Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A promessa da Primeira Emenda

Na quinta-feira, um juiz federal determinou a prisão da repórter Judy Miller, do New York Times. O crime dela foi fazer seu trabalho conforme imaginaram os fundadores desta nação. Eis o que aconteceu e por que isso deveria preocupar você.

Em 6 de julho de 2003, Joseph C. Wilson IV – ex-diplomata de carreira, encarregado de negócios em Bagdá e embaixador – escreveu artigo, publicado nesta seção [Op-Ed], intitulado ‘O que não encontrei na África’. O artigo enfraqueceu as alegações do governo Bush sobre o poderio nuclear de Saddam Hussein.

Oito dias depois, o colunista Robert Novak escreveu artigo identificando a mulher do embaixador Wilson, Valerie Plame, como ‘analista da CIA para armas de destruição em massa. ‘Dois funcionários graduados do governo me contaram’, escreveu Novak, que foi a Sra. Plame que ‘sugeriu enviar Wilson’ para investigar a denúncia de que o Iraque tentou comprar urânio da República do Níger. Depois disso, muitos outros jornalistas escreveram matérias nas quais diziam ter recebido informação semelhante sobre a Sra. Plame, de fontes sigilosas do governo, e muitos concluíram que expor sua mulher como agente da CIA era um esforço para punir o Sr. Wilson por falar contra o governo. É preciso registrar, entretanto, que Judy Miller não estava entre os jornalistas que deram tal informação.

Como os funcionários que revelaram o status de Valerie Plame na CIA cometeram crime, o Departamento de Justiça abriu investigação federal para descobrir os responsáveis. Nela, muitos jornalistas foram intimados a revelar as fontes e ameaçados de cadeia se não cooperassem.

‘Quarto poder’

Em 12 de agosto, Judy Miller recebeu intimação – mesmo sem nunca ter publicado nada sobre o Sr. Wilson e a mulher – para informar se em suas conversas com funcionários do governo a identidade de Valerie Plame fora revelada. Não foi a primeira intimação à repórter. Em 12 de julho, o mesmo promotor tentou obter de Judy Miller e outro repórter do Times, Philip Shenon, a revelação de outra fonte. Curiosamente, após artigos – sobre instituições islâmicas de caridade e seu possível apoio ao terrorismo – publicados três anos antes. O promotor foi à companhia telefônica para obter os registros de seus telefonemas.

Assim, a menos que um recurso ao tribunal mude a sentença da semana passada, Judy Miller será logo mandada à prisão. E, se o governo for bem-sucedido na tentativa de obter os registros telefônicos de Judy Miller e Philip Shenon, muitas de suas fontes – mesmo as que nada têm a ver com essas duas investigações – serão reveladas.

Por que tudo isso? A possibilidade de ser preso por fazer seu trabalho é uma contingência na vida de qualquer jornalista – na verdade, de qualquer cidadão. Mas, mesmo preocupados com a perda de liberdade dos nossos colegas, há questões maiores aqui envolvidas.

A imprensa simplesmente não pode cumprir seu papel se suas fontes de informação – particularmente informação sobre o governo – são cortadas. Sim, a imprensa está longe de ser perfeita. Somos humanos e cometemos erros. Mas os autores de nossa Constituição e de sua Primeira Emenda entenderam que jornalistas deveriam funcionar como um ‘quarto poder’.

Ferramenta essencial

Como disse o juiz Potter Stewart [1915-1985; juiz da Corte Suprema dos EUA por 22 anos que, embora conservador, sempre votava com os liberais nos temas referentes à Primeira Emenda, que diz: ‘O Congresso não legislará sobre a instituição da religião, ou proibindo seu livre exercício; ou limitando a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito de o povo pacificamente se reunir, e encaminhar petição ao governo para reparação de injustiça’, ratificada em 15/12/1791], o primeiro objetivo da garantia constitucional de uma imprensa livre era ‘criar uma quarta instituição fora do governo como uma fiscalização adicional sobre as três esferas oficiais’.

Os fundadores da nossa democracia entenderam que nosso governo era também uma instituição humana passível de erros e pecados. Por isso criaram a Primeira Emenda, que daria à imprensa a capacidade de investigar problemas nas esferas oficiais de nosso governo e torná-los conhecidos do público. Desse modo, a imprensa foi sensivelmente colocada numa posição de ajudar a cobrar que o governo preste contas a seus cidadãos.

Uma ferramenta essencial que a imprensa precisa ter para desempenhar sua tarefa é o poder de colher e receber informações em caráter confidencial de fontes que seriam alvo de represália por trazer à luz do dia informações importantes sobre nosso governo, para que todos examinemos. Sem uma promessa firme de confidencialidade, fontes rapidamente secariam, e a imprensa estaria limitada a reportar as declarações oficiais do governo.

No escuro

Um quarto de século atrás, um repórter do New York Times, Myron Farber, foi levado à prisão também por fazer seu trabalho e se recusar a revelar sua fonte. Cumpriu 40 dias na cela de uma prisão de Nova Jersey. Em resposta a esta injustiça, a Assembléia Legislativa de Nova Jersey fortaleceu sua legislação sobre o assunto, que reconhece e protege a necessidade do jornalista de preservar fontes e informações.

Embora o governo federal não disponha de tal legislação, a grande maioria dos estados, assim como o Distrito de Columbia, tem atualmente proteção legal para repórteres. Muitas destas leis são tidas como um ‘privilégio absoluto’ para jornalistas, mas outras estabelecem critérios estritos que o governo deve cumprir antes que possa jogar um repórter na cadeia. Talvez seja um reflexo dos tempos em que vivemos ou talvez seja algo mais pérfido, mas a freqüência de repórteres ameaçados de prisão pelo governo federal está aumentando.

Para mudar esta tendência, para dar sentido às garantias da Primeira Emenda e assim fortalecer nossa democracia, é hora de o Congresso seguir o exemplo dos estados e votar uma lei federal de proteção a jornalistas. Sem ela, repórteres como Judy Miller podem ser presos. Mais importante, o público ficará no escuro sobre as ações dos funcionários do governo, eleitos e nomeados. Não era isso que tinham em mente os fundadores de nossa nação.

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Diretor-presidente e publisher; presidente e diretor-executivo do New York Times