Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A mídia pesquisada por historiadores

Em 2007, faleceu o historiador francês René Remond. Entre as importantes obras organizadas pelo autor, a coletânea de textos Por Uma História Política, Editora FGV 2003, é literatura assegurada nas graduações e pós-graduações em história pelo Brasil afora. Nesse momento, nos interessa um dos textos dessa obra, ‘A Mídia’, de autoria de Jean Nöel Jeanneney. As propostas do autor para o caso francês podem nos ser bastante interessantes.

De início, o autor se lamenta pelo fato de haverem poucos estudos sobre os meios de comunicação. A despeito da Histoire générale de la presse française, que oferece ao menos uma massa de informações factuais, a história da imprensa escrita carrega um desequilíbrio da documentação: ‘(…) De um lado, a massa imensa de papel impresso e, em contraste, uma mediocridade geral dos arquivos de empresas que permitiriam descrever a instituição do jornal, suas finanças, seus métodos de recrutamento, suas ligações cotidianas com os diferentes poderes.’

No caso imprensa audiovisual a situação piora, pois são muito mais difíceis a conservação e a consulta aos arquivos de imagem e som. A situação muda no que diz respeito à documentação escrita proveniente dos órgãos públicos que fazem rádio e televisão, que podem oferecer a consulta de séries completas às vezes enriquecidas por arquivos privados.

Diante da questão da influência da mídia sobre a opinião pública e dos meios pelos quais Estado, governantes e partidos políticos dispõem para pressionar a imprensa escrita falada ou televisiva e, através dela, a opinião pública, o autor conclui que a influência é menor do que os dirigentes supõem. No caso da influência política da televisão, por exemplo, até à chegada dos satélites, essa só transpôs as fronteiras de um país a outro muito marginalmente exercendo seu poder dentro dos países. Situação diferente do rádio, que extrai sua força das ondas curtas ignorando as fronteiras.

Financiamentos e programação

Ainda sobre a influência da mídia, o caso francês pode ser divido em três etapas. Na primeira, historiadores e sociólogos ratificaram inocentemente a opinião dos políticos de que o poder da televisão podia alterar atitudes. Num segundo momento, a medição dos votos partidários correlacionada com a posse ou não de aparelhos de televisão levou a uma fase de ceticismo, negando a influência. A terceira fase veio equilibrar o pêndulo numa posição intermediária entre as fases anteriores levando em conta a duração das temporalidades.

Nesse viés, se num curto prazo o efeito da televisão era fornecer argumentos fortes a convicções preestabelecidas, num prazo longo seria modelar culturas e atitudes estáveis. Assim, além dos noticiários, passaram também a chamar a atenção os programas capazes de modelar as mentalidades.

Num segundo momento de seu texto, Jean Nöel Jeanneney afirma que os governos tendem a incriminar os meios de comunicação na medida em que seus apoios se retraem. Na mesma medida, a oposição acusa o governo de um poder absoluto sobre a mídia. O autor chama esse fenômeno de mitologias cruzadas.

Enfatiza ainda que deve ser considerada a história dos projetos políticos empenhados em mudar as relações entre Estado e imprensa. Também afirma a necessidade de escrutinar a influência dos poderes públicos e de vários grupos de pressão sobre a mídia propondo duas abordagens. ‘A primeira consiste em estudar, no tocante à imprensa escrita, o dinheiro mais ou menos oculto que a irriga.’ Projeto também válido para as emissoras de rádio e o organograma político e jurídico dos canais de influência do Estado. A segunda abordagem consiste em verificar o surgimento, funcionamento e desaparecimento de programas. Também a nomeação e afastamento de diretores.

Grande mídia está nas mãos de poucas famílias

Outro aspecto também considerado importante pelo autor é o estudo da novidade introduzida em 1982 pelos socialistas, a chamada Haute Autorité. A finalidade desse órgão era colocar o rádio e a televisão públicos a serviço da nação inteira e não de um mero governo.

Em outro nível, o autor chama a atenção para aspectos como a:

‘(…) influência do rádio, e sobretudo da televisão, na vida política, influência na qual nem sempre se pensa, pois ela escapa ao mesmo tempo ao imediato e ao intencional: é aquela que o poder dos microfones e das câmeras exerce sobre os modos de expressão dos atores. A eloquência dos políticos foi certamente modificada por isso – a forma, a expressão, o vocabulário e a sintaxe, e talvez também seu gestual, sua maneira de vestir e de se mover (…)’.

O autor também propõe a realização de uma prosopografia dos jornalistas e dirigentes da imprensa. Deve-se estudar a socialização dos homens e a formação de suas opiniões e as gerações unidas por lembranças que podem ocasionar solidariedades instintivas. Também devem ser lembrados os vínculos múltiplos que aproximam os atores da mídia de outros. Deve-se atentar ainda para as análises de notícias. Essas têm o seu ritmo, vida, morte e só se explica uma em relação às outras.

As observações de Jean Nöel Jeanneney para pesquisas sobre a mídia na França não devem passar ao largo dos interesses dos pesquisadores brasileiros, sejam de que área forem. Isso, tendo em vista o debate sobre regulação da mídia que vem sendo realizado no Brasil. Também não devemos esquecer que aqui a grande mídia, impressa e televisiva, está nas mãos de poucas famílias. Mídia essa que se comporta de forma extremamente partidarizada, lembrando as eleições presidenciais do último outubro. A julgar pelos exemplos acima, os estudiosos da mídia no Brasil também contam com um leque variado.

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Professor de História, Ponta Grossa, PR