uma nova equipe, bastante competente e eficiente, reestruturasse e recompusesse o Ministério das Comunicações. Órgão que vai coordenar, na prática, a sua implantação, mas está completamente desmantelado nos últimos anos. Acredito que são dois processos: a tramitação do projeto, e aí a primeira coisa que precisa é a consulta pública para ir para o Congresso; e, paralelamente, a estruturação do Estado para estar em condições de executar esse novo marco legal no momento em que ele for promulgado.

Das experiências internacionais que foram apresentadas no seminário sobre marco regulatório promovido pelo governo, quais se adequariam à nossa realidade?

B.M. – A virtude estaria em tentar assimilar ou absorver o melhor das diversas experiências que nos foram apresentadas. Por exemplo, o projeto de Portugal, no que diz respeito à questão de conteúdo, é muito bom. Porque ele preserva toda a área de Jornalismo, deixando claras as atribuições e a necessidade da independência editorial. Para isso tem que ter profissionais realmente habilitados, preparados, com seus estatutos profissionais e diplomados. A questão de conteúdo e também a liberdade preconizada por Portugal com relação à internet são interessantes.

A proposta da França também é interessante. Eles regulam através de camadas tecnológicas o que é necessário, sobretudo, na questão da convergência. E no que diz respeito ao controle da propriedade da extensão, do controle empresarial de mercado, acho que nos interessa a proposta norte-americana. Ela é a mais avançada e a mais clara ao delimitar audiências, demarcar ou proibir a propriedade cruzada. Talvez seja um bom caminho.

‘Por que a mídia tem que ser uma vaca sagrada?’

A que se deve a resistência do governo e das empresas em debater a regulação do conteúdo da mídia?

B.M. – Acredito que se dá por um grande equivoco por parte do governo e por má-fé por conta da imprensa. E aí não estamos falando dos profissionais da imprensa escrita ou televisiva, mas dos empresários e seus lobistas. Ao pretenderem manter a atividade desregulamentada, utilizam artifícios para deturpar e tirar o verdadeiro significado do que a sociedade civil pleiteia. Então, quando a sociedade clama por participação na formulação das políticas, participação junto ao Congresso e ao Executivo na discussão desse novo momento de realidade tecnológica e de alteração do modelo de negócio, os empresários dizem que essa busca de participação é uma tentativa de controle e de censura na sua atividade. Ou seja, apenas eles poderiam discutir o modo como essa atividade tem que se dar no país. Como a força desses órgãos de comunicação é imensa, ela pressiona o governo. Que por sua vez, pretende diminuir problemas e áreas de atrito e, assim, tenta fazer a sociedade civil maneirar o seu discurso e tirar da sua plataforma questões de difícil enfrentamento.

Como a questão do controle público na comunicação?

B.M. – Exatamente. Quando falamos em controle público dos meios, na realidade o que se quer é participar da formulação das políticas públicas na área da comunicação. Assim como existe na educação, saúde e assim como a Constituição Federal determina e possibilita. Ninguém está querendo fazer censura. Censura se dá previamente, como havia na ditadura. Não se podia falar sobre tal tema nos jornais, TVs, rádios. Isso é censurar, colocar mordaça. O que a sociedade prevê e solicita é, num primeiro momento, um grande balanço conjunto sobre questões sensíveis à sociedade e sobre as quais ela nunca pode falar. Questões como a publicidade infantil, a quantidade de conteúdo violento, os horários em que eles são vinculados, a imagem da mulher, dos negros, dos índios, como isso é apresentado. São essas as questões mais sensíveis. Ninguém quer censurar o dia-a-dia, nem intervir na linha editorial do jornal ou dos programas, não é nada disso. A população adora a TV brasileira e nós nos preocupamos com isso porque a gente sabe o grande instrumento que são as comunicações e a importância central que elas têm na vida contemporânea.

Agora, a grande mídia não é intocável. Não existe poder absoluto, o poder absoluto é a tirania. Todos os poderes são controlados e regulados de uma forma ou outra. O poder econômico, o setor financeiro é regulado, o poder legislativo tem suas regras, o executivo e o judiciário, ninguém exerce o poder absoluto, por que a mídia tem que ser uma vaca sagrada?

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Da Redação do e-Fórum